Uma mulher e ‘uma vida sem um ele’ enfrenta o inevitável: a dor da perda, o sofrimento da falta, a fome nunca saciada, a procura daquele que não mais está.
“Existem duas maneiras de reagir dolorosamente à perda do ser amado. Quando estamos preparados para vê-lo partir, porque está condenado pela doença, por exemplo, vivemos a sua morte com uma dor infinita, mas representável. Como se a dor do luto fosse nomeada antes de aparecer, e o trabalho do luto já estivesse começado antes do desaparecimento do amado. Assim a dor, embora insuportável, fica integrada ao nosso eu e se compõe com ele.
Se, ao contrário, a perda do outro amado é súbita e imprevisível, a dor se impõe sem reservas e transtorna todas as referências de espaço, tempo e identidade. Ela é invisível porque é inassimilável pelo eu. Se devêssemos designar qual desses dois sofrimentos merece plenamente o nome de dor, escolheríamos o segundo.
A dor é sempre marcada com o selo da subitaneidade e do imprevisível.”
É assim que o psicanalista e psiquiatra J.D. Nasio (2007, p. 77) define as dores psíquicas. Utilizo a citação de Nasio para tecer alguns comentários sobre o filme Uma vida sem ele, já em cartaz nos cinemas (À propôs de Joan), do diretor “Laurent Larivière”.
Isabelle Huppert, atriz que protagoniza Joan, como sempre está esplêndida em sua atuação. Liberta, solitária, profunda, eu diria: uma mulher, de certa forma, difícil de entender, tamanha é a emoção expressa em um olhar distante, vazio. Penso, qual seria sua dor?
Essa é a resposta que teremos apenas nas últimas cenas, sensação que acaba nos causando um ligeiro incômodo, parece que falta alguma coisa.
Quando achamos que entendemos quem seria o tal “ele”, retornamos ao princípio de tudo. Na vida é mais ou menos assim: seguimos, retornamos, tropeçamos até que chegamos à compreensão. Quero dizer ao fim? Não sei…
Afinal, o que ocorre com Joan?
Será o amor da juventude perdido para sempre? Será a frustração do abandono de uma mãe/mulher sedenta por amor, exoticidade e aventura? Será um pai distante? Omissão seria o enigma de Joan?
Será um amante ou um namorado que não corresponde as suas expectativas de homem resolvido e maduro? Serão as agruras de educar o filho de um homem que nem desconfia da sua existência? Será o viver só ou só o viver com a certeza de um filho com vida feita, já construída profissionalmente, afetivamente e, ainda, longe dela e mesmo assim feliz?
Será que isso acontece com todas as mães, mulheres ou mulheres/mães?
Novamente, Joan nos intriga do início ao fim, mas tudo acaba por se esclarecer tristemente e, porque não dizer, já em paz, libertamente nos derradeiros minutos.
Uma mulher e uma vida sem um “ele”, em todas as fases de uma existência, que começa pelas malandragens divertidas com um namorado sedutor e atraente, transcorre inicialmente repleta de esperança própria das mocinhas ingênuas e desejantes e segue tendo que enfrentar o inevitável: a dor da perda, o sofrimento da falta, a fome nunca saciada, a procura daquele que não mais está.
Ainda na tentativa de acolher Joan, sentimos que alguma coisa está dilacerada, rompida, cerrada, mas ainda assim continua presente, viva, dá para tocar, sentir o calor, mas subitamente, a realidade invade a cena: tudo torna-se ausente. É nesse esquartejamento entre uma extrema presença; a alegria de ter e uma extrema ausência; a eterna falta, que consiste em dor.
Só quem vive a vida compreende a dor de amar.
Referências NASIO, J. D. (2007). A dor de amar. Rio de Janeiro: Zahar.
Engenheira, psicóloga, mestre em Gerontologia pela PUC-SP e doutora em Psicologia Social PUC-SP. Membro da Comissão Editorial da Revista Kairós-Gerontologia. Coordenadora do Blog Tempo de Viver do Portal do Envelhecimento. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected].
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