Em uma sociedade imersa nas tecnologias da informação e da comunicação, idosos são sujeitos agentes, mas as condições de acesso ainda são restritas e pedem investimento.
Cíntia Liesenberg (*)
A relação entre a vida em sociedade e o avanço das tecnologias da comunicação e informação é cada vez mais pertinente e uma oportunidade para a reflexão sobre envelhecimento e longevidade em um mundo cada vez mais conectado por meios digitais. Esse é o mote que sustenta o interesse para desenvolvimento de projeto aprovado pelo Edital Acadêmico de Pesquisa 2021: Envelhecer com Futuro, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento.
O trabalho busca identificar como a mídia têm apresentado a presença das pessoas idosas no universo digital, por meio de matérias que tratem da apropriação de ferramentas digitais por essa população, como também, de projetos cunhados sobre a rubrica de sua inclusão nesse espaço.
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Nessa toada, vem à memória a figura de Dagny Carlsson, falecida em março deste ano, aos 109 anos. Sua trajetória nas redes digitais motivou uma das matérias que compuseram o corpus de análise das minhas pesquisas para o doutorado, concluída em 2019, e que é agora revisitada, em função da pesquisa apoiada pelo referido Edital. Carlsson ficou mundialmente conhecida por notícias que propalavam o feito de uma senhora que, aos 99 anos, ganhara um computador da família e montara um blog no qual escrevia sobre assuntos de seu cotidiano e que manteve ativo até o final da vida, contando com o apoio de uma auxiliar.
O foco das notícias sobre Dagny se assentam na noção do extraordinário, por tratar-se de uma centenária que transitava e se apropriava de um ambiente de tecnologias associadas ao universo de práticas comuns a pessoas jovens. No entanto, o que a história de Dagny Carlsson permite pensar também é que, para além dessa abordagem, mais do que um feito fora do comum, como se apresenta, cada vez mais a população idosa tem se apropriado de maneira extremamente diversa do ferramental disponível das tecnologias da comunicação e do universo digital, para dar conta de inúmeros usos na vida diária.
Outras matérias da mesma pesquisa demonstram essa afirmação: nela encontramos exemplos de pessoas em faixas etárias acima dos 60 anos que utilizam as redes digitais para se conectar com parentes, construir grupos de auxílio mútuo, promover alguma causa que as implica ou para a formação de rede de empregabilidade. Utilizam ainda ferramentas digitais como alternativa para a pintura, divulgação de vídeo sobre seu processo de finitude, criação de blogs ou postagens em redes digitais com relatos de viagem e na divulgação de projetos em que se envolvem. Vemos assim uma variedade de usos e aplicações desses meios indicativos de um tempo em que a população idosa não somente aumenta em termos demográficos, mas também reivindica e se apropria de novos espaços de participação em sociedade.
Os tempos de pandemia acentuaram ainda mais esse cenário. Vemos essa população participar de lives, ampliar as trocas de mensagens entre familiares pelo whatsapp ou outras tecnologias de comunicação móvel ou fixas, participar de reuniões, gravar vídeos para postagem no youtube e outras redes.
O que tal realidade nos mostra é que, ao ampliarmos um pouco mais as nossas lentes, com foco nos idosos que estão se conectando por vias digitais ou utilizando tais recursos, seja de forma particularizada ou trazendo informações à sociedade, veremos que, ao contrário do que se repercute em senso comum, a população idosa tem sim se apropriado dessas ferramentas para as mais diversas funções de comunicação, sociabilização, entretenimento e expressão artística. No entanto, esse acesso não é generalizado e a exclusão digital entre essa população é também um fato. Ainda que tenha se ampliado a proporção de usuários da internet no grupo etário de 60 anos ou mais, quase metade dessa população (46,5%), ainda está fora desse universo, segundo pesquisa TIC domicílios de 2021, realizada pelo Comitê Gestor da Internet.
Esses breves apontamentos nos fazem pensar na abrangência e complexidade dessa temática. Se, de um lado, chamam atenção para um movimento que faz frente a visões redutoras da velhice, apresentado nas experiências de apropriação das tecnologias digitais pelos idosos, por outro, para que esse movimento possa abranger efetivamente toda a população, é preciso que se invistam em políticas públicas, como também, se inclua nesse chamado a atuação maior da iniciativa privada, com suas inúmeras possibilidades de contribuição. E isso se faz urgente diante de uma realidade cada vez mais midiatizada, em que as tecnologias da informação e da comunicação se tornaram bases para pertença, participação e relacionamento, e ainda, de acesso a serviços públicos e de outras instâncias, em uma sociedade de população cada vez mais longeva.
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Referências
DEUTSCHE WELLE BRASIL. Blogueira aos 105 (vídeo reportagem). Bonn, Alemanha. 11 de mai., 2018. Facebook. DW Brasil @dw.brasil. Disponível em: https://www.facebook.com/dw.brasil/videos/blogueira-aos-105-anos-deidade/10155730290948520/>. Acesso em: 01 set. 2022.
LIESENBERG, C. Sob o signo do tempo: velhice e envelhecimento em perfis de idosos nas mídias. Tese (doutorado) defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2019. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-16052019-165919/pt-br.php. Acesso em: 01 set. 2022.
CETIC.BR – CENTRO REGIONAL DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – TIC Domicílios 2021. Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2021. Disponível em: https://data.cetic.br/explore/?pesquisa_id=1. Acesso em 04 set./2022.
(*) Cíntia Liesenberg – Doutora e mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Relações Públicas. Professora do Centro de Linguagem e Comunicação da PUC-Campinas. Integrante do MidiAto – Grupo de Estudos de Linguagem: Práticas Midiáticas. Texto desenvolvido a partir de dados da pesquisa contemplada pelo Edital Acadêmico de Pesquisa 2021: Envelhecer com Futuro, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected].
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