A economia passará, progressivamente, a girar em torno da produção e do consumo da população 50+.
O Brasil, durante a maior parte dos 500 anos da sua história, sempre foi um país com uma estrutura etária jovem, uma vez que mais de 50% da população tinha menos de 20 anos. As taxas de mortalidade e natalidade eram altas e a expectativa de vida era baixa. A economia brasileira, quase que completamente, girava em torno da produção e do consumo da população abaixo de 50 anos de idade.
Mas esta situação começou a mudar com a redução das taxas de mortalidade ao longo do século XX – especialmente depois do fim da Segunda Guerra Mundial – e com o início da diminuição generalizada da taxa de fecundidade (número médio de filhos por mulher) a partir da década de 1970.
O avanço da transição demográfica (queda das taxas de mortalidade e natalidade) gerou uma mudança da estrutura etária, com redução da proporção de crianças e jovens e o aumento progressivo das camadas adultas e mais idosas da população. Desta forma, o Brasil experimentou uma grande transformação demográfica nas últimas seis décadas. Pela primeira vez em cinco séculos, nos anos 2000, haverá mais idosos do que crianças e adolescentes no país. Também, pela primeira vez, haverá decrescimento da população total do país a partir de 2042.
O gráfico abaixo mostra a evolução de quatro grupos etários da população brasileira de 1950 a 2100, segundo dados da Divisão de População da ONU. A população de 0-14 anos era de 22,7 milhões de crianças e adolescentes em 1950, cresceu até o pico de 53,3 milhões em 1993, caiu para 45,3 milhões em 2015 (quando foi ultrapassado pelo grupo 50 anos e +), deve chegar a 39,3 milhões de pessoas em 2029 (quando será superado pelo grupo 60 anos e +), vai continuar diminuindo até 23,4 milhões de pessoas em 2084 (quando será ultrapassado pelo grupo 80 anos e +) e deve terminar o século com 20,2 milhões de crianças e adolescentes em 2100.
A população total do Brasil era de 53,4 milhões de habitantes em 1950, chegou a 201,7 milhões em 2015, deve atingir o pico de cerca de 220 milhões de habitantes em 2042, iniciando uma fase de decrescimento até 163,4 milhões de habitantes em 2100. A população total deve ter um crescimento total de 3,1 vezes entre 1950 e 2100.
A população de 50 anos e mais de idade era de 4,8 milhões de pessoas em 1950, passou para 46,3 milhões em 2015 (quando superou o grupo 0-14 anos) vai continuar subindo até o pico de 98,8 milhões de pessoas em 2067 e deve diminuir para 85 milhões de pessoas em 2100. A população de 50+ deve ter um crescimento de 18 vezes entre 1950 e 2100.
A população de 60 anos e mais de idade era de 2,1 milhões de pessoas em 1950, passou para 24,2 milhões em 2015 e deve chegar a 40 milhões de pessoas em 2029 (quando superará o grupo 0-14 anos). Deve atingir o pico de 72,3 milhões de pessoas em 2070 e vai diminuir para 65,2 milhões de pessoas em 2100. A população de 60+ deve ter um crescimento de 31 vezes entre 1950 e 2100.
A população de 80 anos e mais de idade era de 184 mil pessoas em 1950, passou para 2,9 milhões em 2015, deve chegar a 23,5 milhões de pessoas em 2084 (quando superará o grupo 0-14 anos) e deve continuar crescendo até 24 milhões de pessoas em 2100. A população de 80+ deve ter um crescimento de 131 vezes entre 1950 e 2100.
CONFIRA TAMBÉM:
Portanto, o grupo das crianças e jovens de 0-14 anos que representavam mais de 40% da população, na maior parte da história brasileira, vai ser ultrapassado pelo grupo 50+ em 2015, será ultrapassado pelo grupo 60+ em 2029 e será superado pelo grupo 80+ em 2084. A população de 50 anos e mais de idade, que representava menos de 10% da população brasileira em meados do século passado, concentrará mais da metade da população total do país antes de 2100. No século XXI, pela primeira vez na história humana, haverá mais idosos, de diferentes gerações, do que crianças e adolescentes na sociedade.
Desta forma, a economia brasileira passará, progressivamente, a girar em torno da produção e do consumo da população de 50 anos e mais de idade. O crescimento da proporção da população do topo da pirâmide etária e o envelhecimento da idade média da força de trabalho são indicadores da transformação de uma economia que tinha sua dinâmica baseada na população jovem para uma economia fortemente dependente da produção e do consumo da população prateada (com 50 anos e mais de idade).
