Iracy Garcia da Silva, 67 anos.

Iracy é uma é mulher batalhadora, entusiasta, alegre e paciente. É querida por todos. Sua forma de conduzir e entender a vida sempre foi um mistério para quem a conhece. Iracy sempre buscou força e coragem para enfrentar as dificuldades da vida sem criticar, sem mistificar, sem colocar a culpa ou a responsabilidade nos Deuses ou nos Homens.

 

Iracy não valoriza às tristezas da vida, porque as considera comum a todos e parte do viver, Viver implica movimento. E não existe movimento sem força, sem esforço, sem envolvimento. Quem a conhece sabe que ela enfrentou varias dificuldades: a saúde sempre frágil do marido, a doença de Alzheimer da mãe, o retorno ao trabalho, o câncer do pai . Sempre driblou as demandas familiares sem desanimar e sem se alienar da vida . Não esfriou os sentimentos e nem endureceu a alma. Ao contrario, tem sempre um sorriso nos lábios, não se lamenta de nada, continua confiante, serena e se declara feliz com a vida que tem.

Cada vez mais me espanta o impacto da atitude de vida nas formas de enfrentar o envelhecimento. Fatores genéticos, psíquicos e ambientais não dão conta de explicar os enigmas do que é viver. Cada ser humano é único, e essa unicidade reflete-se na maneira de se pensar a vida. Dizem que é importante “viver intensamente”, mas o que é “viver intensamente”? Será mesmo que vivemos mais intensamente quando temos 17, 20 ou 30 anos? E a questão da subjetividade? O que é viver intensamente quando se tem 60 , 80 ou 90 anos?

Dona Iracy é um exemplo que me suscita essas indagações. Vou deixar essa reflexão para os leitores.

A história

Iracy, é casada com Walter Cordeiro da Silva, tem 3 filhos, 2 netos e uma neta.

Nasci em Valparaiso, no município do estado de São Paulo, no dia 18 de maio de 1942. Minha mãe cuidava da casa e dos filhos. Uma vez minha mãe pegou serviço de camisaria para arrematar em casa, mas não dava muito tempo, tinha a casa e os filhos para cuidar. Meu pai era pipoqueiro, sempre ganhou á vida dessa forma, mas em casa nunca faltou nada. Tinha comida, harmonia e amor. Nós éramos em 6 irmãos; três mulheres e três homens. Eu sou a mais velha das mulheres. Meu pai Santiago e minha mãe Yolanda já faleceram, meu irmão mais velho também.

Tenho boas recordações da infância. Era uma época boa. Foi uma infância simples, mas muito feliz. Sempre fomos muito unidos. Todos trabalhavam e ajudavam em casa.

Iracy- 1943 Iracy – 1956

Lembro-me que em Valparaiso, morávamos num quintal bem grande. Ao lado da nossa casa, tinha um bar, de uma família japonesa, e ao lado do bar, tinha uma sacaria. A família japonesa gostava muito de crianças, eles reuniam todos e levavam para passear de barco numa ilha próxima. Lembro-me de uma grande tina de água, onde eles colocavam as garrafas usadas do bar. Naquela época as garrafas eram sempre retornáveis. Eles pediam às crianças para ajudar a tirar os rótulos. Brincávamos na água, ganhávamos balas, era uma festa. Não tenho nenhuma lembrança ruim da infância.

Quando eu tinha 8 anos, saímos de Valparaíso e fomos morar em Lins. Ficamos 2 anos em Lins e depois viemos para a capital de São Paulo morar na casa de um tio, no bairro da Parada Inglesa. Meu pai começou a construir uma casa, é esta casa onde moro hoje. Demorou a ficar pronta e moramos na casa do meu tio até meu terminar a construção.

Meu pai, não tinha um emprego formal. Sempre trabalhou de pipoqueiro. Era conhecido por todos como Santiago pipoqueiro. Ele conduzia seu carrinho até às escolas próximas do bairro e vendia : “machadinha” , pipoca, gelatina colorida e “quebra queixo”; Eram doces que a meninada gostava . Naquela época, não tinha tanto doce industrializado. Meu pai fazia tudo em casa, lotava o carrinho e saia para vender. A pipoca doce ele levava pronta e a pipoca salgada fazia na hora .

Meu pai criou os filhos trabalhando muito, sempre com o carrinho de pipoca. Tivemos uma vida boa. Tínhamos comida, casa e família. Não faltava nada. Não tínhamos luxo, mas não fazia falta.

Um fato que me marcou na infância foi quando morava em Lins. Estava com 9 anos, e sempre atravessava um rio para levar o almoço para meu pai. Um dia, fui levar o almoço e quando estava voltando, percebi que tinha alguém me seguindo. Um homem me seguia desde a cidade e me perguntava onde ficava um determinado endereço. Quando cheguei próximo a minha casa, ele parou o carro e me perguntou onde ficava o pensionato das freiras, e eu informei. Ele disse para eu entrar no carro dele para ensinar o caminho. Eu respondi que estava frente a minha casa, e precisava avisar minha mãe. Quando contei para minha mãe ela disse: o que? onde está esse homem? quando chegamos na rua ele havia desaparecido. Isso marcou minha infância. Fiquei assustada quando minha mãe me explicou o que poderia ter acontecido se eu não tivesse falado com ela.

