Entrevista com Jornalista Ricardo Kotscho

É difícil não gostar do Ricardo Kotscho. Afinal, são 63 anos de vida e 47 de jornalismo defendendo (e praticando) a fraternidade, a justiça, a igualdade… Do outro lado, ainda bem, Kotscho não é unanimidade. Os que exploram o trabalho escravo, ou o infantil, os que vivem envoltos em nuvens de mordomias, os não solidários, os gananciosos, os que apregoam a desesperança, esses nunca gostaram do seu jeito simples de ser, de ver a vida, de denunciar as mazelas.

Guilherme Salgado Rocha

 

Entrevista-Ricardo-KotschoAlém de ter passado (e marcado sobremaneira essa passagem) pelos mais distintos órgãos da imprensa brasileira (Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil, revistas e jornais, “exceto a Veja”, frisa), foi assessor de imprensa do ex-presidente Lula em campanhas eleitorais. Eleito, Lula o convidou para ser secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República.

Escreveu 20 livros. Em um deles, publicado em 2006, “Uma vida de repórter – do golpe ao Planalto”, relata as quase cinco décadas de jornalismo.

Casado com a socióloga Mara Kotscho, pai de Mariana e Carolina, avô de Laura, Isabel e André, é torcedor fanático do São Paulo, de andar pelas ruas com a camisa do seu time.
Aceitou imediatamente ser entrevistado para o Portal do Envelhecimento. Perguntas e respostas, por e-mail, foram enviadas e recebidas em apenas em dois dias – 12 e 13 dezembro.

Portal – O que é chegar aos 63 anos?
Ricardo Kotscho – Não é fácil, isso posso garantir. Na verdade, nunca me preparei realmente para nada. Fui vivendo, apenas vivendo.

Sem muitas preocupações?
-Dando para pagar as contas em dia e fazer o que eu gosto, que é escrever, sempre esteve bom.

Já está aposentado?
– Sim, estou aposentado há 14 anos, mas continuo trabalhando em três empregos: sou blogueiro do portal R7, comentarista político do jornal da Record News e repórter da revista Brasileiros.

Atividade intensa…
– E, além disso, faço muitas palestras, participo de debates etc. Na verdade, não posso reclamar da vida.

A palavra “envelhecimento” a que o remete?
– Imediatamente, quando se percebe que o caminho pela frente vai encurtando, e o já percorrido vai ficando maior.

Com reflexos no corpo…
– No desempenho geral. Esse desempenho já não corresponde ao desejo, o corpo já não acompanha a cabeça, e a alma de vez em quando fica cansada. O grande filósofo nacional William Bonner, disse que “ficar velho é uma merda”. Anos atrás, a grande atriz Tonia Carrero falou mais ou menos a mesma coisa, e concluiu que “a opção é pior”.

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Qual opção?
– A repórter quis saber, e a Tônia sorriu: “A opção, minha filha, é morrer…”.

Entrevista-Ricardo-KotschoHá mais fatos que mostram que o caminho percorrido está maior?
– Às vezes tenho a impressão de que tudo vai ficando velho, não só eu. Vamos perdendo as referências: a igreja, o partido, o time de futebol, o sindicato, as turmas de amigos, o bar da esquina, as manchetes dos jornais.

Não apenas os dados do IBGE?
– Não somente. Os números também mostram o envelhecimento do País. Mas especialmente a cara das pessoas, são as conversas, os debates em torno dos mesmos temas.

Como o jornalismo brasileiro trata o assunto?
– O jornalismo brasileiro, de maneira geral, vem maltratando todos os temas, de forma preguiçosa e burocrática. Falta ousadia para descobrir coisas novas, e sobra burocracia. Há hoje uma indiferenciação, uma mesmice enorme em quase tudo o que se lê e vê na velha e na nova mídia. Na pauta única da imprensa, sobra pouco espaço para tratar de assuntos que realmente nos interessam, as coisas da vida.
Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente entrou em vigor, havia profissionais orientando as redações quanto à linguagem, mas o mesmo não ocorre em relação ao Estatuto do Idoso. E daí surgem problemas, como se denominar Mal de Alzheimer, quando o correto é Doença de Alzheimer.
– Acho que o maior problema não é a nomenclatura das doenças nem o tratamento jocoso dado aos mais velhos. O pior de tudo são os achaques da saúde, as doenças propriamente ditas.

Você comentava sobre cirurgias…
– Pois é. Sofri 12 cirurgias, a primeira delas com oito meses de vida, para a retirada de um tumor na cabeça e inúmeras internações hospitalares. Acho um milagre ainda estar vivo.

Mas percebe uma preocupação maior com os idosos?
– Percebo sim, sem dúvida. Por parte da sociedade e do governo. Os planos de saúde é que quebram a gente, mas sem eles não se sobrevive.

Qual é a maior dificuldade de a mídia ter os idosos (e suas respectivas organizações) como fontes de informação primárias quando o assunto a eles diz respeito?
– Nunca reparei nisso. Não há dúvida de que a imprensa costuma ter sempre as mesmas fontes para os diferentes assuntos. Para cada área, há nas redações um caderninho com meia dúzia de fontes. E o cara só sai da lista quando morre.

A velhice para você…
– Melhor seria não ficar velho, mas já que não tem outro jeito de continuar vivo… Só fica velho quem ainda não morreu.

E sobre os direitos adquiridos por quem completou 60 anos?
– Utilizo todos a que tenho direito, principalmente nas filas.

Pelo que tem dito, o verbo “aposentar” realmente, de não mais trabalhar, está distante do seu dicionário?
– Não sei o que quer dizer a palavra aposentar. Sei apenas que não dá para viver da aposentadoria do INSS. Precisarei trabalhar até o último dia de vida, e não acho isso necessariamente ruim, ao contrário.

Seu desejo, então…
– Gostaria apenas de trabalhar um pouco menos e me divertir um pouco mais.

Como educou seus filhos? Quais os valores que acha importante transmitir?
– Na verdade, quem educou minhas filhas foi minha mulher, a Mara, companheira há mais de 40 anos. Na época mais importante da educação delas, eu pouco parava em casa, vivia trabalhando, fazendo reportagens pelo Brasil e pelo mundo. Vai ver que é por isso que elas são muito bem educadas. Mas acho que transmiti a elas alguns valores importantes para mim, como justiça, honestidade, solidariedade, essas coisas “antigas”, cada vez mais raras. Mariana e Carolina são uma prova da evolução da espécie.

Terminando, Ricardo. Você, que é cristão, acha que o transcendente, a fé, pode ajudar a pessoa a enfrentar com mais coragem o envelhecimento, ou os fatos – a crença em Deus e a coragem – não estão ligados?
– A ligação direta com Deus e a fé na vida nos ajudam em todos os momentos, não só na velhice. Sem fé não há esperança.

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