Para fazer o Caminho é preciso estar bem fisicamente e disposto a fazer uma viagem espiritual.
Quem imagina que ao fazer o Caminho de Santiago encontrará estradinhas bucólicas, andará entre bosques ouvindo a passarada, relaxará com as vozes dos riachos, das ribeiras brandas e bravas burilando pedras, o som do vento nas folhagens, o aroma do pinho e das flores, o canto dos grilos e das cigarras, a companhia de gaivotas e gralhas, admirando plantações, hortas, pomares, surpreendendo-se com a criatividade dos espantalhos, parreiras a céu aberto, água fresca e potável sempre que a sede aparece, a vista acariciada por paisagens distintas e belas, mares, rias, vales e serras, quedas d’água, hortênsias em cachos com seu colorido diverso, rosas vermelhas, margaridas, flores do campo, enfim, quem espera por isso terá sua expectativa, na maior parte do tempo, contemplada.
O profundo mergulho na natureza tem um preço para o corpo, pés, principalmente, mas o espírito estará recompensado com o contato constante com o divino. Por todo o caminho, a comunhão com o sagrado enche os olhos, acaricia a alma. Quem espera encontrá-Lo apenas no fim do Caminho, em Santiago, irá se frustrar. Encontrará apenas um certificado para exibir e nada mais. Portanto, a ordem é caminhar de mente e coração abertos, e deixar o divino se revelar ao longo do Caminho.
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Algumas pessoas fazem trilha, sujam o Caminho com seus passos, largam garrafas e embalagens diversas, deixam as piores marcas, mas a maioria o que faz é peregrinar, é se encontrar a cada passo, se projetar, e deixa o Caminho transformado, leve. Ah, mas se você deseja fazer o Caminho pensando em perder peso, esqueça, faça dieta. E se tem a ideia de que o Caminho é só para jovens atléticos, engano, não se trata de idade, mas de estar bem fisicamente e disposto a fazer uma viagem espiritual.
Muitos velhos, depois de aposentados, caminham facilmente dez quilômetros por dia para se exercitar, na esteira, nos parques, nas ruas, na praia, em qualquer lugar. Com um pouco mais de treino, pode dobrar facilmente esta meta. Basta se programar para o Caminho e praticamente todos, não importa o Caminho escolhido, completarão a jornada, com algumas marcas, mas com muita alegria e vivacidade, alguns completamente transformados. Mais sensíveis e concentrados, por conta da experiência, mesmo assim se surpreendem a cada passo com a beleza de cidades antigas muito bem preservadas, prédios que são verdadeiras obras de arte, e se sentem acolhidos e acalentados a cada etapa percorrida. Admirados, principalmente, pelos mais jovens que imaginam, meus pais poderiam estar aqui, meus avós, meus tios. Sim, todos podem.
Para fazer o Caminho, não precisa pressa, devagar, no seu ritmo, hidratando-se, comendo bem, descansando, tomando todas as precauções para evitar surpresas desagradáveis, como quedas. Qualquer Caminho escolhido será o Caminho certo. São todos iguais, pois levam a Santiago de Compostela, e ao mesmo tempo distintos em todos os aspectos. Só, já estará bem acompanhado, porque as centenas de pessoas que estão no Caminho são como irmãos e irmãs a compartilhar seus passos. E são muitos os passos, muitos encontros e despedidas, muitos desejos de Bom Caminho.
Existe a possibilidade de despachar a mochila e carregar o mínimo possível com você, ou carregar sua mochila com o mínimo necessário, com um peso que não exceda seis quilos. No caminho, encontrará albergues e pensões com preços populares, os oficiais são os mais em conta, basicamente se aluga uma cama em quartos com seis ou mais pessoas e com banheiros compartilhados. Se quer conforto e privacidade, tem pensões, hostels e hotéis. Antes de começar o Caminho, deve observar as recomendações básicas, como um bom calçado, meias apropriadas, roupas leves, boné, protetor solar, creme ou vaselina para os pés etc. Não pode faltar um bastão ou dois de apoio, fundamental nas subidas e descidas para evitar tropeços e quedas.
A escolha do Caminho para uma pessoa idosa é importante. Escolha um curto e de terreno plano. Não escolha pela beleza do trajeto, pois todos oferecem paisagens encantadoras, igrejas e castelos medievais, rastros da presença romana e muito mais. O Caminho Francês, o mais completo e, portanto, o mais longo, pode ser segmentado de acordo com o gosto e a capacidade de cada um. Como a Compostela, o certificado do Caminho, é obtido apenas por quem caminha 100km ou mais, a última parte do Caminho Francês, partindo de Sarria, é a mais indicada para pessoas idosas, pois além da beleza, o nível de dificuldade é baixo. Outro Caminho relativamente fácil é o Português feito pela costa, com muitos trechos em passarelas de madeira, tendo o mar como companhia e lindas cidades costeiras.
Nós escolhemos o Caminho Inglês, com 113km, recentemente revitalizado. Somos três pessoas idosas, 68, 65 e 63 anos, mas com bom condicionamento físico para encarar a jornada, que tem apenas dois trechos considerados mais difíceis, devido às subidas. O Caminho Inglês tem duas vertentes: a oficial, começa no porto, em Ferrol; a recreativa, tem início na linda cidade de La Corunha (matéria publicada aqui no Portal). São duas cidades-porto, nas quais os comerciantes desembarcavam e seguiam com suas mercadorias em busca de interessados, abrindo novos caminhos até encontrarem o santuário de Santiago. A notícia corre e atrai peregrinos no norte da Europa, especialmente ingleses, irlandeses e escoceses. Porém, no século XVI, os ingleses rompem com a Igreja Católica e a rota é esvaziada, ficando por séculos esquecida, abandonada. Mas, aos poucos, revitalizada, a cada ano recebe mais peregrinos atraídos, principalmente, por La Corunha, cidade acolhedora, amiga da pessoa idosa, e que investe alto em qualidade de vida.
Realizamos o caminho de 04 a 09 de junho, eu, Beltrina e Maria Amélia, fizemos em seis etapas, experiência que vamos relatar nos próximos capítulos. Encontramos muitos velhos e contribuímos com o aumento das estatísticas que apontam que a cada dez peregrinos a solicitar a Compostela, o certificado oficial de quem conclui o Caminho, dois tem mais de 60 anos, dados divulgados em 2020 pela Oficina de Peregrinos de Santiago.
Fotos: arquivo pessoal de Beltrina, Mário e Maria Amélia
Atualizado às 13h37