A economia prateada
O conceito geral da economia prateada é complexo e ainda está em formação. Mas a literatura sobre o tema ganhou destaque, inicialmente, por meio da divulgação de documentos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE e da União Europeia. A Comissão Europeia (2009) definiu a economia prateada como as oportunidades econômicas existentes e emergentes que se desenvolvem como resultado do aumento dos gastos do governo e do consumidor, bem como das necessidades específicas de pessoas com 50 anos ou mais, resultantes do envelhecimento da população. Por outro lado, a economia prateada é reconhecida pela OCDE (2014) como a produção prateada, ou seja, que produz e entrega produtos e serviços direcionados aos idosos, moldando o ambiente no qual pessoas com 50 anos e mais cooperam e alcançam sucessos no local de trabalho, se envolvem em projetos inovadores, ajudam no desenvolvimento socioeconômico e levam vidas saudáveis, ativas e produtivas.
Desta forma, a economia prateada, ou “Silver economy”, refere-se ao conjunto de atividades econômicas que abarcam as contribuições, as necessidades e as demandas da população idosa, especialmente de 50 anos e mais de idade. Com o envelhecimento da população se espraiando por todos os quadrantes do planeta, a economia prateada tem ganhado cada vez mais destaque e atenção. A economia prateada atinge todas as áreas da sociedade e da economia, mas os setores mais impactados são:
Saúde: Serviços de saúde, cuidados de longa duração, medicamentos e tecnologia médica para atender cuidados geriátricos, doenças crônicas e garantir uma melhor qualidade de vida.
Habitação: Desenvolvimento de infraestrutura e moradias adaptadas e seguras, com design acessível e serviços assistenciais integrados.
Lazer e turismo: Viagens voltadas para idosos, com infraestrutura e serviços adaptados, como pacotes turísticos que levam em conta mobilidade e saúde.
Seguros e finanças: Produtos financeiros específicos, como seguros de saúde e planos de previdência.
Oportunidades de emprego: O envelhecimento da população também gera oportunidades diante do aumento da oferta de mão-de-obra de uma força de trabalho madura e mais experiente.
Inovação e tecnologia: Startups e grandes empresas têm investido no desenvolvimento de tecnologias que ajudem a melhorar a qualidade de vida dos idosos, como soluções para telemedicina, dispositivos de assistência, e aplicativos para saúde mental e física.
Economia e consumo: A população idosa tem um poder de compra significativo, seja em função das camadas com maior poder de poupança ou por ter acesso a políticas públicas de garantia de renda como a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Evidentemente, o envelhecimento populacional e a economia prateada trazem desafios que precisam ser enfrentados, assim como trazem oportunidades:
Desafios
Produtividade: À medida que os trabalhadores envelhecem, pode haver uma diminuição da produtividade física em algumas ocupações, especialmente nas que exigem esforço físico. Contudo, os trabalhadores mais velhos tendem a compensar isso com experiência, conhecimento e atuação na economia virtual e de serviços.
Aposentadorias: O aumento do número de trabalhadores se aposentando pode levar a escassez de mão-de-obra em alguns setores, uma demanda por novos trabalhadores qualificados e uma redução da razão de suporte (queda na proporção da população em idade convencional de trabalhar).
Custos de saúde: Com o envelhecimento populacional e uma força de trabalho mais velha, os custos com planos de saúde e bem-estar tendem a aumentar para empregadores e governos, pressionando o sistema de saúde e as políticas de seguridade social.
Oportunidades
Capacitação e requalificação: Com o aumento da expectativa de vida e da longevidade, muitas pessoas permanecem produtivas por mais tempo, o que abre espaço para programas de requalificação profissional voltados para trabalhadores mais idosos, adaptando-os para novas demandas do mercado de trabalho e adaptação às novas tecnologias.
Valorização da experiência: Trabalhadores mais velhos possuem um conhecimento acumulado valioso para a organização. Além disso, seu perfil estável pode contribuir para a menor rotatividade e a transversalidade do processo de envelhecimento. A diversidade etária nas empresas facilita a transferência de conhecimento e habilidades entre gerações, reduzindo os efeitos da discriminação e do etarismo.
Novos mercados: O envelhecimento da população também cria uma demanda crescente por produtos e serviços voltados para a longevidade, como cuidados de saúde especializados, produtos de tecnologia assistiva e moradias adaptadas. A força de trabalho mais velha pode ser integrada a essas novas indústrias, especialmente por já conhecerem bem as necessidades desse público.
