Seu propósito é duplo: ajudar o próximo e provocar reflexão através da arte; tocar as feridas humanas, não para reabri-las, mas para que possam, enfim, cicatrizar.
“Na arte, o tempo não é inimigo — é mestre. Ele amadurece o olhar, refina o gesto e dá sentido ao que antes era apenas impulso.” (Diego Mendonça)
As cidades históricas de Minas Gerais, verdadeiros museus a céu aberto, preservam a riqueza do passado. Seus encantos, sutilezas e a efervescência artística convidam à reflexão sobre os alicerces da nossa cultura. Essa promessa de revelação se cumpriu em São João del-Rei: enquanto caminhava por suas ruas, fui subitamente atraída por uma janela. Ali, ao contemplar os quadros de crianças negras princesas e príncipes, o tempo parou. Fiquei suspensa no instante, envolvida por uma profunda e inesperada revelação do passado apagado.
A surpresa me fez correr porta adentro e apreciar de perto cada obra no ateliê. Logo descobri o nome por trás de tamanha expressão: Diego Mendonça. Além de sua aclamada carreira – que conta com a participação em mais de 90 exposições em 15 países e o reconhecimento internacional com o prêmio Top Of Mind International 2023 de Artes em Londres, também teve suas obras expostas na ONU em Nova Iorque –, o mestre em artes plásticas idealizou e mantém um instituto que foca em ações com crianças e adolescentes de escolas públicas locais. Essas atividades utilizam arte, desenho e tecnologia como ferramentas primordiais, visando o engajamento social e o desenvolvimento dessas comunidades.
Nesta entrevista exclusiva, mergulharemos na jornada de Diego Mendonça. Ele compartilha conosco a essência de sua vida — desde o seu processo de envelhecimento e amadurecimento com o coração até a religiosidade que serve como seu principal alicerce. Mendonça também revela como sua arte se torna um instrumento de transformação, usando o pincel e as cores para um mundo melhor, com foco em: combate ao racismo, ternura da mulher, proteção à criança e a beleza sutil do cotidiano.
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Considerando que seu primeiro quadro foi pintado aos 15 anos, como você avalia o quanto a sua experiência se transformou com o tempo: em tema, técnica ou intenção?
Na verdade, com 15 anos eu vendi o meu primeiro quadro — antes disso, eu já pintava. Com o passar do tempo, fui aprendendo novas técnicas, estudando os grandes mestres e tive o privilégio de aprender diretamente com dois grandes artistas: o mestre Quaglia e Yara Tupynambá. Essas experiências me ajudaram a desenvolver um olhar mais crítico sobre a arte e sobre o meu próprio trabalho. Aprendi a ouvir e a acolher críticas, o que foi essencial para o meu amadurecimento artístico. Todo esse conjunto de vivências fez com que o Diego de 15 anos passasse por diferentes fases, explorasse novas coleções e se arriscasse em diversas técnicas. E esse processo não tem fim — ele continua em constante evolução.
O projeto Nobreza Negra[1] retrata a infância. Como essa representação conecta ou reflete o seu propósito de vida com a visão sobre o papel da arte?
Durante minha própria infância, vivi duas realidades opostas. Meu avô paterno era branco e “bem de vida”; era recebido com respeito em todos os lugares, e quando eu estava ao seu lado, recebia o mesmo tratamento. Já meu avô materno, negro e pobre, enfrentava portas fechadas e olhares de desprezo — e, junto a ele, eu também sentia o peso do preconceito. Ao visitar museus, ainda criança e jovem, percebia que as figuras negras apareciam apenas nas senzalas, nas lavouras ou servindo na casa-grande. Essa ausência de representatividade me inquietou por muitos anos. Foi então que decidi apoiar um projeto social em Angola e criar a coleção “Nobreza Negra” — retratando crianças negras vestidas com trajes de corte europeia, porém estampados com tecidos africanos. Uma inversão simbólica carregada de perguntas: E se tivesse sido o contrário? Como seriam os príncipes e princesas da história? Como seria a moda? Como seriam os museus? Meu propósito é duplo: ajudar o próximo e provocar reflexão. Através da arte, desejo tocar as feridas humanas — não para reabri-las, mas para que possam, enfim, cicatrizar.
