A pandemia provou o quanto os sistemas de saúde dos países estão saturados e precisam de investimentos urgentes. Precisamos de laboratórios para que cientistas estudem as novas e velhas doenças. Precisamos de escolas que forneçam uma educação de qualidade e que preparem os profissionais para os grandes desafios que a humanidade ainda há de experienciar.
Nazaré Jacobucci (*)
Não! O planeta não está em ruínas. O que está em ruínas é a velha estrutura da insensatez, aliada à cultura do consumismo e do lucro, a qual a humanidade estava alicerçada.” (Nazaré Jacobucci).
Há muito tempo que, por meio da escrita, busco promover uma reflexão sobre o apego e a falta de consciência acerca da impermanência. Recentemente escrevi a respeito desse tema e no texto digo: não há nenhuma garantia que aquilo que planejamos para a vida aconteça. Não há! Tudo pode mudar a qualquer momento e para sempre. Desde as últimas semanas as pessoas assistem incrédulas suas vidas, a de seus amigos, a do seu bairro, a do seu país, a do planeta, mudarem a cada dia. E não foram mudanças simples. Tudo o que nos era familiar se tornou estranhamente diferente. A maneira como vivíamos neste planeta não existe mais.
CONFIRA TAMBÉM:
Quando ocorrem mudanças drásticas, que transformam nossa forma de se relacionar com o ofício de viver, é natural sentirmos medo e, por vezes, ansiedade. Neste momento a fragilidade humana está exposta diante do desconhecido. Não sabemos que proporções essa pandemia viral pode alcançar e, muito menos, quando ela terminará. Diante das incertezas, onde há mais perguntas do que respostas, somos tomados por uma série de sentimentos muitas vezes inexplicáveis. Não é tarefa fácil manter a serenidade no meio do caos, mas precisamos buscar estratégias, internas e externas, para tentarmos manter o equilíbrio entre o medo e a coragem, a ansiedade e a serenidade. Recursos estes que podemos encontrar no apoio social, espiritual e/ou com ajuda de profissionais qualificados. E muito desses recursos estão disponíveis de forma virtual.
No entanto, esse acontecimento, no meu entender, é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre alguns aspectos relacionados à forma como nós humanos estávamos nos comportando. E, se me permitem, estávamos nos comportando muito mal. Comportamento este que se refletia nas relações humanas, na relação com o meio ambiente, com os recursos naturais, com o consumo exacerbado e, porque não dizer, nas relações de poder.
Por estarmos vivenciando um momento de paralisação coletiva ímpar na história da sociedade contemporânea, seria interessante emergir uma nova consciência sobre a forma como estamos vivendo neste planeta. Entramos numa espiral desmedida de consumismo e, como sempre, estávamos atolados em nossas agendas, repletas de afazeres, e não tínhamos tempo de parar e refletir sobre tais questões. Mas agora a reflexão se faz urgente. Pois, ao consumirmos cada vez mais, as indústrias precisam entrar num processo incessantemente de produção, com isso mais agentes poluentes são lançados no ar, e claro, toneladas de lixo são produzidas, e assim por diante.
Pare um minuto e reflita – será que eu preciso comprar tanto? Será que o que eu estou comprando é realmente necessário? Será que preciso mesmo comprar um casaco novo a cada inverno? Será que preciso ter uma bolsa que combine com cada sapato? Por que comprar online se eu posso caminhar até o comércio local da minha cidade e posso prestigiar as lojas do meu bairro? Será que preciso trocar o aparelho celular a cada novo modelo lançado? Esses são apenas alguns exemplos.
Não precisamos de fábricas produzindo uma gama infinita de mercadorias descartáveis, de shopping centers e de plataformas online de compras com produtos inúteis. Precisamos de fábricas produzindo produtos úteis para o cuidado humano. Precisamos construir hospitais equipados para dar conta de cuidar da população cada vez mais idosa em todos os países. Essa nova pandemia provou o quanto os sistemas de saúde de diversos países estão saturados e precisam de investimentos urgentes. Precisamos de laboratórios para que cientistas possam estudar as novas e velhas doenças. Precisamos de escolas que forneçam uma educação de qualidade e que preparem os profissionais para os grandes desafios que a humanidade ainda há de experienciar. E, por fim, precisamos de profissionais da área da logística que possam gerenciar os bancos de alimentos e rastrear a distribuição de alimentos no mundo. Há muito desperdiço nos países ricos e muita fome nos países pobres.
Uma nova consciência se faz necessária para que possamos viver de forma mais digna e justa neste pequeno planeta. Precisamos sair da bolha em que vivíamos e ter um olhar mais atento ao que acontece ao nosso redor e às pessoas que nos cercam. Hora de deixarmos o supérfluo e centrarmos no essencial para a vida e para a alma.
Ao terminar esse texto lembrei-me do discurso final de Charles Chaplin no filme o “Grande Ditador” de 1940 que é perfeito para esse momento.
Não sois máquina! Homens é que sois!… Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo das trevas para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!”
(*) Nazaré Jacobucci – Mestranda em Cuidados Paliativos na Fac. de Medicina da Universidade de Lisboa. Psicóloga Especialista em Perdas e Luto. Especialista em Psicologia Hospitalar. Psychotherapist Member of British Psychological Society (MBPsS/GBC). Blog: http://www.perdaseluto.com
Foto destaque: Jan Kroon
Nota da redação Portal:
Este texto é um recorte do artigo publicado no blog de Nazaré Jacobucci no dia 30 de março de 2020.