Tecnologia assistiva: Tecnologia definida como produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que tenham como objetivo promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação das pessoas com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.
Sustentabilidade ambiental: A economia prateada pode contribuir de forma significativa para a sustentabilidade ambiental. Esse impacto ocorre de diversas maneiras, com o potencial de influenciar práticas de consumo, inovação tecnológica e planejamento urbano mais sustentáveis. Os idosos tendem a ter hábitos de consumo mais moderados e conscientes em comparação com gerações mais jovens, priorizando a qualidade e durabilidade dos produtos em vez de tendências descartáveis.
Uso de Tecnologias Verdes: Com o avanço da economia prateada, há uma demanda crescente por tecnologias que melhorem a qualidade de vida dos idosos de forma sustentável. Isso inclui tecnologias verdes, como dispositivos de saúde que utilizam menos energia, sistemas de telemedicina que reduzem a necessidade de deslocamentos e soluções para casas inteligentes que monitoram a saúde e a eficiência energética dos lares.
Os defensores da economia tradicional e do crescimento econômico indefinido e a qualquer custo interpretam o envelhecimento populacional conjugado com o decrescimento demográfico como “suicídio populacional” ou “inverno demográfico”, como se fossem fatores geradores de uma recessão demoeconômica catastrófica. Contudo, diante da Sobrecarga da Terra e da crise climática e ambiental, a megatendência do envelhecimento, seguida do decrescimento populacional, é um fato inexorável. Todavia, a economia prateada, a despeito dos desafios, pode transformar o “inverno demográfico” em primavera social e ambiental.
O terceiro bônus demográfico ou dividendo prateado
Todo processo de envelhecimento populacional é precedido por uma janela de oportunidade demográfica. O 1º bônus demográfico, ou bônus da estrutura etária, ocorre quando a proporção da população em idade ativa aumenta em relação à proporção de jovens e de idosos. Mas o 1º bônus demográfico é uma oportunidade temporária (tem data de começo e de término) e seu aproveitamento depende de como um país gerencia e capitaliza essa oportunidade para promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Em geral, as sociedades enriquecem e eliminam a pobreza e a fome se a sociedade civil, a iniciativa privada e o setor público investem na educação, saúde e pleno emprego e trabalho decente. Todo país rico do mundo conseguiu alto nível de bem-estar social durante o período do 1º bônus demográfico. Não existe país rico e com elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) com estrutura etária jovem. O 1º bônus demográfico termina quando se aprofunda o envelhecimento populacional e a população em idade ativa passa a crescer menos do que a população total. Mas o fim do 1º bônus demográfico não é o fim do mundo, pois os países podem contar com o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da economia prateada.
O bônus da produtividade é um conceito que se refere ao impacto positivo que o aumento da produtividade tem sobre a economia e os salários dos trabalhadores. Em termos simples, ele ocorre quando os trabalhadores produzem mais bens e serviços por hora de trabalho, o que pode resultar em melhores salários, maior competitividade das empresas e crescimento econômico sustentável.
O Bônus da Produtividade permite: a) Aumento da Eficiência, quando as empresas e os trabalhadores se tornam mais eficientes, utilizando menos recursos para produzir a mesma quantidade ou mais, isso gera um excedente econômico. A produtividade pode ser aumentada por meio de inovações tecnológicas, melhores práticas de gestão, qualificação dos trabalhadores ou investimentos em capital, b) Mais Investimentos, quando o aumento da produtividade atrai mais investimentos, tanto internos quanto externos e as empresas que são mais produtivas conseguem gerar maiores retornos sobre os fatores de produção (capital e trabalho).
O 3º bônus demográfico, ou dividendo prateado, é um conceito que se refere ao aproveitamento do potencial produtivo e criativo das gerações prateadas (de 50 anos e mais de idade). O artigo “Population Aging and the Three Demographic Dividends in Asia” (Ogawa et al, 2021) mostra que o Japão – o país mais envelhecido do mundo – tem tomado uma série de medidas para reduzir a escassez de recursos humanos no país. Os autores usaram um modelo de simulação para avaliar a capacidade de trabalho inexplorada para idosos japoneses. A “capacidade de trabalho não explorada” foi definida como uma folga entre a probabilidade de emprego real e a prevista.
O resultado evidenciou que existe um potencial de avanço da força de trabalho na economia prateada. O exemplo do Japão pode ser replicado para outros países do mundo, inclusive para toda a América Latina, como mostrou o informe do seminário “Desafíos y oportunidades del envejecimiento poblacional: la economía plateada” (Cepal, 2024).
