Um balanço realizado na semana passada pelo Núcleo Psicossocial do Ministério Público em Campina Grande (NUPS) revelou que casos de negligência e maus-tratos envolvendo idosos ou pessoas com deficiência são constatados em famílias de classe média, muitas com integrantes que têm curso superior.
Ana Claudia Papes *
“O problema não atinge apenas idosos ou deficientes que pertencem a famílias pobres de Campina Grande, como muitas pessoas ainda imaginam. Verificamos problemas semelhantes em famílias de bom poder aquisitivo”, informou Antônia Lacerda dos Santos, assistente social do NUPS. Desde sua fundação, há 15 meses, já foram registradas no NUPS 128 reclamações, sendo 99 por negligências e maus-tratos a idosos e pessoas com deficiência.
Segundo Antônia Lacerda, quase todas as denúncias são feitas pelos próprios idosos, que normalmente pedem sigilo por temerem reações de seus agressores. As apresentadas por vizinhos ou pessoas conhecidas aparecem em número menor. Todas as denúncias são feitas pessoalmente, na Curadoria dos Direitos do Cidadão, e somente após uma análise do promotor de Justiça são encaminhadas ao NUPS. “Antes do encaminhamento é feita uma análise dos casos”, falou Antônia. O mais grave, conforme registros do Núcleo, é que a maioria das agressões contra o idoso ou pessoa com deficiência é praticada pelos próprios familiares deles (filhos, sobrinhos e demais parentes).
Entre os casos que mais chamaram a atenção do NUPS está o de uma senhora, com 92 anos de idade, mãe de dez filhos, que encontrou dificuldades até conseguir alguém que se tornasse responsável por ela. Há ainda casos de idosos ou pessoas com deficiência que recebem aposentadoria, mas reclamam da falta de alimentos, colchões para dormir e até medicamentos, inclusive os de uso contínuo para hipertensos, diabéticos ou cardíacos. Para tentar reverter essa situação, a equipe do NUPS faz ainda um trabalho de esclarecimento com os familiares, objetivando conscientizá-los sobre as responsabilidades.
Também há notificações sobre apropriação indébita das aposentadorias. Foram quinze desde a inauguração do NUPS. Os acusados são filhos, sobrinhos ou parentes dos idosos ou deficientes que se apropriam, irregularmente, de suas aposentadorias. “Temos casos onde o cartão de benefício do aposentado precisou ser confiscado e transferido para outra pessoa”, destacou Antônia. Para resolver o problema das apropriações irregulares muitas vezes é necessário recorrer à Justiça, solicitando que outra pessoa, familiar ou não, seja o tutelar do idoso ou pessoa com deficiência.
Em todas as situações, a família do idoso ou deficiente é chamada para uma audiência, que se propõe a indicar quem ficará como responsável. Nesse caso, o filho ou parente do idoso ou deficiente será mantido na condição de “cuidador”.
Vítimas contam com visitas domiciliares
Nesses 15 meses de atuação, a equipe do NUPS, composta por duas assistentes sociais e uma psicóloga, realizou 197 visitas domiciliares, efetuou 14 encaminhamentos para a realização de exames de laboratório ou consultas médicas junto à Central de Marcação de Consultas e Exames e encaminhou quatro idosos/deficientes para abrigos (um deles abandonado pela família).
Das 128 reclamações apresentadas até a última semana de dezembro, existem 46 em andamento (acompanhamento psicossocial) e 76 foram solucionadas e tiveram seus processos arquivados, ou seja, foram resolvidos. “Mesmo após um processo ser arquivado, a equipe do NUPS mantém o acompanhamento ao idoso/deficiente para verificar se os cuidados continuam sendo devidamente tomados”, falou Antônia Lacerda.
Oito instituições de apoio ao deficiente e idoso de Campina Grande formam uma rede de parceiros com o NUPS, responsável por manter o serviço para Campina Grande, Massaranduca, Lagoa Seca e Boa Vista. O atendimento no NUPS acontece de segunda a sexta-feira, das 8 horas ao meio-dia e das 14 às 17 horas na Curadoria do Cidadão, localizada no Ministério Público Estadual, ao lado da Estação Velha. Telefone (83) 3321.2166.
Na avaliação da equipe do NUPS, o trabalho desenvolvido fornece ao promotor de Justiça subsídios técnicos para nortear a ação ministerial. Hoje, as atividades do NUPS são desenvolvidas com maior intensidade junto às Curadoria do Cidadão e Saúde. A equipe faz atendimentos individualizados, encaminhamentos às instituições hospitalres e de abrigo ao idoso e deficiente, além de esclarecer sobre a interdição judicial. “O NUPS foi criado com objetivo de fornecer assessoria especializada às curadorias que não têm equipe técnica própria”, esclareceu Antônia. (ACP)
Pessoas temem denunciar as agressões
Em João Pessoa, as denúncias podem ser apresentadas na Procuradoria-Geral de Justiça do Estado da Paraíba, através da Procuradoria de Defesa dos Direitos do Cidadão, localizada na Avenida Getúlio Vargas, 255, telefone (83) 3241-7094. Na capital, assim como em outras cidades do interior do Estado, muitas pessoas ainda temem denunciar casos de maus-tratos contra os idosos e pessoas com deficiência, principalmente pelo fato dos envolvidos serem pessoas da família. Quem atua na área garante que um percentual significativo de ocorrências ficam sem denúncias. Porém, o mais correto é ainda denunciar vítimas de violência física, psíquica e moral.
O artigo 1º da Constituição Federal declara que são princípios fundamentais da República Federativa do Brasil a cidadania e a dignidade humana (incisos I e II). O artigo 4º, do Estatuto do Idoso, diz que nenhum idoso será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão e que será punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos. Já o artigo determina como obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. De acordo com especialistas, se a população tomasse como referência as leis brasileiras idosos e pessoas com deficiência estariam bem assegurados, devendo ser contemplados, sem distinção, com os instrumentos asseguradores à dignidade humana. No entanto, muitos idosos e deficientes não são tratados como cidadãos, fazendo com que governo federal e Estados criassem meios legais para que eles deixem de ser discriminados e recebam o tratamento que lhes é devido. (ACP)
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Fonte: Jornal da Paraíba. Disponível Aqui