Envelhecer não nos torna automaticamente mais conservadores

Envelhecer não nos torna automaticamente mais conservadores

A construção de alternativas progressistas deve reconhecer o potencial contributo das pessoas ao longo da vida, e a complexidade inerente à velhice e ao envelhecer.


Gustavo Sugahara (*)

Em artigo[1] publicado um ano após a tentativa de golpe do 8 de janeiro, Rudá Ricci, busca nos textos do filosofo Erick Fromm as chaves para compreender “o que teria levado idosos a se engajarem em atentados contra a ordem democrática”. A análise parte de uma preconcepção comum sobre as pessoas mais velhas: são em geral depressivas, e têm uma vida pacata com rotinas entediantes.

Com base nos dados dos detidos após os atos terroristas, o autor afirma que “estamos diante de uma militância extremista com idade avançada, algo pouco usual nas mobilizações de extrema direita mundial”. No entanto, sobre a representação das pessoas mais velhas nos atentados não se verifica nos dados apresentados pelo próprio autor, “mais da metade, 64%, nasceram entre 1960 e 1980”, isto é, estão entre 62 e 42 anos.

Vale lembrar que estes dados já foram atualizados[2]. Dos 1.429 detidos, verificamos que metade tinha menos de 45 anos, sendo a média de idade entre as mulheres ligeiramente mais alta do que a dos homens, 46 e 43 anos respectivamente. 

O Estatuto da Pessoa Idosa considera como idoso a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Entre os detidos dentro deste grupo etário contabilizaram-se 14 mulheres e 27 homens, cerca de 3% do total, o mais velho com 74 anos. Mais da metade dos idosos detidos vieram de 3 estados: 4 do Paraná, 8 de São Paulo, e 9 de Minas Gerais. 

Alguns poucos telefonemas poderiam ajudar a elucidar as motivações e eventuais ligações entre as 41 pessoas idosas, mas por enquanto, não há evidência empírica que indique que resultam do “desejo de pôr fim à rotina maçante da vida cotidiana”.

É importante reconhecer que este corte etário diz pouco sobre a velhice e o envelhecimento, mas mesmo se reconhecermos protagonismo de pessoas mais velhas no golpe, eventualmente não poderíamos dizer o mesmo nas figuras que lutaram contra o golpe?

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Em resumo, não é factual que os idosos são mais deprimidos e entediados do que o resto da população, que tiveram maior participação nos atos golpistas de 8 de janeiro, e que em geral são particularmente mais atraídos pela extrema direita.

A ideia de que as pessoas mais velhas constituem um grupo uniforme e naturalmente mais conservador é equivocada. Não há, nem poderia haver, evidência empírica que sustente que um processo biológico, psicológico, e social, tenha uma relação direta com a construção de visão política individual.

Sendo o envelhecimento populacional um fator determinante para compreendermos as mudanças políticas ocorridas no Brasil e no resto do mundo, a construção de alternativas progressistas deve reconhecer o potencial contributo das pessoas ao longo da vida e a complexidade inerente à velhice. Sobretudo, deve trabalhar para reforçarmos o ideal da solidariedade, em particular da solidariedade intergeracional.

Notas
[1] https://jacobin.com.br/2023/01/eric-fromm-explica-a-atracao-dos-idosos-pelo-bolsonarismo/
[2] https://github.com/rlaboiss/invasao-brasilia-2023/

(*) Gustavo Sugahara – Investigador Integrado Doutorado no DINÂMIA’CET-IUL em Portugal, e professor na Universidade Metropolitana de Oslo, Noruega. Apresenta-se como o único economista vivo que não vê o envelhecimento como um problema. Foi consultor de organizações internacionais como o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o investigador responsável na elaboração da estratégia e plano sobre envelhecimento, velhice e políticas sociais no concelho de Cascais, Portugal.

Foto de Mehmet Turgut Kirkgoz/pexels.


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