O que o seu avô Antônio Fagundes diria agora?
Ah, que forte essa pergunta! Ele ia só chorar de emoção.
Diego, com sua religiosidade você reconhece o Criador como o “Maior Pintor do Mundo”. Qual é o sentimento de ser um artista que usa o pincel logo abaixo Dele?
Reconheço Deus como o maior pintor do mundo. Ele é o autor das cores, da luz e da vida. Eu apenas caminho atrás de Suas pinceladas, tentando traduzir na tela um pouco da beleza que Ele criou. Pintar, para mim, é uma forma de oração — um gesto de gratidão e humildade diante do Criador. “E o Senhor o encheu do Espírito de Deus, de sabedoria, entendimento e conhecimento em todo tipo de arte, para fazer invenções e trabalhar em ouro, prata e bronze.” Aqui, Deus fala de Bezalel, o primeiro artista citado na Bíblia, escolhido para criar o Tabernáculo. Isso mostra que a arte pode ser um ministério espiritual.

Na obra Anunciação de Jesus, qual elemento central ou virtude representada na sua pintura você percebe como transformadora em sua mensagem?
Na composição, o olhar se volta naturalmente para Maria — a figura central da cena. Mas, em minha pintura, busco revelar uma Maria mulher: simples, submissa, entregue a um chamado divino. Ela está sentada ao chão, em sinal de respeito diante da autoridade celestial que se manifesta. Uma jovem que escolheu obedecer, mesmo sem compreender plenamente o mistério que a envolvia. Contudo, no contexto espiritual e histórico, é Jesus o verdadeiro centro — Ele é o centro de tudo. Como em todas as minhas obras de inspiração bíblica, os personagens não são figuras distantes, inalcançáveis ou idealizadas. São presenças vivas, humanas, que se conectam entre si e, sobretudo, dialogam com a alma de quem as contempla.
Ao pintar “ao vivo” em praças e eventos — com a pressão do tempo, a visibilidade do público e a necessidade de concentração total — qual é o maior desafio cognitivo e emocional que essa performance impõe?
Pintar ao vivo é uma experiência intensa — uma mistura de fé, entrega e vulnerabilidade. O maior desafio não está apenas na técnica, mas em manter o coração sereno diante de tantos olhares. É preciso silenciar o mundo para ouvir o que o quadro quer dizer. A pressão do tempo e o barulho ao redor me obrigam a entrar num estado de concentração profunda, quase como uma oração. O desafio cognitivo é equilibrar a emoção e a razão: deixar que a inspiração flua, mas sem perder o controle da forma, da luz e da harmonia.
A sua obra “Mulheres de Aço e Flor” revela uma dualidade fascinante. O que o inspirou e o que o levou a explorar esse contraste entre a força (“aço”) e a delicadeza (“flor”) da figura feminina nessa série de trabalhos?
A coleção “Mulheres de Aço e de Flores” nasceu a partir de um convite do Padre Fábio de Melo. Inicialmente, ele me pediu apenas uma pintura para a capa de um livro com esse título. Li o manuscrito que seria publicado e, inspirado pelas palavras, acabei criando uma série com dez mulheres — para que ele pudesse escolher. No fim, o projeto o tocou tanto que ele acabou utilizando mais duas obras para outras capas. Esse quadro, em especial, retrata o reflexo de uma mulher diante do espelho. Ele simboliza aquela que, mesmo marcada pelas lutas diárias, pelas feridas e pelos fardos da vida, não perde sua beleza, sua delicadeza, nem sua feminilidade. É um tributo à força silenciosa e à graça que habitam o coração feminino.

