Trabalhar com o envelhecimento é desafiador e cada dia é uma nova descoberta, os desafios e as tentativas de resolver as demandas são enormes.
Deiser Martini (*)
Desde outubro de 2016 trabalho em Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), no mesmo bairro onde resido. Confesso que no princípio não estava levando muita fé que iria dar certo, pois não era uma área e um público com quem eu tivesse muita afinidade. Foi a oportunidade de conquistar o primeiro emprego na minha área de formação e estou lá até hoje. Já se abriu outra casa e prestes a inaugurar mais uma, todas na mesma cidade, apenas em bairros diferentes. Isso só confirma as previsões de uma pirâmide invertida onde cada vez mais será necessário locais especializados para atender esse público e a necessidade constante de qualificação dos profissionais que atuam com o envelhecimento para dar conta das demandas.
CONFIRA TAMBÉM:
Posso afirmar com certeza que foi uma decisão acertada aceitar o convite apesar de não ter experiência na área no início. Trabalhar com o público idoso é desafiador e cada dia é uma nova descoberta, os desafios e as tentativas de resolver as demandas são inúmeros, mas também é gratificante receber o carinho, me sinto acolhida por eles. A atuação em equipe é fundamental para que se possa desenvolver um trabalho com qualidade. Na ILPI onde atuo a equipe é interdisciplinar e todas as áreas se conversam: enfermagem, fisioterapia, nutrição, serviço social, medicina, técnicos, cuidadores, cozinheiras, higienizadoras, todos são importantes para que a pessoa idosa possa ter uma vida com qualidade, e seus direitos, individualidades e singularidades asseguradas.
O contato frequente com a família também tem sua importância para que também se sintam seguros de que seus familiares estejam recebendo um cuidado adequado. Uma das principais habilidades que tive que desenvolver foi a escuta, muitas vezes tanto familiares quanto a própria pessoa idosa só precisa de alguém que a escute, possa trocar uma ideia, contar uma história, esclarecer algum fato ou situação, ou simplesmente desabafar… É de extrema importância que a pessoa idosa tenha voz onde quer que ela esteja inserida (casa, ILPI, sociedade) pois assim será possível criar, organizar, implementar e qualificar os serviços destinados para esse público.
Nada melhor que a própria pessoa idosa para dizer o que precisa ser feito para “facilitar” sua vida. “Concentrar menos no que é feito e mais no como é feito”, como comentou Manso (2022)[1]. Muitos avanços aconteceram desde a Constituição, a implementação da Politica Nacional do Idoso, e o Estatuto da Pessoa Idosa. Mas apenas leis e regulamentações, por si só, não são suficientes. É necessário que sejam cumpridas e efetivadas. Aomeu ver se faz imprescindível realizar ações que trabalhem a conscientização da população em geral, desde crianças até os mais “velhos”,uma vez que“envelhecimento não é uma doença mas sim uma etapa da vida, um processo”, como bem disse a professora Beltrina Côrte[2] durante o curso Fragilidades: o envelhecimento sob a perspectiva da gerontologia social.
Nesse mesmo curso, uma das frases que me marcaram e que seguirão comigo foi quando a profa. Beltrina afirmou “que estudar o envelhecimento é estudar a nós mesmos”. Essa frase me fez refletir sobre meu próprio envelhecer: como quero envelhecer, como me preparar, como me imagino daqui a 30 anos? Sei que a vida é uma caixinha de surpresas, muitas coisas podem acontecer, posso nem chegar à fase da velhice… Hoje vivemos em um mundo tão corrido, no automático, não se tem tempo para se ouvir o que o outro quer falar, nem o que está sentindo, apreciar as coisas boas da vida (como filhos, família, saúde), ser grato por ter um lar, trabalho, amigos… Tempos modernos que nos afastam uns dos outros apesar de vivermos conectados pela internet.
Enfim, trabalhar com o público idoso me fez perceber coisas, sentimentos que talvez estivessem dormindo dentro de mim, principalmente a gratidão pela vida, não que antes eu não fosse, mas percebo que algo mudou dentro de mim. Aprendi a dar mais valor às pessoas e às coisas simples da vida.
Trabalhar mais de perto com a morte me fez ter mais consciência que nada é infinito e isso em qualquer etapa da vida. As coisas mudam, pessoas se vão e nunca estaremos cem por cento preparados para esse fato. Por isso pretendo cada vez mais me qualificar, para poder atuar com qualidade, discernimento, respeito às minhas ações, e não apenas no campo profissional, mas também na vida como um todo. Um dos meus grandes desejos é poder fazer uma especialização em Cuidados Paliativos, para poder contribuir na vida de alguém.
Notas
[1] Como disse a professora Maria Elisa Gonzalez Manso durante a aula no dia 10 922) do curso “Fragilidades: o envelhecimento sob a perspectiva da gerontologia social”, ministrado no Espaço Longeviver.
[2] No dia 20 822), em uma aula do curso Fragilidades…
(*) Deiser Martini, 33 anos, casada, um filho, Assistente Social, atua no momento em duas ILPIs na cidade de Caxias do Sul/RS. Texto escrito no curso “Fragilidades: o envelhecimento sob a perspectiva da gerontologia social”, promovido pelo Espaço Longeviver/Portal do Envelhecimento, no segundo semestre de 2022. E-mail: [email protected].
Foto destaque de Rodnae Productions/pexels