O filme Rosa e Momo trata do emaranhado de fios da teia chamada vida, tendo como protagonistas Sophia Loren, 86 anos, e Ibrahima Gueye, 12 anos.
Rosa e Momo é um filme apaixonante. No papel de Rosa, Sophia Loren, 86 anos, show de interpretação; no papel de Momo, Ibrahima Gueye, 12 anos, tão bom quanto. Logo, não se trata de um par romântico, mas de uma relação intergeracional tensa e intensa. Começa com Momo aproveitando a distração de Rosa na feira para trombá-la. Além de levar a sacola de Rosa com um pequeno tesouro, provoca sua queda. Uma cena de queda com uma idosa é mais difícil filmar do que Tom Cruise agarrado em um avião em pleno ar.
Ops, mas esta Sophia Loren é aquela?
A própria e o filme acaba de sair do forno. Há dez anos a diva do cinema não fazia nada, mas a Netflix usou todo o seu poderio para nos presentear com esta obra prima. Para tal, contratou um diretor capaz de convencer Sophia, seu filho, Edoardo Ponti, e escalou um time de feras. A música tema ficou por conta de Laura Pausini, precisa falar mais? Precisa, o cenário é uma cidade costeira e a proximidade com o mar não é à toa, a Itália é a porta de entrada de imigrantes africanos que sofrem perseguição e preconceito. Momo é um órfão senegalês e, para sobreviver, atua como aviãozinho do tráfego.
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São três crianças contracenando com Rosa (Sophia Loren), todos filhos de prostitutas. Além de Momo, um outro guri de seus cinco aninhos – vale a pena registrar suas expressões, são lindas – cuja mãe, uma galega, mora no andar de baixo e é a pessoa mais próxima de Rosa; o outro garoto tem a mesma idade de Momo, porém mais franzino, um judeu abandonado que vive a espera da mãe, enquanto isso Rosa o prepara para seu bar mitzvah.
Espera, Momo roubou Rosa, quase a mata, e mesmo assim vai viver com ela? Exato. O filme começa com nosso herói no fundo da caverna mais escura, o herói é Momo e o diretor nos leva a acompanhar sua jornada que segue o manual de Campbell e seu herói de mil faces, sem tirar nem pôr.
Por que Momo e não Rosa? Porque Rosa está no fim da sua jornada. Judia, passou por campos de concentração e vive assombrada no fundo da sua caverna. E a caverna neste filme é literal. Dela um personagem emerge para a vida, Momo, herói engrandecido, outro para a morte, Rosa, missão cumprida.
Rosa foi prostituta até os 60 anos e desde então faz da sua casa uma daycare para acolher os filhos de outras prostitutas, mas já não tem pernas para admitir outros e só aceita ficar com Momo por dois meses porque seu amigo médico, que tem a guarda do garoto, promete pagar uma mensalidade boa, 750 euros, pois tem esperança no pequeno herói.
Mas nenhum herói deixa o fundo da caverna sem um mentor, ensina Campbell. Rosa tem um amigo, comerciante árabe, que admira muito e o escolhe para ser mentor de Momo. Nosso herói bate cabeça, aprende com seus erros, absorve os ensinamentos do mentor, reconhece que sua maior aliada é Rosa e tenta corromper seus papéis, mudar personas, sugerindo um arranjo amoroso entre os dois e assim ganhar, quem sabe, uma família.
Momo, os velhos são egoístas demais para viverem juntos. Momo aprende mais uma com seu mentor e cresce como herói, restaura o livro da vida e está pronto para deixar a caverna, sobreviver longe da mãe leoa.

Antes dos finalmentes, vale a pena registrar na abertura a menção ao Brasil, é de arrepiar. A prostituta amiga está feliz, bota na vitrola um disco e chama Rosa para dançar. É demais ouvir Malandro, de Jorge Aragão, na voz de Elza Soares.
Agora podemos falar da aliança entre Rosa e Momo. Picada por cobra, Rosa pisa com cuidado em hospitais, terreno minado, não vê neles muita diferença em relação aos campos de concentração nazistas, ou entre um médico e um torturador. Pesado, muito pesado. Ah, no início falei de um médico amigo? Vamos mudar para conhecido.
Será que nosso herói será capaz de salvar Rosa?
Possivelmente, mas antes Momo precisa se salvar, pois anda enrolado, deslumbrado, preso no emaranhado de fios dessa teia chamada vida.
