Deus, velhice e filmar em Nova York

Questionado se era de bom tom lhe desejar um feliz Ano Novo ju­­daico, Woody Allen deixou claro que esse tipo de formalidade não era necessário. “Não, não, não”, disse ele com uma risada, numa suíte do Hotel Loews Regency, transformada em escritório. “Isso é para o seu povo”, respondeu a este repórter. “Não sou ligado a essas coisas. Gostaria de ser mais. Seria de grande ajuda nas noites sombrias.”

Stan Honda/AFP

 

Aos 74 anos, Allen, cineasta prolífico e nova-iorquino emblemático, quase nunca tratou de religião. Mas a idéia de fé permeia seu mais recente filme, You Will Meet a Tall Dark Stranger (Você Vai Encontrar um Estranho, Alto e Moreno, em tradução livre, que a Sony Pictures Classics lança na próxima quarta-feira nos Estados Unidos.

No filme, enquanto a união de um casal de Londres (Anthony Hop­­kins e Gemma Jones) se desfaz, a mulher procura conforto no sobrenatural, o que acaba tendo consequências imprevisíveis sobre o casamento da filha (Naomi Watts) e do marido (Josh Brolin).

“Para mim”, diz Allen, “não há diferença real entre uma cartomante ou um biscoito da sorte e qualquer uma das religiões organizadas. São todos igualmente válidos ou inválidos, na verdade. E igualmente úteis.”

Allen falou com Dave Itzkoff sobre seu novo filme e sobre como os temas nele presentes ressoam em sua vida, e respondeu se esse é ou não seu último filme ambientado em Nova York. A seguir, alguns trechos da conversa.

As idéias de poderes psíquicos e vidas passadas, ou pelo menos pessoas que nelas acreditam, são fundamentais para o seu novo filme. O que o levou a se interessar por escrever sobre elas?

Eu estava interessado no conceito de se ter fé em alguma coisa. Deve soar sombrio quando digo isso, mas precisamos de certas ilusões para seguir em frente. E as pessoas que são bem-sucedidas iludindo a si mesmas parecem ser mais felizes do que as que não conseguem. Conheço pessoas que depositaram sua fé na religião e em adivinhos. Aí me ocorreu um bom personagem para um filme: uma mulher para quem tudo tinha dado errado e que, de repente, descobre que uma outra mulher, uma adivinha, a estava ajudando. O problema é que, mais tarde, ela acaba caindo na real de forma dura.

O que lhe parece mais plausível: vidas passadas ou a existência de um Deus?

Nenhuma das duas coisas me parece plausível. Minha avaliação a respeito é desencantada, científica. Sinto, simplesmente, que o que se vê é o que vale.

Como o senhor se sente quanto ao envelhecimento?

Bem, sou contra. [Risos] Acho que não tem vantagem qualquer. A gente não ganha nenhuma sabedoria com o passar dos anos. Só decai, é o que acontece. As pessoas tentam colocar um verniz bonito na história, e dizer, bem, que a gente relaxa com a idade. Passa a compreender a vida e aceitar as coisas. Mas qualquer um trocaria tudo isso por ter 35 anos novamente. Experimentei essa coisa de acordar no meio da noite e começar a pensar sobre a própria mortalidade e visualizá-la, e isso me arrepia um pouco. É o que acontece com Anthony Hopkins no início do filme, e a partir daí ele não quer mais ouvir da esposa, mais realista: “Ah, você não pode continuar fazendo isso – não é mais um jovem”. Sim, ela está certa, mas ninguém quer ouvir isso.

Envelhecer mudou seu trabalho de alguma forma? O senhor vê uma certa melancolia emergindo de seus filmes mais recentes?

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Não, é muito na tentativa e erro. Não há qualquer rima ou razão naquilo que faço. É o que parece certo naquele momento. Nunca em minha vida vi nenhum filme meu depois de lançado. Nunca. Não vejo Um Assaltante Bem Trapalhão desde 1968. Não vi Noivo Neurótico, Noiva Nervosa ou Manhattan ou qualquer filme que fiz, depois dos respectivos lançamentos. Se estou fazendo minha esteira, zapeando na tevê, e me deparo com um deles, mudo de canal imediatamente, porque sinto que assistir só poderia me deprimir. Serviria apenas para eu sentir: “Ah, Deus, isso está tão horrível, se pelo menos eu pudesse fazer de novo”.

