Como as pessoas idosas vêem o fim da vida? O que desejam?

Como as pessoas idosas vêem o fim da vida?  O que desejam?

O fim da vida é um assunto tabu? Na França, país envelhecido, muitas pessoas idosas entrevistadas dizem que sim. Trata-se ainda de um tema difícil de abordar.


Recentemente publicamos uma matéria sobre a Convenção Cidadã sobre o fim da vida, organizada pelo Conselho Econômico, Social e Ambiental (CESE) da França. A Convenção foi realizada com algumas pessoas idosas escolhidas aleatoriamente. A fim de ampliar essa discussão, a associação Les Petits Frères des Pauvres, da França, publicou uma série de depoimentos de cidadãos idosos que quiseram se expressar sobre o fim da vida, a partir de duas grandes questões: como elas vêem o fim da vida? O que elas querem para este momento?

“Quero que meu fim de vida seja tranquilo, sem sofrimento, que eu me apague como uma vela ou enquanto durmo”,  suspira Sophie, 72 anos. Ela é uma das 122 pessoas de 52 a 97 anos acompanhadas pela organização, entrevistadas para a pesquisa sobre o fim da vida.

O objetivo dessa pesquisa foi coletar depoimentos de pessoas idosas atendidas pela organização que possam alimentar o debate e, ao mesmo tempo, permitir à associação oferecer um conjunto de recomendações. Como resultado, quatro lições principais emergem:

1) Dispositivos de fim de vida pouco conhecidos

A primeira lição é que a Lei Claeys-Leonetti, diretivas antecipadas, pessoa de confiança… todas essas medidas de fim de vida não são bem conhecidas do público em geral e ainda mais das pessoas apoiadas pela  Associação. Assim, 65% dos entrevistados não conhecem a lei Claeys-Leonetti, o que ela permite e o que regulamenta. 58% não sabem o que são diretivas antecipadas. Por fim, 49% dos entrevistados não indicaram uma pessoa de confiança. E entre aqueles que dizem conhecer alguns desses dispositivos, eles permanecem geralmente muito vagos ou mal compreendidos.

Entendendo a Lei de Claeys-Leonetti

A lei Claeys-Leonetti em vigor desde 2016 é baseada em duas proibições: a da eutanásia (o fato de administrar um produto letal a uma pessoa que deseja morrer) e a da obstinação irracional (anteriormente chamada de “implacabilidade terapêutica” dos médicos).

Esta obstinação irracional de cuidado (manutenção do tratamento) é apreciada, não de forma geral e abstrata, mas de acordo com a vontade de cada um. Entre os direitos das pessoas doentes está o direito de recusar tratamento.

A lei prevê uma forma de cobrar a vontade do paciente que não pode mais se manifestar, por meio da elaboração de diretivas antecipadas de vontade e/ou pela designação de uma pessoa de sua confiança responsável por se manifestar em nome do paciente no momento em que chegar.

Em caso de interrupção do tratamento e/ou sedação profunda e contínua mantida até à morte, a lei exige uma tomada de decisão colegial: o médico não decide sozinho, as consultas são feitas em equipe de saúde.

A lei impõe também e, sobretudo, ao médico, que se encarregue da dor da pessoa em fim de vida por qualquer meio, mesmo através de um tratamento de duplo efeito (que aliviará eficazmente a dor mas com o risco de acelerar a morte). O alívio da dor, e de fato, o acesso a cuidados paliativos que contemplem este sofrimento de forma global (dor física, moral, espiritual), é a espinha dorsal desta lei, aprovada em 2016 por unanimidade.

A lei de Claeys-Leonetti criou uma sedação profunda e contínua (alteração progressiva da consciência) que se mantém até à morte segundo determinados critérios, nomeadamente o de prognóstico vital a curto prazo. Pode ser considerado em particular “no caso de dor refratária ou insuportável, se a morte for esperada dentro de algumas horas ou alguns dias”.

A lei Claeys-Leonetti, de 2016, permite que a equipe médica e enfermeiros sedem irreversivelmente pacientes próximos da morte, cujo sofrimento é intolerável. Mas não chega a autorizar o suicídio assistido (o próprio paciente administra um produto letal) ou a eutanásia (um profissional o injeta), diferentemente de outros países europeus como a Suíça ou a Bélgica.