Iracy- 15 anos

Para crescer bem tem que ter amor dentro de casa. Os pais que brigam muito que se maltratam, não tem união, os filhos não crescem bem . O casal tem que se dar bem. Quando tem muita briga é melhor separar, senão os filhos também sofrem.

Nós tínhamos amor, mas também tínhamos limites. Era tudo conversado.

Fiz o curso primário e comecei a trabalhar ainda menina, aos 12 anos fui trabalhar com minha tia numa fabrica de camisas, na Av Tiradentes. Eu aparava os fios das camisas Um dia apareceu fiscalização e eu tive que sair da fabrica e fiquei dando voltas na rua até o fiscal ir embora. Eu não podia trabalhar porque era menor de idade. Trabalhei numa fabrica de bolsas na rua Gabriela, na Parada Inglesa. Fazia os acabamentos nas bolsas, colava e cortava fios. Trabalhei também numa camisaria na Praça Princesa Isabel.

Quando já era mais mocinha, arrumei um emprego de balconista, no Foto Leo. Era um lugar bom para se trabalhar.

Recebia os filmes para revelar, encaminhava para o laboratório, vendia maquinas e artigos fotográficos. Comecei trabalhando na filial, na Rua São Bento, depois fui para a matriz, na Rua São João. Depois de casada ainda trabalhei mais um pouco, até engravidar do primeiro filho.

Namoro

O Walter foi meu primeiro namorado, eu tinha 13 anos.

Iracy e Walter

Quando eu tinha 15 anos, uma tia contou para meu pai que eu estava namorando. Todos os dias meu pai me esperara no ponto de ônibus, mas o Walter descia um ponto antes e meu pai não percebia que vínhamos juntos. Um dia, meu pai o chamou para conversar e

conhecê-lo melhor. Os dois se entendiam bem.

Iracy e Walter

Meu pai era um amor de pessoa. Nunca bateu em nenhum filho. Se encontrasse alguma coisa errada, chamava a gente no quarto e conversava. Às vezes era melhor apanhar do que escutar o sermão dele. Graças a Deus não posso reclamar, tivemos uma família unida, entre os irmãos também sempre houve entendimento.

Walter trabalhava no Foto Labor. No começo, levava fotocópia para autenticar, depois aprendeu a fazer revelação de filmes, pegou gosto pela fotografia e trabalhou como fotógrafo por um tempo. A maioria das fotos que eu tenho daquela época era ele quem tirava.

Quando fiz 17 anos, ficamos noivos. Fizemos uma festinha e aproveitamos para comemorar meu aniversario e o noivado.

Noivado: Iracy e Walter – 1959

Os pais de Iracy à esquerda e os pais do Walter direita – 1959

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Casamos em 18 de maio de 1964, na Igreja Dom Bosco, na avenida Tiradentes.

Walter e Iracy – 1964

Entre namoro e noivado foram 10 anos e estamos juntos ate hoje. São 54 anos. Não é fácil! mas não tenho queixa. Não vou dizer que nunca tivemos uma encrenca. É normal, mas a gente se da bem. Eu não vivo sem ele e ele não vive sem mim. A gente não briga. Às vezes dou umas broncas nele para ele se cuidar melhor, fazemos companhia um ao outro.

Meu casamento foi lindo. A festa foi simples mas muito bonita. Ganhamos o bolo de casamento de um amigo, o bolo era lindo! Naquela época as festas eram simples. Era sanduíche, refrigerante, cerveja, bolo de fubá, essas coisas.

Iracy – 1964

Fomos passar a lua de mel no Guarujá. Um amigo emprestou uma casa linda, era um lugar deserto naquela época, um lugar que nós não conhecíamos, a viagem foi inesquecível, maravilhosa

Iracy e Walter – Lua de mel

Uma noite, escutamos um barulho, ficamos apreensivos, achamos estranho, a casa era toda de vidro, o lugar deserto, quando abrimos a cortina era um cavalo pastando. Levamos um susto, demos de cara com o cavalo. Rimos muito.

Quando casamos fomos morar na Parada Inglesa, depois moramos no bairro do Jaçanã. Meu primeiro filho nasceu em 1965, o segundo em 1967 e o terceiro em 1970.

Em 1975, tivemos alguns problemas financeiro,saímos da casa do Jaçanã e fomos morar com meus pais. Nunca teve discussão entre a gente. Morávamos eu, o Walter , meus 3 filhos, meus pais, minhas 2 irmãs e meus 3 irmãos. Sempre soubemos dividir as tarefas e as responsabilidades, nunca deu briga. Era gostoso. Nos finais de semana, chegava minha madrinha, alguns amigos, cada um trazia alguma coisa para o lanche. Jogávamos tômbola, às vezes colocávamos prendas para ficar mais animado. As crianças também participavam. Quando parava o jogo, tomávamos café com bolo ou um lanche, era muito bom. Não posso me queixar da minha família.

