Entrevista: Sônia Guimarães, o pioneirismo de uma mulher

Entrevista: Sônia Guimarães, o pioneirismo de uma mulher

Sônia é uma inventora e ativista incansável, por meio de sua voz promove mudanças sociais e culturais.


Sônia Guimarães foi a primeira mulher negra brasileira a obter um PhD em Física, quebrando barreiras em um campo antes dominado por homens. Além disso, ela foi a primeira professora mulher do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), uma instituição tradicionalmente masculina.

Ela é a personificação da quebra de conservas culturais. Seus feitos, como ingressar diretamente no segundo ano do ensino básico e se formar na faculdade de Manchester (Reino Unido), desafiou estereótipos de gênero nas exatas e renovou a cultura de uma instituição militar, inspirando não apenas mulheres negras, mas todas as pessoas que buscam um mundo mais justo e igualitário.

Quebrar conservas é isso. Ela ouviu que “sempre foi assim!” e respondeu que “podemos mudar”, transformando o que já foi criado, seja conceitos ou códigos sociais.

Além de sua carreira acadêmica, Sônia é uma inventora e ativista incansável, utilizando sua voz para promover mudanças sociais e culturais. Sua energia contagiante e seu sorriso aberto são a marca registrada de uma mulher que, com sua história, inspira milhares de pessoas a seguirem seus sonhos. E, nessa entrevista, ela inspirará a todos ao compartilhar sua percepção sobre o próprio envelhecer.

Crédito Larissa Isis Divulgação

Silmara: Estudos indicam que o Universo tem aproximadamente 26,7 bilhões de anos. Qual o seu olhar para a idade cronológica do ser humano, sendo uma conhecedora da grandeza do tempo?
Sônia: Eu acho uma delícia estar nessa grandeza toda e vendo que é somente a gente nessa imensidão. Na realidade, acredito que tenha mais algum tipo de ser, mesmo que seja diferente. Mas, nós somos especiais. A Terra foi colocada num lugar maravilhoso e perfeito para todos nós. Por isso, devemos cuidar dela. Com relação à idade, é gostoso e tento aproveitar tudo isso que o Universo nos fornece: a lua linda nessa fase crescente que logo chegará à cheia e o Sol que, mesmo com a neblina e névoa, continua quente e maravilhoso, vindo toda manhã. Eu já vivi 67 anos. Um “montão”!

Em uma live, ao se referir aos semicondutores da década de 70, você disse: “Eu sou muito velhinha!” Quando ouve aqui esse espelho de sua fala, qual cena lhe vem?
Que faz muito tempo que estou nessa. Imagine! Nos anos 70 não existiam celulares, computadores ainda não eram populares e tínhamos esse futuro, em potencial, todo fantástico pela frente. Eu consegui acompanhar todo esse crescimento e estou vivendo com essas inovações e tecnologias, com isso tudo que os semicondutores previam. Todo esse tempo passou e sempre me proporcionando um aprendizado. Uauuu!

A ciência busca a capacidade de sobrevivência em outros planetas. Em paralelo aqui na Terra já temos grupos pensando em alternativas de moradia para a fase da velhice, empenhados no bem-estar e apoio mútuo. E você?! Em algum momento parou para pensar sobre sua moradia futura?
Eu já poderia ter me aposentado desde 2019, mas veio a pandemia e, ao ficar em casa, percebi que engordei rapidamente. O trabalho estava me fazendo falta. Um motivo relevante para a decisão de postergar a minha aposentadoria foi a vinda de estudantes pelo programa de cotas aberto pelo ITA, o que me deu a oportunidade de lecionar e acompanhar o ingresso do jovem negro. De qualquer forma, minha saída compulsória está chegando por estar próxima da idade. Como tenho fluência em italiano e inglês, já pensei em viver em navios trabalhando, mas depois de ter visto um navio de cruzeiro ter naufragado, mudei de ideia.

