Armadilhas na demência

Armadilhas na demência

Em grande parte dos casos de demência as pessoas não têm noção da própria doença.


Nos textos anteriores iniciamos este conjunto de matérias sobre a demência, para demonstrar a importância desta condição, que com o processo de envelhecimento da população brasileira vai se tornar cada vez mais importante. Portanto, tanto profissionais de saúde quanto a população em geral precisam estar cada vez mais informados sobre esta condição. O tema deste texto é focar em algumas armadilhas que atrapalham o diagnóstico e o tratamento da doença. Situações cotidianas da prática dos profissionais que trabalham com o tema e que quero compartilhar com o objetivo de informar.

A primeira armadilha que devemos estar atentos é que em grande parte dos casos as pessoas não têm noção da própria doença, ou seja, esquecem que estão esquecendo. O termo técnico para esta falta de percepção é a anosognosia, porém mais importante que o conhecimento do nome técnico é saber os problemas gerados por este fenômeno, um indivíduo que não reconhece um problema jamais vai buscar ajuda para este problema. Devemos estar atentos para sinais que possam sugerir uma demência. Por exemplo, a pessoa ao se deparar com dificuldades para realizar uma atividade que sempre realizou, devido a problemas de memória e raciocínio, mesmo sem a percepção do problema, pode de forma instintiva parar de fazer a atividade ou a evitar devido a vergonha ou medo. A mensagem desta primeira armadilha é que em grande parte dos casos, a pessoa que está com demência não vai se queixar, então precisamos prestar atenção para os sintomas que possam sugerir a doença e na dúvida procurar ajuda profissional.

Outra armadilha muito comum é vermos famílias tentando minimizar os sintomas e as queixas devido ao medo de encarar um problema maior. Escutamos na prática clínica frases como, “mas também com esta idade é normal esquecer um pouco das coisas”. Este discurso vai se mantendo até ocorrer um evento catastrófico, como por exemplo a pessoa se perder e não conseguir mais utilizar o celular, portanto, não consegue ser encontrado. E após este evento toda a família passa a reconhecer a gravidade dos sintomas e fica assustada com quanto a situação já estava avançada.

Então, durante as consultas o que observamos é que já foram observados sinais anteriores a esse evento catastrófico que indicavam a doença, mas eram minimizados e tratados como algo normal para a idade. Para a família da pessoa é totalmente compreensível a dificuldade de aceitar que um parente querido esteja com uma condição que gera tanto medo. A recomendação é sempre se apoiar nos profissionais de saúde para qualquer dúvida. Antes de supor que um fenômeno que está acontecendo é algo normal e que não precisa se preocupar, melhor procurar um profissional treinado para fazer este tipo de avaliação. Caso o que está acontecendo realmente seja algo inofensivo, este profissional vai informar e então você vai estar mais tranquilo e seguro pois a questão foi avaliada de forma profissional.

Ao profissional de saúde vejo a questão como uma guerra contra o tempo, pois mesmo identificado tais problemas que evidenciam uma demência, no cenário apresentado, ele vai ser o responsável em dar a notícia que a família não quer ouvir. Realizar isto sem ter a confiança da família em geral torna esse diálogo pouco produtivo. Então começa a guerra contra o tempo, que envolve conquistar confiança da família, mostrar pouco a pouco nas avaliações a presença objetiva de sintomas, mas ter consciência que o confrontamento com a situação não pode ser postergada de forma prolongada, pois o evento catastrófico que falamos anteriormente pode resultar em um acidente fatal (exemplo: pessoa idosa com demência que não pode mais dirigir se envolver em um acidente automobilístico).

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Nem sempre os sintomas iniciam com memória ou raciocínio, e sim com humor. É muito incomum doenças de humor primárias se iniciarem após os 55 anos. Sempre que temos uma pessoa que nunca apresentou sintomas psiquiátricos durante sua juventude e vida adulta, após os 55 anos iniciar com tais sintomas, o profissional de saúde deve levantar a suspeita de que pode ser a primeira manifestação de uma demência. Na realidade se trata do que chamamos de sintomas comportamentais de uma demência. É muito comum na prática nos referirmos a essa situação como “a ponta do iceberg”, ou seja, que essa depressão, ansiedade, alucinações e outros sintomas psiquiátricos, seja a primeira manifestação de uma demência que precisa ser investigada. Então, não apenas tratar os sintomas psiquiátricos que surgiram nesta faixa etária incomum, mas também progredir a investigação para uma possível demência.

Referências
Scarmeas N, Brandt J, Blacker D, et al. Disruptive behavior as a predictor in Alzheimer disease. Arch Neurol 2007; 64:1755.
Caselli RJ. Current issues in the diagnosis and management of dementia. Semin Neurol 2003; 23:231.

Foto de Matej/pexels.


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Davi Wei Ming Wang

Médico pela Universidade Federal de São Paulo. Residência em Clínica Médica na (Unifesp/EPM). Programa de Residência Médica, Pós na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP): Programa de Residência em Geriatria, junto ao Departamento de Clínica Médica. Médico voluntário do Proter (Programa Terceira Idade do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Médico assistente nos hospitais: Hospital Israelita Albert Einstein/ Hospital Sírio Libanês/ Associação Beneficente Síria - Hospital do Coração (HCOR). Atua com os seguintes temas: Promoção de saúde e envelhecimento saudável; Tratamento de dores crônicas associadas a condições osteodegenerativas; e Queixas de memória. Instagram: https://www.instagram.com/dr.daviwang/

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