Os peregrinos devem seguir as indicações das setas, marcos e do símbolo do Caminho, a concha.
Antes de iniciar o Caminho de Santiago de Compostela, o peregrino deve adquirir sua Credencial (uma espécie de passaporte) em um ponto de apoio oficial, que será preenchida e carimbada. Só então estará apto a começar a jornada.
Deve seguir as indicações das setas, marcos e do símbolo do Caminho, a concha da zamburiña, marisco típico da região, delicioso, misto de vieira e camarão. A presença desses símbolos conforta o peregrino e a ausência é sinal de que algo anda errado, mas basta pedir ajuda a uma pessoa local para retomar à rota.
Aliás, as pessoas locais, ao verem um peregrino desorientado, imediatamente informam, pois basta uma pequena desatenção para se perder um símbolo de vista, e as distrações são muitas porque o peregrino moderno anda armado com celular para fotografar tudo, capturar cada momento, paisagens paradisíacas, cartões postais, papel de parede, seja o que for, tudo para ele merece registro.
Depois que acostumamos a vista para os símbolos, que estão por toda a parte, eles saltam aos olhos e se tornam parte do caminho.
CONFIRA TAMBÉM:
A Credencial é o documento necessário para se obter a Compostela, a prova que alguém percorreu o Caminho. Para tanto, deve receber pelo menos dois carimbos por dia. Assim, ao parar para tomar um café, almoçar, fazer um lanche, o peregrino deve lembrar de requerer o carimbo que comprova sua passagem por aquele local, naquele dia. No albergue ou pensão, na igreja e até em um local remoto onde haja um ponto de apoio é possível se obter o carimbo da passagem.
Quem opta pelo Caminho Inglês, normalmente encara 30km no primeiro trecho, de Ferrol (fala-se Ferol, dobrando a língua no r) à Pontedeume, mas no meio do caminho existe a possibilidade de se parar em Neda. Esta foi nossa opção, até porque o sol estava abrasador, o que não esperávamos. Uma das dicas para pessoas idosas é exatamente evitar o Caminho no auge do verão, por isso escolhemos fazer no início de junho, contando com uma temperatura amena.
A pessoa idosa deve fazer tudo com calma, caminhar normalmente, como costuma fazer no dia a dia. As pessoas ávidas para começar o Caminho costumam descer do trem, cruzar a cidade para ir até o escritório, na região do porto, pegar a Credencial e começar a jornada imediatamente, cruzando de volta o centro velho de Ferrol, que é pequeno. Esse vai e vem é suficiente para se dizer: conheci Ferrol. Mas não é verdade.
Sabemos por experiência própria. Chegamos cedo, fomos para o apartamento, tomamos banho, descansamos, saímos para caminhar e esquadrinhar todo o centro histórico. Comemos comida local, conhecemos a sede da prefeitura e assistimos a uma manifestação a favor do povo palestino, feita basicamente por pessoas idosas ligadas a uma associação de aposentados e a uma central sindical.
Ferrol é a cidade mais envelhecida de toda a Espanha. O último censo realizado pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) aponta quase 30% de pessoas com mais de 65 anos vivendo na cidade. Na outra ponta, é a que menos tem crianças, só 10% entre 0 e 14 anos. Nada menos que cinco mil pessoas idosas vivem sozinhas, de acordo com a Fundação de Ajuda aos Maiores e seus Cuidadores (FAMYC), o que fez a municipalidade lançar um programa de assistência denominado Hoje Conversamos (Hoy Hablamos), que consiste em todos os dias, em horário previamente combinado, um voluntário ligar para a pessoa idosa para conversar, saber como está, se precisa de algo e assim por diante. A expectativa de vida na cidade é uma das mais altas da Galícia, 83 anos.
A área urbana é dominada pela ria de Ferrol, suas praias, muito belas, se encontram no interior e é frequentada por gente de toda a região. Com uma população de 64 mil habitantes, é o terceiro município mais populoso da província de La Corunha e o sétimo da Galícia. Quando desembarcamos do trem, pedimos informação para a primeira pessoa que encontramos na rua, uma idosa, em vez de nos orientar, leva-nos até o endereço no qual vamos nos hospedar.
O Caminho Inglês está todo situado dentro da província de La Corunha (a cidade de La Corunha é a capital da província de mesmo nome). No dia seguinte iniciamos o Caminho na zona do porto, depois de adquirirmos as credenciais e ouvirmos todas as explicações da atendente, uma idosa. As setas passam por ruas já conhecidas, o que nos deixa confortáveis. Cada um com seu bastão e muita disposição. Mas eis que o símbolo do Caminho desaparece e nos deixa como baratas tontas em busca de uma pista. Para retomar o Caminho, apelamos para um posto de informação. Depois disso, não tivemos mais problemas, pois passamos a ficar mais atentos.
Ao deixarmos a área urbana, o Caminho se torna rústico e segue a ria com seus barquinhos, pescadores, pedras, água e a sombra dos plátanos que estão por toda a parte soltando suas sementes que voam como poeira de algodão e pode causar alergia. Uma máscara pode ser de boa ajuda aos mais sensíveis. Ferrol faz fronteira com Narón, que acolhe os peregrinos com festa, tenta seduzi-lo a parar e conhecer a cidade. Os que partem cedo podem aproveitar para tomar um café, quem parte mais tarde, como é o nosso caso, a parada é para almoçar. Pegamos o primeiro carimbo na Credencial, o que nos faz sentir realmente peregrinos.
A ria de Ferrol segue dominando a paisagem. O porto, com suas gigantescas máquinas, guindastes, parece ocupar todo o espaço, sufocar o mar. As pernas estão ávidas para caminhar e optamos por um caminho mais longo, complementar, o caminho dos moinhos. Desde a Idade Média, os moinhos de farinha instalados pelos romanos no rio Belelle se tornam estratégicos para a fabricação de pão, que abastecem os navios em longas viagens, pois duram meses, e alimentar a marinha de uma maneira geral para resistir aos ataques costeiros. Do século XII ao início do século XIX o pão de Neda teve grande importância na região e por isso é o símbolo da cidade que anualmente celebra o pão com uma grande festa no primeiro domingo de setembro.
Por todo o caminho encontramos água para abastecer as garrafas, e na fronteira de Narón com Neda encontramos um lindo parque e uma árvore histórica, talvez a mais antiga Magnólia do país, secular, copa, tronco e folhagens que ocupam o espaço de um prédio, só nos resta reverenciá-la. As pernas pedem descanso. A paisagem é bela.
Mas cruzando a ponte, encontramos uma cidade sem identidade, aridez completa, Neda nos parece só um lugar para dormir e mais nada. Ruas desertas, a aparência é de uma cidade fantasma. São apenas sete mil habitantes. Não encontramos um único restaurante aberto, apenas um bar e um mercadinho, no qual adquirimos o necessário para o jantar e o café da manhã do dia seguinte, e uma pensão razoável para tomarmos um bom banho e descansar. O Caminho está apenas começando e já estamos exaustos, mas não tem volta, é andar, andar e andar.
Fotos: Beltrina Côrte