O romancista norte-americano Philip Milton Roth (Newark, Nova Jersey, 19 de março de 1933) é considerado um dos maiores escritores norte-americanos da segunda metade do século XX. É conhecido, sobretudo pelos romances, embora também tenha escrito contos e ensaios.
Luciana H. Mussi *
Tendo como tema a decadência física e a morte, Roth, num tocante relato, tece detalhadamente em Patrimônio – Uma história verídica a doença de seu pai, um tumor cerebral.
Na época, Herman, pai, tinha 87 anos e Roth 55 anos.
De seus livros anteriores altamente retóricos, é em Patrimônio, lançado em 1991, que Roth encontra o tom certo, particular, o caminho da sua verdade, crua, rasteira, sem rodeios ou sentimentalismos. Através de um personagem real, seu pai, Roth dá um depoimento, frio, duro sobre uma doença que inunda, corrói e devora a saúde de um ser humano amado e querido. O pai pergunta ao filho: “O que eu sou agora?”
Quem teria a resposta? Nem mesmo Roth em pleno domínio das letras, de uma escrita sofisticada e genial poderia responder a tão constrangedora pergunta. Nesse momento é como se a nossa saúde representasse uma ofensa a quem padece da dor que mina o indivíduo por dentro, dilacera tudo que pode haver de bom e saudável num corpo antes produtivo e vivo e hoje, doente e sofrido.
Roth sobre a crueza da doença declara: “Ali estava meu patrimônio: não o dinheiro, não os tefilins, não a tigela de barbear, mas a merda”. Sim, o pai já não exercia controle algum, nem mesmo sobre as funções básicas do corpo. E Roth conta histórias, como essa, sem revolta ou indignação. Vemos um homem diante de uma realidade, não resignado, mas convencido que viver, assim como morrer tem lá seus desafios e não são poucos.
Para Roth há apenas uma constatação: “Morrer dá trabalho, e ele era um trabalhador. Morrer é pavoroso, e papai estava morrendo”. Essa morte ao vivo causa danos irreparáveis em quem assiste impotente ao fim de seus queridos e queridas. Penso que mais desesperador que a própria morte, é pensar no fim de quem amamos por toda uma vida ou parte dela ou quem sabe até por uma fração de segundo dessa doce, às vezes amarga existência.
O tempo passa, a doença segue seu curso e evolui, desconectando o indivíduo, pouco a pouco, de suas principais funções corporais. E o derradeiro encontro final entre pai e filho acontece trazendo com ele as boas e más lembranças da infância e da juventude. Rememorar tem lá suas dores, pagamos um preço altíssimo para viver e conviver com nossas experiências passadas.
Questões judaicas como o holocausto e o antissemitismo se fazem presentes e incomodam como já visto nos romances anteriores lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Na verdade, o que acontece de novo em Patrimônio é o sutil relato da dor, simples e cruel ao mesmo tempo. Sem sofisticações, lamentos ou rodeios.
Nelson de Oliveira (Folha de S.Paulo, 07 abril/2012) na sua crítica sobre o livro comenta: “Nas situações que seriam tristes, se não fossem cômicas: a apresentação de um grupo de músicos muito idosos, a viagem com um taxista maníaco, a tocante cena em que o filho é forçado a guardar no bolso uma dentadura molhada de saliva, entre outras. Esse romance não ficcional será mais aflitivo quanto mais idade tiver o leitor”.
Patrimônio marca um Philip Roth diferente, aflito, preocupado com o próprio envelhecimento e as respectivas consequências do processo: a decadência física e a morte. A partir daí vemos o nascimento de um escritor que sofre com a ideia de seu próprio fim, da dor além da alma, além de todas as metáforas possíveis.
No seu livro de 2006, Homem Comum, o narrador (ou será o próprio Roth) constata que a “a velhice não é uma batalha, a velhice é um massacre”. Em Fantasma Sai de Cena de 2007 e A Humilhação de 2009, o grande inimigo da dignidade humana são as doenças que levam à extinção aviltante.
Para quem quer conhecer um pouco mais deste fabuloso escritor, vale a leitura da entrevista concedida à Folha de S.Paulo, edição de 22 maio/2010. Nela Philip Roth fala sobre velhice, solidão e ameaça da perda de talento, que ligam o escritor ao protagonista de A Humilhação, lançado no Brasil.
Em “A Humilhação”, o protagonista é deprimido, desesperançoso. Quanto de você há no personagem?
PHILIP ROTH – Quem me inspirou foi um ator britânico, Ralph Richardson [1902-1983]. Em determinado ponto, ele não conseguia encontrar o seu talento. Disse às pessoas: “Perdi meu talento. Se alguém encontrá-lo, tem as minhas iniciais. Favor devolver, possui valor sentimental” [risos]. Imaginei a partir disso. Sei o que é quando o talento parece ausente. Não acho que exista um escritor na Terra que nunca tenha sentido isso. Dá um desespero terrível, uma tristeza. É um talento diferente, mas também preciso interpretar. E houve momentos em que não pude.
Quando teve essa crise pela última vez?
Nesta manhã [risos]. Tenho tido uma boa jornada nos últimos dez, 15 anos. Escrevi livros a cada dois anos, às vezes com mais frequência. À exceção de um período entre 1962 e 1967, quando tinha 30 anos. Não conseguia escrever.
Como se define naquela época e hoje?
Meus joelhos não doíam tanto [risos]. Publiquei o meu primeiro livro em 1959, aos 26. Nos primeiros dez anos, é um aprendizado, você está ensinando a si próprio. É muito difícil para mim ler os livros dessa época. Eles me parecem, às vezes, muito mal escritos. Hoje, tenho confiança no meu trabalho.
O quanto leva a sério as críticas que recebe?
Se forem escritas por alguém com credenciais e cérebro, levo a sério. Mas isso é no máximo em 10%, 5% dos casos. Então leio, mesmo que seja um ataque. E machuca. Quando comecei, tinha a pele fina. Hoje, não tenho pele nenhuma.
“A Humilhação” é centrado no envelhecimento, na morte. São temas que lhe preocupam?
São incômodos. Por uma razão simples: nos últimos dois anos, seis dos meus amigos mais próximos morreram. É assombroso. E, se o seu amigo morre aos 83, e você tem 77, fica ao lado do túmulo, subtraindo e adicionando. “Tenho seis anos, o que farei com eles?” E aí você começa a ter problemas de saúde. Chega um mês em que precisa ver o médico três vezes. Antes, eram três vezes em três anos.
No livro, o protagonista envelhece e fica só. Como é a sua relação com a família?
Tive dois casamentos, um quando jovem, outro mais velho. Nunca tive uma família. O primeiro casamento, na época em que eu teria construído uma família, foi um pesadelo. Então passei pela vida sem isso. Não sinto falta. A única família que tive foi aquela na qual cresci. Sou o último, éramos quatro.
Você já disse que, se começasse de novo, não seria escritor.
É uma vida difícil. Você sempre precisa construir algo do nada, e coisas que convençam. O esforço é gigantesco. E a frustração é enorme.
Referências
FIBE, C. (2010). Medo de perder talento liga Philip Roth a protagonista de “A Humilhação”. Disponível Aqui. Acesso em 10/04/2012.
OLIVEIRA, N. (2012). Roth tece relato comovente sobre o pai. Disponível Aqui. Acesso em 08/04/2012.