Pouco antes de a minha mãe adoecer, voltei a trabalhar fora. Era numa banca de jornal próximo ao Metrô Tatuapé. Trabalhei 4 anos. As famílias que vinham comprar revistas paravam, conversavam, fiz muitas amizades. Eram amizades boas e o lugar era seguro, tinha um ponto de táxi perto, uma fabrica de bijuterias ao lado, eram todos amigos. Só parei porque os donos venderam a banca.

Com a doença da minha mãe as coisas foram ficando mais difíceis e não voltei a trabalhar fora. Ela teve Alzeimeir, ficou 3 anos doente. Cuidei dela e minha tia Guiomar, vinha todos os dias me ajudar. Minha mãe faleceu em 1983, com 72 anos.

Em 2001, meu pai teve um câncer de estômago, que evoluiu muito rápido. Ele precisava de mim e eu também cuidei dele. Ele faleceu em 2001 com 88 anos. Minha tia Guiomar, maravilhosa, que ajuda a todos, também me ajudou novamente. Hoje, a tia Guiomar está com 77 anos, está bem de saúde, e continua ajudando as pessoas.

Apesar de tudo vivemos bem. Problemas sempre vão existir, faz parte da vida. As pessoas perguntam onde eu busco força, não sei. Tenho paz de espírito, que é uma coisa interna, você não procura fora.

A saúde

Eu cuido da minha saúde. Faço meus exames direitinho e tenho um geriatra maravilhoso que cuida muito bem de mim. Não é daqueles médicos que olham na sua cara e fazem a receita. Ele atende sempre com bom humor, examina, conversa e explica tudo direitinho. Pode ter varias pessoas esperando, mas ele sempre atende o tempo que for necessário, é sempre atencioso. É muito difícil encontrar um atendimento medico assim hoje em dia.

Minha taxa de colesterol está controlada mas tenho um pouco de diabetes. Não como gordura, mas o doce é difícil, eu gosto muito de doces. Meu filho compra produtos dietéticos, mas às vezes eu abuso um pouquinho. Meu filho mais velho sempre nos ajudou financeiramente, e ajuda até hoje. Ele se preocupa com a nossa saúde e está sempre atento com tudo. O Walter caiu há pouco tempo, machucou o ombro, e ele vem todos os dias levar o pai para fazer fisioterapia.

Eu tenho paixão pelos meus filhos. Cada um com seu jeito, mas todos são muito bons. Meus filhos são tudo para mim

Religião

Sou católica, não praticante. Não freqüento igreja, mas acho a religião importante para a família. Não fico pensando na morte, fico pensando na vida.

Envelhecer

Todo mundo vai envelhecer. Envelhecer com saúde é bom; com os filhos , com os amigos, com os parentes, é gostoso.

Não penso na velhice e nem tenho crise de envelhecimento. Nem tenho quase cabelos brancos, acho que é de família, minha mãe também não tinha.

É bom envelhecer junto. Ficar com o Walter todos esses anos juntos. Tivemos problemas, claro, mas eu não me vejo sem ele hoje. Estamos sempre juntinhos. Vamos ao mercado, conversamos, e quando dá, fazemos alguns passeios. Para ficar junto, tem que se gostar e manter o respeito. Tivemos muitos problemas mas nunca nos separamos por causa dos problemas. Vamos resolvendo ou tentando resolver à medida que os problemas surgem, eles fazem parte da vida .
Walter e Iracy – 2008

A pessoa para envelhecer bem , não pode “encucar” , ter medo de envelhecer, ter medo das rugas , não sinto nada disso. Acho que não se dede ficar preocupada com a idade, com a velhice, tem que viver bem. Não tem jeito, todo mundo vai envelhecer. Envelhecer juntos, assim com eu o Walter é maravilhoso. Acho que envelhecer sozinha deve ser mais difícil. Mas eu tenho uma família maravilhosa, tenho meus filhos, e não ficaria sozinha.

O que ajuda envelhecer melhor é não fazer besteiras. A alimentação também é importante. Não beber exageradamente, não fazer extravagâncias, porque senão envelhece mais rápido. Acho que aceitar o envelhecimento depende do modo de ser de cada um. A gente sabe que vai passar por isso. Vida é isso: nascer, crescer, e morrer

O Sr. Walter se mantém sentado ao nosso lado, ouvindo e participando da entrevista. Às vezes, corrige alguma data que a Iracy fica em duvida.

Num determinado momento ele diz: – Tenho uma mulher que ninguém tem. Minha mulher é maravilhosa. Aja paciência. Dei muito trabalho para ela.

Iracy deixa uma mensagem:

Eu adoro meu marido, meus filhos. Eu não posso me queixar da minha família, adoro todos, não tenho queixa de ninguém. Meus filhos são tudo para mim.

Estou tão acostumada com meu marido, que não me vejo sem ele.

Iracy vira-se para o Walter e diz carinhosamente: – Eu te amo viu amor!

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