Tem algum planejamento?
Ainda não defini o que farei. Tenho me cuidado, me alimento bem e faço ginástica. A parte que me cabe, eu faço. Uma coisa sei: que terá que ter a praia. Um lugar em que eu saia da minha sala e tenha logo ali o mar.

O átomo, uma palavra tão presente na física, também tem sua importância no Psicodrama quando discutida em uma das teorias de Moreno. No átomo social, o indivíduo está no centro e ao seu redor estão dispostas aquelas pessoas de sua relação com distância determinada pelo grau de afinidade que possuem. Para cada papel (profissional, familiar, de amizade, etc) existe um átomo e as ligações entre eles constroem a rede sociométrica do indivíduo. Qual de seus átomos sociais te traz mais fortalecimento ao ser?
Meu principal átomo é o familiar. Tendo em seu conteúdo minha mãe e minha irmã como os elétrons mais próximos e de maior afinidade. A minha mãe exerce uma força de atração muito forte. Durante toda nossa vida sempre precisamos muito dela e agora invertemos, sendo nós os elétrons que giram ao redor dela. Também não posso esquecer do átomo de amizades. Estão chegando muitas pessoas novas, as quais inspiro e sou inspirada. Com isso, novos vínculos estão sendo estabelecidos. Esse átomo vai além das fronteiras do país, troco muitas informações, conselhos e dicas. Vamos nos conectando com outras ideias. A partir da ciência e de outras frentes em que atuo, tudo para um mundo melhor. Falo para os outros que é possível! Busco motivar e tenho retornos positivos sobre essa minha ação.

Você ingressou como professora no Instituto Tecnológico de Aeronáutica em 1993, sendo a primeira mulher. Naquela época o ITA sequer aceitava mulheres em seu quadro discente. Um dos reconhecimentos de sua dedicação veio após 31 anos, com o troféu Guerreiro da Educação. O que esse tempo representa para você?
Uma grande luta que definitivamente superei. Tenho uma carreira até hoje, um trabalho lindo. Um exemplo é quando vejo meus alunos dando aulas para visitantes do Ensino Médio. Sinto um grande avanço, pois em 74 anos de ITA esse foi o segundo evento com alunos externos. É um grande feito, tanto para os visitantes quanto para os que estão lá. Esses 31 anos também representam uma oportunidade de integração do instituto com a sociedade. Essa ação ninguém nunca tinha feito, o que hoje permite até mesmo a simples entrada do próprio povo são joseense, aquele cidadão que nasceu no município e nunca teve a oportunidade de conhecer essa instituição. Agora eles já conseguem adentrar e permanecer por três horas conhecendo o Instituto Tecnológico de Aeronáutica e tendo a oportunidade de aprender a manusear alguns instrumentos com os quais atuamos. Vejo que ao final da experiência muitos afirmam que farão o vestibular e Enem, o que demonstra que saem de lá mais motivados. Tenho convicção que todos temos capacidade e inteligência. O fato de alguns não passarem no vestibular não caracteriza o contrário. O testar vale a pena!

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Você desenvolveu seu papel profissional até chegar à fase da criação, tornando-se inventora de uma importante tecnologia para a defesa aérea. Agora, olhando da Lua para a Terra, quem é a Sônia que você enxerga nessa história?
A Sônia que conseguiu aquilo que lhe disseram durante a vida inteira que ela não conseguiria. Falavam que eu nunca aprenderia Física e que, caso eu aprendesse, não usaria pra nada. Contrário a tudo que ouvi, em toda minha carreira foi só o que eu fiz: Física! Agora estou em um projeto onde a minha meta é trabalhar para que os físicos tenham um mercado de trabalho mais amplo. Só a academia não consegue absorver tantos profissionais tão bem qualificados. Está na hora das empresas contratarem.

