Entrevista com Salete Boucault – A busca pelo bem-estar

Entrevista com Salete Boucault – A busca pelo bem-estar

A resiliência é uma força interna que me ajuda a manter o equilíbrio nos momentos em que oscilo entre o bem-estar e mal-estar.


“Olhando para os meus 70 anos tenho muito a agradecer, fiz muitas coisas que jamais sonhei, realizei muito mais do que planejei, o saldo é positivo.”
(Salete Boucault)

A Psicologia Positiva nos convida a olhar para além dos problemas e a descobrir o que nos faz verdadeiramente felizes e satisfeitos em todas as fases da vida. Essa abordagem inovadora, liderada por Martin Seligman, explora as forças humanas e as experiências positivas, oferecendo uma visão mais otimista da natureza humana e um melhor bem-estar.

Seligman propõe cinco dimensões para uma vida plena:
1) a vida prazerosa, marcada por emoções positivas que sobrepõem as negativas;
2) a vida engajada, caracterizada por estar em fluxo e pelo envolvimento em atividades significativas;
3) a vida com propósito, que nos conecta a algo maior que nós mesmos;
4) a realização, que envolve o crescimento pessoal e a busca por novos desafios;
5) e os relacionamentos positivos, baseados na qualidade das conexões humanas.

A Psicologia Positiva se destaca ao explorar as chamadas “forças de caráter”, como amor, bondade, curiosidade, justiça, humor, entusiasmo, esperança, perdão, prudência, gratidão, entre outras. Essas qualidades, intrínsecas ao ser humano, são como os pilares do bem-estar, contribuindo para uma vida mais plena e significativa.

Utilizando-me de uma das forças, deixo aqui minha sincera gratidão à Salete Boucault. Sua generosidade em compartilhar experiências me proporcionou entender um pouco da Psicologia Positiva e me permitiu conhecer as forças que ela cultiva dentro de si. Essa conversa foi inspiradora e nos trouxe valiosos insights sobre seu processo de envelhecimento.

mulher 60+ cabelos longos grisalhos e sorriso no rosto

Silmara: Você atua no papel de psicóloga clínica há 46 anos, na abordagem da Psicologia  Positiva, a ciência da felicidade, que tem como foco as forças internas. Quais forças internas reconhece em si mesma e que favorecem o seu processo de envelhecimento?
Salete: A resiliência é uma força interna que me ajuda a manter o equilíbrio nos momentos em que oscilo entre o bem-estar e mal-estar, como todo ser humano. Essa força me ajudou nos momentos difíceis que já passei. Foi possível superá-los e seguir em frente, dando valor às coisas positivas. Uma outra força que reconheço em mim é a bondade. Procuro fazer o bem, auxiliando as pessoas que também estão no resgate dessas forças internas a fim de superarem os momentos difíceis. Vejo isso como uma missão. Estar no papel de psicóloga me traz um propósito de vida, tendo todo dia um sentido ao acordar, assim como a minha família também dá sentido a minha vida e me ajuda no processo de envelhecer bem.

Quais as estratégias para utilizar essas forças internas de formas novas e diversificadas? Como as utiliza em situações do cotidiano?
Eu tive, por mais de 20 anos, fibromialgia. Tinha dores da cabeça aos pés e em nenhum momento eu reclamava para os outros, mantendo-me ativa.  Não deixei de trabalhar, de dar atenção aos familiares, e sempre busquei a ajuda terapêutica via acupuntura, terapia e fisioterapia. Quando essa doença dava os sinais e dores, a minha estratégia era a de buscar soluções e usar a minha força da resiliência no dia a dia. Tanto é que hoje eu superei esse problema. Falam que não tem cura, mas percebo que os sintomas diminuíram muito. 

O humor tem importância na vida e na saúde. Na Psicologia Positiva temos técnicas terapêuticas como: escrever ao longo do dia três coisas que despertem o humor ou mesmo coisas engraçadas que aconteceram. Como você se vê em relação ao humor?
Sou conhecida por ser engraçada, a brincalhona da família. Não faço piadas ofensivas, mas tenho um estilo de vida de trazer o humor para o meu dia. Observo o que de engraçado ocorreu e rir disso me faz me sentir bem, percebendo a leveza para as situações diversas.

Outra técnica é a de observar e escrever três coisas boas que aconteceram durante o dia, treinando o olhar para o positivo?
Sim, pois durante o dia e durante a vida a gente passa pelos estágios de se avaliar em estar ou estar descontente. Tem coisas que nos agrada, e outras que desagradam. Durante o dia lidamos com o mal-estar, com a frustração, com a contrariedade, mas temos que superar esses obstáculos. Isso é driblar e não pesar só para as coisas ruins. Quando voltamos o nosso olhar para esse saldo, vamos ver as superações e as coisas boas que aconteceram. Olhando para os meus 70 anos tenho muito a agradecer, fiz muitas coisas que jamais sonhei, realizei muito mais do que planejei, o saldo é positivo.

Na abordagem da Psicologia Positiva, o que seria o envelhecimento positivo no aspecto psicológico?
No meu caso, eu já sofri muitas perdas, despedidas com os lutos e tive ganhos também. A forma positiva de encarar é entender que faz parte da vida ter perdas e ganhos.  Se eu envelheci é porque não morri, então, se eu ficar pensando nas minhas perdas, eu deixo de focar os anos que eu tenho pela frente. Dar valor aos meus ganhos é uma forma de favorecer o meu psicológico de maneira saudável.