Evidentemente, o 3º bônus demográfico requer a prevalência de um envelhecimento populacional saudável e sustentável, com acesso universal aos cuidados de saúde de qualidade, combate ao isolamento e à solidão, participação ativa na comunidade, com acessibilidade e mobilidade, promovendo a construção e adaptação de habitações que atendam às necessidades dos idosos, facilitando a sua independência.
Um fator fundamental é refutar as discriminações e o etarismo, promovendo representações positivas e diversificadas de pessoas, desafiando estereótipos negativos e promovendo uma visão mais inclusiva e respeitosa dos idosos. Também, incentivar políticas que permitam aos idosos continuar trabalhando, se assim desejarem, por meio de empregos flexíveis e adequados, além de garantir sistemas de aposentadoria e previdência social robustos para proporcionar segurança econômica aos idosos. Incentivar programas de voluntariado onde idosos possam contribuir e, ao mesmo tempo, receber apoio da comunidade. Por fim, é essencial garantir a diversidade etária nas empresas e a transferência social de conhecimento e habilidades entre gerações.
Considerações finais
O Brasil iniciou um processo de mudança da estrutura etária a partir da década de 1970, quando a transição da fecundidade tomou impulso no país. O envelhecimento populacional teve início nas últimas 3 décadas do século passado, mas vai se transformar na principal característica da dinâmica demográfica brasileira no século XXI. Nas últimas décadas do século atual as gerações de 50 anos e mais de idade serão a maior parcela da população brasileira, sendo que a parcela com a maior taxa de crescimento será aquela de 80 anos e mais de idade.
O Brasil viverá uma fase inédita, com a população total diminuindo a partir de 2042, mas com a população de 50 anos e mais de idade crescendo até 2067, a população de 60 anos e mais de idade crescendo até 2070 e a população de 80 anos e mais de idade crescendo até 2100. Portanto, a proporção da população idosa terá um peso cada vez maior na sociedade e na economia.
Considerando grupos de 30 anos, a população brasileira de 50-79 anos será maior do que a população de 20-49 anos a partir de 2050. O século XXI será o momento de mudança de uma economia com oferta ilimitada de mão-de-obra jovem para uma economia com redução do montante da força de trabalho jovem, paralelamente, ao crescimento da oferta de trabalho da população de 50 anos e mais de idade.
Sem dúvida, a economia prateada pode ser um catalisador de mudanças positivas rumo à sustentabilidade social e ambiental, tanto por meio de redução das desigualdades e da implementação de padrões de consumo mais conscientes, quanto pelo incentivo à inovação tecnológica e ao planejamento urbano sustentável. Ao alinhar as necessidades do envelhecimento populacional com práticas ecologicamente responsáveis, há a oportunidade de criar um futuro mais sustentável e inclusivo para todas as gerações.
Desta forma, a economia prateada é o conjunto de atividades econômicas voltadas para atender as necessidades, a produção e o consumo das pessoas idosas e do conjunto da população. Inclui setores como saúde, habitação, tecnologia, lazer, serviços financeiros, educação continuada, entre outros. Ela reconhece os idosos como um grupo economicamente cada vez mais relevante, tanto no consumo quanto na produção de bens e serviços, considerando a longevidade e o aumento da participação ativa e criativa dessa faixa etária, com solidariedade intergeracional, sem discriminações e com inclusão social.
Referências
Cepal. Informe Seminario regional “Desafíos y oportunidades del envejecimiento poblacional: la economía plateada”, Cepal, 19 de junio de 2024. Disponível em: https://www.cepal.org/sites/default/files/events/files/informe_final_seminario_envejecimiento_y_economia_plateada-diagramado_0.pdf
European Commission. Communication from the Commission to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the regions: dealing with the impact of an ageing population in the EU, 2009. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX%3A52009DC0180%3AEN%3AHTML
OECD, University of Oxford, & Global Coalition for Ageing. The silver economy as a pathway for growth: insights from the OECD–GCOA expert consultation, 2014. Disponível em: https://apo.org.au/sites/default/files/resource-files/2014-06/apo-nid62476.pdf
Naohiro Ogawa, Norma Mansor, Sang-Hyop Lee, Michael R.M. Abrigo, and Tahir Aris. Population Aging and the Three Demographic Dividends in Asia. Asian Development Review, vol. 38, no. 1, pp. 32–67, 2021 https://direct.mit.edu/adev/article/38/1/32/98309/Population-Aging-and-the-Three-Demographic
Foto de Gül Işık/pexels.