Nas suas premiações sua mãe está sempre presente. Ambas estão na fase da velhice, cada uma com a sua. Tem algo nela que futuramente você pretende ter ou ser?
Temos 18 anos de diferença. Quero ter todas as características dela e ser como ela! Ela é corajosa, persistente e boa comerciante. Teve um buffet que agora está sob administração de minha irmã. Rapidamente ela faz cálculos, orçamentos e sabe o quanto cobrar. Eu sou o contrário na negociação. Na cozinha o papo é o mesmo. Ela tem muita facilidade e eu sou péssima. Algumas coisas não vieram em meu DNA. [Risos]

Aos quatro anos de idade você estava sendo alfabetizada por uma professora aposentada que dava aulas em casa. Quando olha para esse passado, qual sentimento lhe vem?
Me lembro que ela tinha muita calma e incentivava todas as crianças. Éramos umas cinco crianças. Muito carinho na explicação até a gente conseguir completar as lições. Saí dali alfabetizada, direto para o segundo ano do básico. O sentimento que vem é de muita gratidão. Ser professora é… Uauuu… Ela te passa o tudo, o conhecimento. No momento que você recebe o conhecimento, ele te pertence e ninguém poderá lhe tirar. Era com esse impulso dela e com a minha curiosidade natural que eu fazia minhas pesquisas desde os meus quatro anos. Minha avó me chamava de “xereta”. Digo que a curiosidade é a base da ciência, pois fazemos as perguntas que precisamos responder. Contando esse fato a um pequeno de 12 anos, ele me respondeu com a conclusão de que eu era uma pequena cientista. Confesso que nunca havia pensado assim.

Desde 2019 o número de mulheres negras está aumentando no ITA. Um exemplo que você conta é o da aluna Bruna que, ao ingressar, expressou que você foi a inspiração dela. Como considera essa intergeracionalidade? Existem alunos em outra fase da vida, que não a juventude?
Essa é uma oportunidade de uma troca bem interessante, pois vejo neles algumas dificuldades pelas quais também passei. Não deveria ser mais assim, mas existem barreiras criadas, efeitos do racismo e sexismo estrutural. Quanto à idade, não temos alunos mais velhos, uma vez que o ingresso ocorre até os 23 anos completos. Assim como as cotas, tivemos avanços: diferentemente do passado, estamos recebendo alunos com deficiência.

Sua sugestão é que fiquemos antenados à revolução digital que ocorre continuamente. Você está envolvida em muitas frentes. Qual delas destacaria? Como ela te afeta?
São várias frentes espalhadas pelo Brasil, mas a maioria está relacionada à ciência, incentivando as mulheres a seguirem o caminho das exatas. Participo do projeto da Unicamp “Meninas Supercientistas” e num dos encontros, ministro palestra para as jovens acompanhadas de suas famílias. Em um episódio, uma das meninas veio me questionar quando poderia visitar o ITA. Isso me motivou a, no próximo ano, abrirmos aquele programa de visitas para o ensino fundamental. Além disso, participo na Universidade Estadual da Bahia no projeto “Ciência em Foco”, que realiza palestras semanais com o tema. Esses me afetam pela comparação de vida que as pessoas fazem e por passarem a acreditar que outras meninas negras têm o direito e capacidade pra chegar onde cheguei. Me emociono quando vejo as avós vindo até mim ao final das palestras. Tem ali uma representatividade com muita gratidão, afeto e cuidado.

Além da ciência, onde podemos encontrar a Sônia?
No carnaval! Desde 2004, minha irmã e eu desfilamos nas escolas de samba de São Paulo: Dragões da Real, Nenê de Vila Matilde e na Terceiro Milênio. Já estamos na idade de participar da ala das baianas, na velha guarda, mas ficamos ainda nas fantasias diferentes e em cima dos carros. Os ensaios e encontros são momentos que valorizamos, ali tem muita alegria.

Parafraseando Neruda: ”Confesso que vivi!”

Saiba mais
https://iric.com.br/conheca/sonia-guimaraes/

Foto destaque: crédito Dalila Dalprat Divulgação


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Silmara Simmelink

Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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