O AVC é uma das doenças que mais matam no País, mas ainda é negligenciada
Por Julia Custódio (*)
O acidente vascular cerebral (AVC) acontece quando há problemas nos vasos sanguíneos que alteram o fluxo de sangue no cérebro, o que causa a morte de células do sistema nervoso na região afetada. Classificado como acidente vascular isquêmico (vasos cerebrais entupidos) ou acidente vascular hemorrágico (rompimento dos vasos), o AVC é uma das doenças que mais matam no País, além de ser a principal patologia que causa incapacidade funcional (desempenho físico prejudicado) e cognitiva (comprometimento das funções encefálicas) no mundo. Segundo dados do Portal da Transparência do Centro de Registro Civil, em 2023, até novembro, foram registrados mais de 98 mil óbitos por AVC no Brasil.
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Apesar dos números elevados de mortes e da grande prevalência na população brasileira, o AVC ainda é considerado uma doença negligenciada, e poucos estudos longitudinais de longo prazo investigaram seus fatores de risco durante um grande período. Pesquisadores da USP publicaram artigo com os resultados de um estudo derivado de 12 anos de acompanhamento de pacientes que sofreram AVC e procuraram o primeiro atendimento no Hospital Universitário (HU) da USP.
Em Cerebrovascular risk factors and their time-dependent effects on stroke survival in the EMMA cohort study, publicado na National Library of Medicine, se observou que o grau de incapacidade funcional pós-AVC, ou seja, dificuldade em executar tarefas cotidianas básicas, é o fator que mais influencia nas taxas de mortalidade e que a reabilitação para essas sequelas melhora o prognóstico (evolução da doença) dos pacientes em longo prazo.
O Estudo de Mortalidade e Morbidade do AVC (EMMA) se iniciou em 2006. Foram incluídos pacientes de 2006 a 2014, com acompanhamento dos sobreviventes ou informações sobre óbito até 2018. “Uma vez incluídos, fizemos um seguimento periódico anual via telefone, se o paciente estava vivo e se ele ou um acompanhante familiar poderia conversar conosco sobre o estado de saúde pós-AVC: se teve outro episódio, se ficou com alguma sequela, se estava fazendo reabilitação fisioterápica e fonoterápica, se tomava os remédios para os fatores de risco cardiovasculares, entre outros”, detalha Alessandra Carvalho Goulart, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e médica pesquisadora do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP.
Com as repostas obtidas, os pesquisadores compararam o efeito de variáveis ao longo do tempo — como idade, sexo, baixo nível educacional, comorbidades prévias, uso de medicamentos — durante o período de acompanhamento, e assim, conseguiram apontar os fatores que estão ligados a uma pior sobrevida pós-AVC.
Dos 1.378 casos observados pelo EMMA, o artigo analisou uma amostra de 632 pessoas que sofreram AVC isquêmico e estavam vivas pelo menos por seis meses após o acidente vascular. Dessa amostra final, houve 275 óbitos durante o seguimento.
“Observamos que o sexo masculino, o baixo nível educacional, não fazer uso contínuo de medicação para controle dos fatores de risco e algumas comorbidades prévias implicam um risco maior de morrer, porém o risco foi fixo, ao longo de 12 anos não mudou”, diz Alessandra Goulart. Apesar do risco fixo, se a pessoa não cuida desses fatores, há maior chance de morte.
Em contraste, o uso contínuo de medicamentos para controle dos fatores de risco cerebrovasculares reduziu o risco de mortalidade em 50% nos anos observados.
“A mortalidade é muito alta nas pessoas com comorbidades que não fazem reabilitação de fono e fisioterapia. Porque há um risco maior de broncoaspiração e de morrer de complicações infecciosas, como pneumonia aspirativa, por exemplo. Além do uso de medicações e a presença de comorbidades, o que realmente chamou atenção foi a questão da pessoa ainda se manter sequelada pós-AVC, com a incapacidade no mínimo moderada a grave de ter uma pior sobrevida em longo prazo”, diz a pesquisadora.
Em relação ao risco dependente do tempo pós-AVC, os pesquisadores observaram que o grau de incapacidade funcional (moderada a grave) e o envelhecimento tiveram maior impacto na mortalidade, principalmente entre seis meses e dois anos e meio após o acidente vascular.
Segundo Alessandra Goulart, os resultados demonstram a importância de investimentos em fisioterapia e reabilitação para os indivíduos que sofreram acidentes vasculares, uma vez que eles podem viver mais e sem sequelas. Ao mesmo passo que pessoas mais sequeladas pelo AVC apresentam uma taxa de mortalidade maior e têm mais complicações médicas, quem se recupera melhor das complicações tem um melhor prognóstico pós-AVC.
“É necessário melhorar a rede de atendimento de reabilitação, porque o AVC ainda configura uma das principais cargas de mortalidade e morbidade no mundo, principalmente nas populações mais carentes, como parte da região do Butantã [zona oeste de São Paulo, onde fica o HU]”, destaca a pesquisadora.
(*) Julia Custódio, estagiária do Jornal da USP.
Foto: Anna Shvets/pexels
Fonte: Jornal da USP