No macromural de 35 metros de altura que você pintou em um prédio de São João del-Rei, qual foi o momento exato, enquanto estava suspenso e pintando, em que a sensação de risco se transformou em uma profunda satisfação de estar concretizando uma visão tão audaciosa, definindo, assim, um marco memorável em seu legado pessoal e artístico?”
O mais difícil foi encarar a altura. Lá de cima, a gente se sente tão pequeno diante da imensidão da natureza. Percebemos que, diante de tudo isso, somos quase nada. Quando fui fazer o arremate, deitado sobre as telhas no topo do prédio, me peguei refletindo sobre a vida — sobre como tudo passa. Mas o que fica é a nossa história, as marcas que deixamos em uma geração. Uma obra de arte toca a alma e a transforma. Mesmo que o tempo apague a pintura das paredes, o que ela despertou nos corações de quem a viu permanecerá — para sempre.
Como artista que soube romper as fronteiras de Minas Gerais e levar sua obra para o mundo, qual é a maior crença limitante sobre o envelhecimento que você acredita ser crucial desconstruir?
No Japão, um país de grande sabedoria e tradição, o idoso é visto como um mestre. Lá, ele não se aposenta — torna-se tutor, orientador, alguém que compartilha sua experiência com as novas gerações. Essa postura revela um profundo respeito pelo tempo e por tudo o que ele ensina. No Brasil, infelizmente, ainda carregamos uma cultura de desprezo pelo envelhecimento. Fomos educados a valorizar apenas o novo e o que é considerado “belo”, mesmo quando essa beleza é apenas superficial. Precisamos desconstruir essa visão. Eu vejo o envelhecer como algo nobre.
Na sua visão, o que muda no gesto de pintar — e no olhar sobre o mundo — quando se vive, ensina e envelhece dentro da arte?
Na arte, o tempo não é inimigo — é mestre. Ele amadurece o olhar, refina o gesto e dá sentido ao que antes era apenas impulso. Socialmente, precisamos aprender a enxergar o idoso não como alguém que “já foi”, mas como alguém que ainda é — alguém que carrega dentro de si um vasto reservatório de beleza, sabedoria e criação. Eu mesmo sinto que, quanto mais o tempo passa, mais clareza tenho sobre meu propósito. Envelhecer, para mim, é aproximar-se da essência — é permitir que o supérfluo se dissipe e que a verdade da alma venha à tona.
Com a sua longa história dedicada à arte – através da música e da pintura – desde a adolescência, de que formas essa bagagem continua a influenciar e a enriquecer o seu processo de envelhecimento, tanto a nível mental quanto emocional?
A arte me acompanha desde a adolescência. Cada nota musical que toquei, cada pincelada que dei, deixou marcas profundas na minha mente e no meu coração. Essa bagagem não envelhece; ela amadurece comigo. Mentalmente, ela me mantém curioso, alerta e aberto a novas formas de pensar e sentir. Emocionalmente, a arte me ensina a paciência, a empatia e a capacidade de transformar experiências difíceis em beleza. O envelhecimento, quando vivido com essa companhia, não é perda, mas crescimento.
Para encerrar, Diego, que mensagem ou inspiração você gostaria de deixar para o público — seja ele jovem, idoso, artista ou não — sobre a arte de viver e envelhecer?
Aos 43 anos, aprendi a não ter medo de dizer “não”. A valorizar o simples, o que é verdadeiro. Não temo envelhecer — temo, sim, perder quem eu sou tentando agradar os outros. Envelhecer é um privilégio, e viver bem essa fase é um ato de coragem. Faça o que ama, mantenha sua essência, honre suas escolhas. E lembre-se: nunca é tarde para recomeçar, para reinventar-se, para ser você — de verdade.

Nota
[1] A coleção “Nobreza Negra” não retrata apenas a infância — é um grito de protesto contra o racismo.
Serviço
Site: https://www.diegomendonca.com.br/
Instagram: https://www.instagram.com/diegom_arte/
Instagram do Instituto Diego Mendonça: https://www.instagram.com/institutodiegomendonca/
Créditos das Fotos: Agência Imersa