Recentemente, o senhor declarou à imprensa européia que fazer filmes em Nova York se tornou muito caro. Acha que esse foi seu último filme aqui?

Minha primeira opção é sempre Nova York. É o que mais desejo – trabalhar onde a gente mora é, claro, o maior dos privilégios, e tenho certeza de que voltarei a filmar aqui. Mas os poucos dólares que tenho rendem mais em certos lugares. Me refiro a cidades – Londres, Paris, Barcelona – que são muito cosmopolitas, que são como Nova York. Posso bancar os custos com mais facilidade. Para mim é um privilégio filmar em Nova York, e eu não me importo que custe um pouco mais. É que simplesmente preciso ter os recursos, poder pagar pela locação. Em qualquer situação preferiria filmar em Nova York por US$ 15 milhões a mesma coisa que faria em outro lugar por US$ 12 milhões – isso se tivesse os US$ 15 milhões. Mas, se eu não tenho o dinheiro, não dá pra fazer.

Não seria o caso de dizer que essas cidades europeias lhe estendem o tapete vermelho, enquanto Nova York já não se impressiona com o senhor?

Nova York sempre foi cooperativa e útil, e um prazer para se filmar. Mas os países europeus ajudam enormemente. Às vezes ainda sou obrigado a fazer cortes nos meus filmes para trabalhar lá. Sempre trabalho com menos dinheiro do que preciso. É uma constante.

O senhor estava preparado para a tempestade midiática que causou ao escalar Carla Bruni-Sarkozy para seu próximo filme, Midnight in Paris?

Fiquei muito surpreso com o nível do jornalismo que se faz em relação a ela, que tem uma pequena participação no filme – um papel real, mas pequeno. Filmamos o primeiro dia e todos os jornais já diziam que ela tinha sido horrível, que tínhamos repetido a cena 32 vezes. Claro que não cheguei a fazer nem dez takes com ela. Aquele outro número mágico foi apenas invenção de alguém sentado na sua sala. Depois publicaram que o marido dela teria ido ao set e se zangado com ela. Ele apareceu lá uma vez, e ficou encantado. Sentiu que ela é uma atriz natural e não poderia ter ficado mais feliz.

Isso daria uma boa chamada para o cartaz do filme.

Por alguma razão, a imprensa queria dizer coisas ruins sobre ela. Não sei se tinham alguma coisa contra os Sarkozys, ou foi para vender mais jornais. Mas as invenções foram de uma selvageria, e tão completamente falsas, que eu perguntava a mim mesmo: “Será que é assim também com o Afeganistão, a economia e assuntos realmente importantes?” Essa é uma questão trivial. Mas estou enrolando pra responder à sua pergunta: não estava preparado para a repercussão que o filme teve na imprensa por causa de Madame Sarkozy.

Quando o senhor tem algum tempo ocioso entre um projeto e outro, como agora, como costuma usá-lo?

Com as coisas de sempre. Levo meus filhos à escola no período da manhã. Faço caminhadas com minha esposa, toco com minha banda de jazz. Depois, há a obrigação da esteira e dos pesos, para manter a forma e não ficar mais decrépito do que já estou. Geralmente não vejo os filmes grandes de Hollywood. Outro dia vi Winter’s Bone [ainda sem título em português] e gostei muito, adorei os atores todos. E, quando estava em Paris, tive a chance de ler um bocado, Tolstoi e Norman Mailer. Coisas que tinham me escapado ao longo dos anos.

Eu meio que esperava ter encontrado o senhor naquela performance de 12 horas de Os Demônios, de Dostoiévski, que o Lincoln Center Festival apresentou durante o verão.

Não, não, sou um cara discreto. Li o material, mais por obrigação do que por prazer. Para me divertir, sou mais uma cerveja e uma partida de futebol americano.

Tradução de Christian Schwartz.

Fonte: The New York Times.

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