Até breve… Professor Canineu

Com generosidade e compreensão, lá estava o Professor Canineu nos incentivando e valorizando. Ele compreendia seus alunos, sabia o potencial e a fragilidade de cada um.


Viver e morrer “são só dois lados da mesma viagem, o trem que chega é o mesmo trem da partida, a hora do encontro é também despedida, a plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar, é a vida desse meu lugar, é a vida”. (Milton Nascimento e Fernando Brandt)


Nessa estranha e, ao mesmo tempo, excitante trajetória do que chamamos vida, mais uma vez somos convocados ao enfrentamento da despedida, essa que é a definitiva, aquela que nos atropela, sem avisos, sem qualquer preparação. E assim, veio a triste notícia do falecimento do nosso querido e estimado Paulo Renato Canineu, médico geriatra, formado pela Universidade Estadual de Campinas, e professor do curso de mestrado em gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP.

Eu o conheci em 17 de fevereiro de 2011, era meu segundo ano no mestrado em gerontologia e confesso que fazer uma disciplina com um viés mais saúde/doença e aparentemente menos social, deixou-me um tanto preocupada. Achei que não daria conta.

Depois de amenizadas todas as minhas inseguranças, nobres orientações da Professora Beltrina Côrte, lá fui eu para minha primeira aula com o Professor Canineu, “Aspectos Médicos do Envelhecimento”.

Que grata surpresa! Logo no momento da “chamada”, ele nos olhava carinhosamente, com extrema humildade, demonstrando um legítimo interesse sobre a pesquisa que conduzíamos. Isso aconteceu um a um.

No total foram 16 aulas. Iniciamos nossa viagem, de valioso aprendizado, com a introdução ao estudo da gerontologia, ressaltando a importância de se envelhecer com qualidade até chegar no estudo da avaliação cognitiva do idoso.

Em seguida, vieram os seminários. O meu tratou o tema da bioética nas questões da vida e da morte, mas pelo conteúdo da minha apresentação, fiquei com uma sensação de não ter correspondido a demanda da aula. A questão é que não sabia falar ou escrever da mesma forma que os alunos com formação voltada à área da saúde.

Com extrema generosidade e compreensão, lá estava o Professor Canineu com uma palavra elogiosa de incentivo e valorização. Tive a certeza de que ele compreendia seus alunos, sabia exatamente o potencial e a fragilidade de cada um.

Quando apresentei o poema sobre a “busca sofrida” declamada por Leonardo Boff (2009, p. 72), era como se eu ouvisse, silenciosamente, as palavras do professor “fique tranquila, já entendi suas dores”.

Sinto em mim um grande vazio
Nem o Amazonas que é dos rios o rio
Tento, intento e de novo tento
Sanar esta chaga que mata.
Quem pode, qual é o portento
Que estanca esta veia ou a ata?
Pode o finito conter o Infinito
Sem ficar louco ou adoecer?
Não pode. Por isso eu grito
Contra esse morrer sem morrer.
Implode o Infinito no finito!
O vazio é Deus no meu ser!

O aprendizado mútuo cumpriu seu curso, seguiram-se as aulas teóricas e os seminários finais. O tempo foi passando e eu já me sentindo mais segura, mais à vontade com minhas limitações técnicas e feliz com o olhar humano de um mestre que captou perfeitamente que minhas questões estavam basicamente centradas nos dilemas da existência.

Minha última apresentação versava sobre a finitude ou, talvez, infinitude tratada pelo filme “O Sétimo Selo”, do cineasta sueco Ingmar Bergman.

Dias antes, perguntei ao Professor Canineu: “Mas o senhor acha mesmo que esse tema tem a ver com sua disciplina?” A resposta foi antes de mais nada respeitosa a um assunto que ele sabia que me era precioso, quase nevrálgico. A humanidade se fez presente nas palavras: “Escreva com seu coração, com seus sentimentos. Vida e morte são partes da existência e sei que esses são seus territórios de escrita”.

O semestre terminava e como um aceno de imensa gratidão, presenteei-o com um caderno com os mais belos filmes sobre as velhices e os envelhecimentos. Eu queria que essa fosse a lembrança de uma aluna um tanto desajeitada com as teorias sobre saúde/doença, mas tocada profundamente com essa estranha vida que nos traz e também nos leva.

Cegamente, sonhamos em sobrepujar a morte por meio da imortalidade, quando o tempo todo a imortalidade é o mais terrível dos destinos possíveis.(Jean Baudrillard citado por Beltrina Côrte, 2005, p. 255).

Nascemos, vivemos, envelhecemos e morremos. Cumpre-se o ciclo. Como evitá-lo?  Se assim não fosse, a dor seria imensa, ver as pessoas passarem e vagar pelos séculos. Esta é uma imortalidade que não nos cabe, é uma vestimenta eterna e sofrida.

E que assim seja… Descanse em paz, Professor.

Entrevista com Canineu

Entrevista realizada em outubro de 2018 por Nélio Fernandes Borrozzino, quando cursava o mestrado em Gerontologia Social pela Pontifícia Universidade de Católica de São Paulo (PUC-SP, 2019). Essa entrevista compõe sua dissertação, intitulada “Prevenção quaternária: envelhecendo em sociedades medicalizadas”.

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Depoimentos de alunos da PUC-SP

Aqui registro os depoimentos carinhosos e gratos de alguns de seus tantos alunos do Mestrado em Gerontologia da PUC/SP (1997-2021).

