A abordagem de aspectos como o declínio físico e mental, as modificações da família contemporânea e a sua desestrutura para a demanda crescente do cuidado e a reflexão sobre a institucionalização, são pontos fortes do livro “Mortais”, de Atul Gawande. Além disso, a crítica ao despreparo dos próprios médicos para lidar com esta população se mostra bastante relevante especialmente por vir de um colega e conhecedor desta realidade. Um ponto sensível, corajoso e necessário na proposição de uma discussão séria sobre o tema.
Isabella Quadros *
Muito é falado atualmente sobre o envelhecimento, longevidade e velhice – temas que requerem cada vez mais atenção devido ao alongamento da vida e, consequentemente, o acréscimo do número de pessoas idosas nas pirâmides demográficas ao redor do mundo.
As notícias sobre a velhice fragilizada me despertam especial interesse e, ao ler a matéria de Ricardo Mioto (“Envelhecer até a fase de dependência é efeito colateral do avanço da medicina”) na Seção Equilíbrio e Saúde da Folha de S.Paulo, em 20/10/2015, não fugi à regra.
A reportagem comenta o livro “Mortais” do médico Atul Gawande, que aborda a velhice fragilizada e as agruras desta condição e do cuidado familiar ou profissional que esta requer. Esta é uma realidade cada vez mais frequente, carecendo de espaço nos livros, pesquisas e também na mídia. Importante discutir um tema que tanto tem angustiado famílias inteiras e nos fazer refletir sobre que possibilidades de dignificação do sujeito fragilizado realmente existem. Pessoas cujas vidas são cada vez mais alongadas por um olhar positivista da medicina que sentencia ou nega o processo natural, investindo em inovações que promovem mais anos de vida em descompasso com a qualidade que estes podem efetivamente conter.
A abordagem de aspectos como o declínio físico e mental, as modificações da família contemporânea e a sua desestrutura para a demanda crescente do cuidado e a reflexão sobre a institucionalização – se esta pode ou não ser uma solução, parecem ser pontos fortes do livro de Gawande. Além disso, a crítica ao despreparo dos próprios médicos para lidar com esta população se mostra bastante relevante especialmente por vir de um colega e conhecedor desta realidade. Um ponto sensível, corajoso e necessário na proposição de uma discussão séria sobre o tema.
Contudo, os destaques para frases de Philip Roth (“A velhice não é uma batalha; a velhice é um massacre”) e Drauzio Varella (“Se você só tem filhos homens, não tem mãe nem irmãs, reza para morrer antes de sua esposa. Caso contrário, meu amigo, é provável que seus últimos dias sejam passados com estranhos. Não me interprete mal, filho homem. Você irá visitá-los quase todos os dias, no almoço. Perguntará se estão bem, se as dores melhoraram, mas infelizmente precisará voltar para o escritório”), talvez um recurso do jornalista para valorizar o discurso, ressaltam perigosamente apenas uma das versões possíveis sobre a vida longeva e fragilizada: a mais fatalista e negativa, podendo reforçar estereótipos e dificultar o desenvolvimento de soluções construtivas e possíveis.
A vida é contraditória e, doença e morte são pertencentes desta dinâmica. São coadjuvantes e não antagonistas. E não é justamente na contradição e na adversidade que temos a chance de enxergar outras formas de vivenciar a vida? Não é à toa que Carl Jung afirmava à plenos pulmões: “Bendita crise!”, tese que a Psicologia Clínica confirma incessantemente na sua prática: Estudos ressaltam que tanto as pessoas que passam por dificuldades, crises e traumas como seus cuidadores (familiares ou profissionais) têm um aumento nas suas capacidades para resolverem conflitos e mágoas, possuem acréscimo de sentimentos como gratidão e autossatisfação e valorizam coisas simples da rotina e de suas vidas, tornando-se indivíduos mais resilientes.
Os benefícios que o prolongamento da vida traz para o indivíduo e sociedade ou se este é um prolongamento da decrepitude e de uma existência sem sentido são reflexões urgentes e precisam ser abordados. Mas considerar a singularidade de cada sujeito e a potência criativa da vida diante das adversidades também o são. Fica a torcida para que o livro “Mortais” contemple essas duas faces e contribua para preciosas reflexões, incitando soluções para esta realidade ainda tão nebulosa.
Referências
Mioto, Ricardo. Envelhecer até a fase da dependência é efeito colateral do avanço da medicina. Disponível Aqui. Acesso em 20/10/2015.
* Isabella Quadros é psicóloga e mestre em Gerontologia pela PUC-SP. É sócia da Anagatu IDH em Programas de Pós Carreira e colaboradora do Portal do Envelhecimento. Email: [email protected]