Em suma, a lei permite o uso de uma sedação profunda e contínua até a morte. Neste procedimento legal, o paciente é sedado, recebe medicamento contra a dor e sua alimentação e hidratação são interrompidas. A prática pode ser realizada tanto no hospital quanto na casa do doente, sob a vontade dele, se estiver consciente. Caso esteja inconsciente, a família ou o corpo médico podem autorizar essa prática. 

2) O interesse de um debate sobre o fim da vida

Enquanto a convenção de cidadãos sobre o fim da vida acabou de terminar na França (ela aconteceu em três fases, de dezembro de 2022 a abril de 2023, para saber mais sobre seus resultados clique aqui) decidindo sobre o interesse de mudar a lei, 62% dos entrevistados da pesquisa realizada pela associação nem mesmo sabiam de sua existência.

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No entanto, eles apontaram um forte desejo de se expressar sobre este assunto. 52% dos entrevistados são a favor da alteração da lei e 28% de todos os participantes afirmam claramente que são a favor de uma assistência ativa para morrer.

“Esse debate é essencial. Para mim, uma pessoa que se sente no fim da vida deve ter o direito de decidir sobre sua partida.” Raoul, 97, em seu domicílio.

23% se opõem a uma mudança na lei, como Pauline, 67 anos: “Sou contra a eutanásia e a favor de apoio humano e médico. Talvez bastasse aplicar bem a lei de Leonetti”

Na verdade eu me sinto muito sozinha, prefiro acabar com isso

Para a associação Les Petits Frères des Pauvres, esses testemunhos também mostram a extrema vulnerabilidade de pessoas muito isoladas que se consideram um fardo para a sociedade. Victoire, 91 anos, mora em sua própria casa, fala com muita simplicidade: “Na verdade, me sinto muito sozinha, prefiro acabar com isso”. É isso que leva Norbert, de 87 anos e residente numa EHPAD (equivalente a uma ILPI no Brasil), a afirmar que: “para as pessoas isoladas, não há necessidade de uma resposta imediata e de uma reflexão aprofundada”.

3) O desejo de morrer cercado de família e amigos

Ao contrário do que se possa pensar, as pessoas idosas não são realmente assombradas por sua morte. Na pesquisa realizada por Les Petits Frères des Pauvres, 69% dizem claramente que não estão preocupadas com o fim da vida. Por outro lado, todas as pessoas idosas entrevistadas desejam um fim de vida tranquilo, sem sofrimento, em casa, na companhia dos seus entes queridos.

“Não quero sofrer, quero ser bem cuidada até o fim, não quero ficar sozinha”, diz Marthe, 92 anos, que mora em sua casa.

4) O fim da vida: um assunto tabu?

Os depoimentos sobre o fim da vida foi uma oportunidade de abordar o assunto de forma aberta com as pessoas idosas que a associação acompanha. Infelizmente, é claro que este tema continua difícil de abordar, para a própria pessoa, mas também para aqueles que a cercam.

A pesquisa mostra isso: 19% dos participantes não têm com quem conversar. “É a primeira vez que posso falar sobre isso, as poucas tentativas de conversa sobre o assunto criaram um vazio ao meu redor!”, revela Raymonde, 80, que mora em domicílio.

Graças a estes testemunhos, a associação pretende trazer para o debate público a voz de quem é pouco ouvido. Como aponta Yann Lasnier, delegado geral da Les Petits Frères des Pauvres:

“Estes velhos e velhas cidadãos têm poucas oportunidades de serem ouvidos. Dar-lhes isso nos permite medir coletivamente a profunda ignorância dos sistemas existentes e sublinhar a vulnerabilidade de aqueles que se consideram um fardo para a sociedade ou que não têm com quem conversar sobre o fim da vida. O legislador também deve levar isso em consideração.”

Foto destaque de Serena Koi/pexels.


https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/novo/courses/curso-gravado-sindromes-geriatricas/
Sofia Lucena

Estudante de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (SP). Mestre em Inovação e Design Testado por Usuários pela ENSGSI, na França. Com certificado Cambridge de proficiência em inglês e DELF B2 francês, colabora com o Portal do Envelhecimento fazendo traduções de temas relacionados à longevidade humana. E-mail: [email protected]

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Estudante de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (SP). Mestre em Inovação e Design Testado por Usuários pela ENSGSI, na França. Com certificado Cambridge de proficiência em inglês e DELF B2 francês, colabora com o Portal do Envelhecimento fazendo traduções de temas relacionados à longevidade humana. E-mail: [email protected]

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