Hortas urbanas reúnem cidadãos interessados em produzir alimentos, ocupar espaços abandonados e manter um trabalho coletivo
Desde a revisão de seu Plano Diretor Estratégico, em 2014, a cidade de São Paulo passou a dar mais atenção aos espaços de agricultura dentro do perímetro urbano. Isso impulsionou a criação de hortas comunitárias em toda a região metropolitana. Diferentemente do que se pode pensar, no entanto, as hortas rendem muito mais do que alimentos a seus participantes: a rotina de cuidados com o espaço acaba por instigar uma consciência política. É o que mostra um artigo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista “Ambiente & Sociedade” na sexta (8).
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Interessados nesse efeito político das hortas, os cientistas André Biazoti e Marcos Sorrentino analisaram um grupo de hortas comunitárias presentes no centro expandido de São Paulo de três formas. Inicialmente, participaram de mais de 70 mutirões em hortas da cidade, observando as dinâmicas e conversando com pessoas engajadas. Depois disso, estenderam a observação ao ambiente virtual, com a análise de grupos públicos sobre o tema em redes sociais. Por fim, realizaram entrevistas aprofundadas com 15 participantes de hortas para entender o envolvimento político com mais detalhes.
Após as avaliações, os pesquisadores identificaram três níveis de engajamento que diferem quanto ao desenvolvimento da consciência política. Em geral, as hortas têm um núcleo formado por três a sete participantes que organizam as atividades e cuidam do projeto com mais intensidade, tomando, inclusive, decisões estratégicas. Um segundo grupo reúne de 20 a 30 pessoas que participam dos mutirões com frequência, engajando-se em ações pontuais. O último grupo é a chamada rede de apoio: tem 50 pessoas ou mais que, ocasionalmente, participam das atividades propostas.
Os mutirões são, justamente, os espaços nos quais os voluntários desenvolvem trocas mais relevantes. “A participação em coletivos de trabalho no espaço público aumenta a potência de agir e leva os participantes a se engajar em processos políticos”, diz Biazoti. O cientista aponta que, apesar de uma horta começar como uma experiência privada, há um movimento de expansão: surge o desejo de produzir alimentos em locais maiores e com mais pessoas. Neste contexto, os sujeitos engajados criam ou exercitam um pensamento democrático, essencial para a ação no coletivo.
Além dos mutirões, uma horta pode provocar outras formas de atuação política. Exemplos são a participação em audiências públicas, a presença em ações diretas de ativismo ou a realização de reuniões com o governo local. Atividades como essas são oportunidades de ampliação do conhecimento sobre o fazer político e sobre o trabalho com impacto em uma coletividade. Para Biazoti, a convivência com o diferente acaba por gerar laços de confiança e senso de solidariedade.
Apesar do efeito de conscientização política sobre as pessoas engajadas na agricultura urbana, os pesquisadores ponderam que esse impacto se limita aos grupos. “As hortas comunitárias não têm muito sucesso em modificar a cultura política já instituída”, diz o pesquisador. “Quando é necessário trabalhar junto à máquina pública, a relação tem caráter clientelista: o apoio do município se dá com base no contato pessoal, sem um trâmite oficial que indique o reconhecimento da relevância das hortas.”
A pesquisa nesses espaços é importante para impulsionar a criação de novos grupos de agricultura urbana, bem como para jogar luz aos benefícios da atividade, que extrapolam o mero cultivo de alimentos. É, ainda, uma forma de esclarecer ao poder público o potencial de apoiar a gestão democrática das diversas hortas mantidas na cidade.
Fonte: Agência Bori
Foto destaque de Marcos Santos/USP-imagens