Sinto e percebo como algo impensável, para a maioria das pessoas, uma jovem se interessar pelo envelhecer.
Por Bianca Caroline de Felício (*)
Parece tão distante, parece que nunca vai acontecer, parece que é só uma ideia abstrata, porém um dia você se depara com sinais que te fazem perceber que este processo está mais próximo do que se imagina. Um dia você se olha no espelho e repara nos detalhes da pele que estão mudando, no cabelo que já não é mais o mesmo e na maneira como seu corpo passa a ser regrado socialmente por conta de um número. Percebe que as fases da vida passaram rápido demais. Eis que o espelho te mostra que um dia você não vai envelhecer, pois você já está. Então, a pergunta que deveria ser feita é “espelho, espelho meu… será que um dia eu vou ficar velha ou será que já estou?”
CONFIRA TAMBÉM:
Como uma jovem que estuda o processo de envelhecimento e anseia por entender as variadas faces e aspectos das velhices, penso que refletir sobre o próprio envelhecimento é quase uma rebeldia contra o sistema. Quanto mais estudo e me interesso por este tema, mais eu causo espanto nas pessoas ao meu redor. É muito comum em minha vida o diálogo:
– Que curso você faz?
– Estudo Gerontologia.
– O que é isso?
– Bem, é o estudo do envelhecimento e da velhice humana de uma forma mais integral, mais generalista…
– Noooossa, bem interessante! Mas… Por que alguém tão jovem se interessa em estudar sobre isso? [Lê-se com tom de espanto e surpresa]
Sinto e percebo como algo impensável para a maioria das pessoas uma jovem se interessar pelos mais velhos e pelo envelhecimento como um todo. Alguém que pense sobre romper com padrões de idade na sociedade, promover a intergeracionalidade e valorizar os velhos, em seus mais variados aspectos, é quase óbvio que não é interessante para o sistema estruturalmente idadista e capitalista que vivemos.
Isso me leva a crer que quem propaga os ideais gerontológicos, a priori, quase sempre é recebido com um certo desconforto. Basta eu questionar o que poucas pessoas questionam: você já não se olhou para o espelho e perguntou se um dia vai envelhecer? A partir deste questionamento já é causado um certo desconforto. A boa notícia, ao meu ver, é que você já está envelhecendo e isso é intrínseco ao processo vital, por isso refletir e aprender sobre o próprio envelhecimento é uma maneira de ter o controle sobre a própria vida.
Sabe-se que o envelhecimento é ainda associado a tantos estereótipos negativos, por isso é difícil encará-lo e aceitá-lo. Todavia, já que o medo é da palavra, podemos trocá-la por “vida” ou “processo de viver”, afinal, sem um não há o outro. Enfim, o que acho relevante pontuar é que essa reflexão em frente ao espelho não é uma experiência individual, pois ela permeia muitos de nós, contudo fica muito mais fácil, leve e natural quando nos permitimos entender nosso processo de envelhecimento, como participantes ativos dessa ação – ou seja, em outras palavras, rebelem-se!
Seu espelho não responderá as questões e angústias que você lamenta com ele sobre as mudanças físicas que o envelhecimento acarreta. Ele pode apenas refletir a imagem de alguém que absorve os imaginários sociais sobre o envelhecimento e sente-se inseguro quanto a eles. Mas, e se você desbravar estes imaginários sociais e descobrir que pode rompê-los, ressignificando todo o seu próprio processo de envelhecimento? E se você descobrir um novo jeito de se aparentar a partir das mudanças físicas do envelhecimento e gostar? E se envelhecer for legal e nem for tão ruim como dizem? Envelhecer também é sobre ressignificar.
Você já está envelhecendo. Aliás, terminou de ler este texto um pouco mais velho do que quando o começou a ler. Por isso, ampliar os repertórios sobre o envelhecimento é válido e pode começar com uma simples pergunta: “Espelho, espelho meu… o que eu posso fazer para gostar de envelhecer?”
(*)Bianca Caroline de Felício é estudante do Bacharelado em Gerontologia da EACH USP, 8° semestre de graduação. É vice-diretora do departamento científico da Liga Acadêmica de Gerontologia da EACH. Coordenadora do Blog: https://medium.com/@gerontostudy. E-mail: [email protected]
Foto de cottonbro studio/pexels.