“Acredito que tentar resumir nosso carinho por ele em uma única lembrança é difícil. O Professor Canineu nos ensinou tantas coisas que seria impossível. Talvez, a maior delas, ao menos para mim, foi a de que a maior importância na vida está em ser um grande ser humano. O resto, independente do que você escolher para seguir e construir seus dias, será a consequência disso. Talvez e não por menos, ele será sempre lembrado por mim como um dos maiores exemplos de humildade, de fé, de profissional, como médico, pesquisador e professor, de pai, de marido e de humanidade que conheci na vida. Só gratidão! Que ele seja luz, para todo o sempre!” (Natália Verdi)

“Alguns mestres marcam nossas vidas e o Professor Canineu foi um deles. Um grande homem, um ser humano excepcional, extraordinário e um profissional sem igual nos deixou. Nos deixou também grandes ensinamentos e lindas lições de vida. Para sempre será lembrado com muito carinho, respeito e admiração! Descanse em paz Doutor Paulo Canineu!” (Ana Beatriz de Almeida)

“Como descrever a gratidão e admiração que temos pelo inesquecível Professor Canineu. Para mim, o Professor Canineu é uma daquelas pessoas raras que a vida nos presenteia. Seu legado vai muito além de um mestre, de um excelente profissional médico, foi um ser humano extraordinário, plantou muitas sementes e deixou um mundo melhor, sem dúvida alguma. Meu eterno carinho e admiração Professor Canineu.” (Michela Merchan)

“‘Filha, vamos dar mais um passo para trás, não veja isso como um problema’ foi a maneira que brilhantemente conseguiu orientar-me na academia e na vida e com isso impulsionar-me para todos os passos subsequentes. Obrigada pela humildade, sensibilidade e por humanizar a morte em suas práticas diárias. Valiosas lições. Obrigada por fazer parte de um capítulo especial no livro da minha vida. Ao mestre com carinho: Luz e Aromas em sua Passagem.” (Adriana Souza)

“Que triste. Estou chorando. Um ser HUMANO maravilhoso. Com certeza Deus o receberá de braços abertos. Com sua partida guardarei no meu coração tantos momentos gratificantes que ele me proporcionou, na sala de aula, na entrevista que me proporcionou e principalmente o dia que aceitou fazer uma palestra para A Pastoral. Nesse dia ao chegar para saudá-lo ele se dirigiu a mim, em direção a minha cabeça e fez um sinal da Cruz me abençoando. Grandioso em Sabedoria, Humildade e Generosidade.” (Conceição Carvalho)

“Nossa!!! Triste notícia, o que fica são seus ensinamentos e o olhar tão sensível e humanizado! Gratidão é o sentimento que fica! Que sua passagem seja tranquila, com amor e muita luz!” (Isadora Nobre)

“Minha homenagem ao mestre querido Canineu. Foi um privilégio ser sua aluna, tudo que aprendi de farmacologia foi nas suas aulas. Sou eternamente grata por ter sua confiança no meu trabalho, por dividirmos o atendimento de alguns pacientes quando aprendi muito. Meu profundo respeito, carinho e gratidão a este mestre enorme. Meus sentimentos a familiares, amigos e pacientes que se cerquem de muito afeto na elaboração desta grande perda.” (Ana Lúcia Marques de Sousa)

Paulo Renato Canineu faleceu aos 72 anos, numa noite de quinta-feira, 14 de abril, em Sorocaba. Era casado com Maria Brandão Canineu e tinha doze filhos. Ao lado da esposa, foi fundador da Aldeia de Emaús, um local especializado em tratamento e convivência de idosos fragilizados. Era graduado em Ciências Médicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1975), mestre em Ciências Médicas também pela PUC-SP (1983) e doutor em Gerontologia pela Unicamp (2001). Era professor assistente-doutor da PUC-SP, diretor do Instituto Paulo Canineu, professor convidado da pós graduação em gerontologia do Centro Universitário São Camillo e fundador da Aldeia de Emaús Residencial para Idosos e diretor presidente do Instituto Paulo Canineu de Memória e Envelhecimento de Sorocaba (SP). Sua grande atuação era com a Doença de Alzheimer.

Referências
BOFF, L. (2009). Tempo de Transcendência: o ser humano como projeto infinito.  Rio de Janeiro: Vozes.
CÔRTE, B. (2005). Biotecnologia e longevidade: o envelhecimento como um problema solucionável? In: CÔRTE, B.; MERCADANTE, E. F.; ARCURI. I.G. (Orgs.). Velhice, envelhecimento. São Paulo: Vetor.
NASCIMENTO, M.; BRANDT, F. Encontros e Despedidas: https://www.youtube.com/watch?v=unJZts7xpnw

Nota da Redação Portal
Canineu foi um grande amigo no Pós em Gerontologia da PUC-SP. Em nossas reuniões sempre prevaleceu a troca de saberes e o exercício da interdisciplinaridade, marca do programa que finalizou em 2021. Aprendemos muitos uns com os outros já que cada um vinha de uma área de conhecimento diferente. Sua contribuição para a Gerontologia Social é enorme. Resta-nos dar continuidade aos seus legados, colocando sempre a vida como centro do cuidado. Com certeza o Portal do Envelhecimento continuará fazendo sua parte. Até breve Canineu! (Beltrina Côrte)


Luciana Helena Mussi

Engenheira, psicóloga, mestre em Gerontologia pela PUC-SP e doutora em Psicologia Social PUC-SP. Membro da Comissão Editorial da Revista Kairós-Gerontologia. Coordenadora do Blog Tempo de Viver do Portal do Envelhecimento. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected].

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Engenheira, psicóloga, mestre em Gerontologia pela PUC-SP e doutora em Psicologia Social PUC-SP. Membro da Comissão Editorial da Revista Kairós-Gerontologia. Coordenadora do Blog Tempo de Viver do Portal do Envelhecimento. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected].

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