Em 2024, às vésperas de seu aniversário (9 de novembro), você lançou o livro Um projeto para envelhecer bem. Setenta anos póstumos é o intervalo em que se perde o direito autoral. Aos 70 anos de vida você ganhou esse direito. O que essa obra representa?
Passei a vida dizendo: – Gente, eu tive filhos, plantei muitas árvores e só falta escrever um livro! Desde pequena gostava de escrever. Fui uma boa leitora e era um sonho escrever um livro. Foi durante a pandemia que tive a ideia de concretizá-lo, mas nós, psicólogos, trabalhamos muito durante esse período e acabei deixando para depois. Antes de completar os 70 anos me perguntei: Como quero comemorar essa data? Quando casei, nem nas nossas bodas fizemos festa. Vi que em diversas datas marcantes não tive uma grande comemoração. Sendo assim, decidi que desta vez faria uma festa para comemorar os meus 70 anos numa bela tarde de autógrafos do meu livro e para o evento convidaria pessoas que foram e são muito importantes na minha vida. Quando eu fiz a lista de convidados fiquei surpresa, mais de 220 pessoas!  Foi um momento especial, muito marcante e muito feliz. Gostei muito de comemorar meu aniversário dessa forma.

maos de mulher seguram um livro capa amarela

No seu livro uma pergunta se destaca: “O que quer ser quando envelhecer?”. Qual é a sua resposta?
Eu sou o que desejei ser! Uma idosa com muita saúde. Cheguei na fase da velhice como planejei: estar ativa, sem remédios, com as cognições preservadas, bem-humorada, boa disposição, amada e com boas relações com pessoas que sabem que podem contar comigo nos momentos difíceis. Eu sou quem gostaria de ser! O meu projeto de envelhecimento, digo que é como pensei, eu investi para chegar assim há muitos anos.

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Como você investiu?
É um projeto que tem que começar bem antes, inclusive financeiramente. Sempre poupei, não fui consumista, não gastei com coisas desnecessárias. Eu e meu marido trabalhamos até hoje com prazer. Uma situação financeira estável também me dá um bem-estar. Investi na alimentação, não comendo processados e nem glúten. Sempre cuidei da minha saúde mental. Tive problemas na vida como qualquer um, mas não fiquei presa a eles, busquei equilíbrio e soluções.

Em um dos capítulos de seu livro temos a importância sobre as metas que favorecem o envelhecimento saudável. Quais são seus sonhos para os próximos anos?
Tenho metas até os 100 anos, depois eu dobro! [Risos]. Quero continuar trabalhando até quando estiver com o cérebro e escuta bem; gostar de estudar e fazer cursos de tudo, de plantas a como mexer na internet; continuar a ler, enquanto a visão estiver boa; e continuar acompanhando o crescimento dos meus netinhos, hoje eles ficam comigo às quintas e sextas-feiras. Nos divertimos muito e me dedico a eles nessa fase da infância em que estão.

Um sonho: talvez outro livro. Tenho material para mais dois livros, mas é uma coisa a se pensar. No geral, penso em continuar a promoção à saúde física e emocional e estar junto a família.

Sua família é composta de pessoas longevas. Você diz que se for para viver até os 100 anos, que seja bem. E se não sentir estar bem, qual o plano?
Sim, já pensei bastante. Eu tenho pavor da perda de autonomia, pois sou independente. Eu não tenho problemas com a eutanásia, pois entendo ser penoso uma pessoa doente não poder abreviar seu sofrimento. Infelizmente no Brasil essa prática não é permitida. Se ficar dependente, não quero morar com ninguém. Adoro meus três filhos e minhas noras, mas penso em ser assistida por uma casa de idosos. Só falo uma coisa para minha família: – Quero visitas!

Viver a fase da velhice sem temer a morte. Como será esse dia na visão da Salete?
Tenho plena consciência que hoje meu tempo de vida é menor do que antes. Me preparo para a morte todos os dias, vejo como um processo natural. É mais difícil pensar na morte alheia, pois são momentos difíceis de luto, o superar. Não sei como será: morte súbita ou doença terminal? O desligar-se. Tenho noção da minha finitude para que isso me faça aproveitar a vida, o tempo que me resta.  Eu falo para as minhas irmãs que já temos em mãos a senha da fila, só não sabemos a hora, mas que seja da melhor forma possível. Eu encaro com humildade essa falta de poder para decidir a própria vida ou a perda da autonomia no fim dela.

Serviço
Livro “Um projeto para envelhecer bem: como viver com propósito esta etapa da vida
Autora: Salete Boucault
Ano: 2024
Páginas:  238
Instagram: @terapiaonlinesaleteboucault

Fotos: Arquivo pessoal de Salete Boucault

Atualizado às 9h57


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Mulher branca, de óculos
Silmara Simmelink

Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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Psicodramatista formada pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama. Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu. Especialista em Gerontologia pelo Albert Einstein e fez curso de extensão da PUC-SP de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento. Pós graduada em psicanálise pela SBPI e Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP. Atua em clínica com abordagem psicodramática e desenvolve oficinas terapêuticas com grupos de idosos. É consultora em Desenvolvimento Humano e especialista em psicologia organizacional titulada pelo CRP/SP. E-mail: [email protected]

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