A velhice

A velhice

O empobrecimento material na velhice tem outros efeitos, a depender da classe social e do gênero dos que o sofrem. 

Ana Laura Moraes Martinez (*)


A realização da própria velhice é relativa, sendo que quanto mais rica, bem nutrida e nascida uma pessoa for, mais tarde e melhor “envelhecerá”. Conclui-se disso que o discurso da “boa velhice”, como sempre, diz respeito a uma irrisória e privilegiada fração da sociedade que pode envelhecer sem se preocupar com o próprio sustento.  O que não é verdade para a enorme maioria das pessoas.

Fato é que, para a grande maioria, envelhecer levará à uma perda brutal de renda, por desemprego forçado, aposentadoria ou perda de valor produtivo/competitivo no mercado, o que só não ocorrerá em raríssimas profissões. 

Soma-se a isso o vertiginoso aumento dos gastos na velhice, com saúde, medicações e cuidados, que os velhos quase nunca pedirão aos filhos, para não os constranger ou onerá-los indevidamente. 

Isso sem contar as situações, nada raras, em que pais velhos ainda sustentam ou ajudam complementando a renda familiar dos mesmos. 

É, portanto, a falta de dinheiro o que explica a miséria moral de muitos velhos, pois, sem dinheiro para implantar-se dentes, vestir, comer e morar com dignidade, serão duplamente repugnados socialmente: por sua velhice e pela pobreza. 

Já nos velhos das elites, o empobrecimento inevitável causado pela velhice tenderá a ser melhor disfarçado em prol de se manter status, fazendo com que, dentre outras coisas, sua perda econômica seja mais profundamente sentida por eles.

É o que se vê, por exemplo, na recusa de alguns velhos “ex-ricos” de se mudarem de suas casas que se deterioram ano após ano por falta de dinheiro para mantê-las. 

O empobrecimento material na velhice tem outros efeitos, a depender da classe social e do gênero dos que o sofrem. 

Impactos do empobrecimento material

Assim, atualmente, homens e mulheres da classe média, na faixa dos 65 ou 70  anos, mesmo depois de aposentados, serão obrigados a continuar trabalhando para manterem seu padrão de vida, caso não tenham poupado dinheiro desde jovens. 

O que é muito difícil de se fazer sem se tornar avaro; ou quando se tem filhos, não se é disciplinado o bastante, nem se ganha razoavelmente bem. 

Outro aspecto é que, se se trata de um homem, a sociedade e a família tenderão a olhá-lo desdenhosamente se vier a perder renda quando velho, como atestado de seu “fracasso”.  Principalmente a mulher. 

No caso desta, sendo tradicional, terá sido alguém que se dedicou integralmente à família e aos filhos, o que lhe preencheu grande parte do tempo e existência, mas também a tornou mais tendente ao ressentimento, às chantagens e às mágoas, com as quais ela buscará tiranizar a todos. Inclusive os filhos.

Não perca nenhuma notícia!

Receba cada matéria diretamente no seu e-mail assinando a newsletter diária!

Filhos como garantidores de amparo na velhice

Nesse aspecto, jovens casais que calculam a decisão de procriar como garantidora de amparo na velhice, desconhecem o fato real do quanto filhos significam muito pouco em termos de melhoria concreta na vida dos velhos. 

Sendo muito mais importante nesse aspecto coisas como: ter boa saúde, uma boa fonte de renda, residência própria, convênio médico e uma rede de amigos, por exemplo. 

Retira-se daí que filhos e netos satisfazem, preocupam, orgulham e até fazem companhia de vez em quando, mas não se deve contar com eles na velhice. 

Porque têm suas próprias vidas e precisam produzir. Porque se impacientam com os velhos, mesmo quando são filhos amorosos. E, finalmente, porque não deveriam ser colocados na perturbadora situação de ver seus pais nus ou defecando na cama, como tive chance de acompanhar algumas vezes em minha clínica. 

Nesse aspecto, onerar a geração mais jovem com os pesados encargos da velhice vai na contramão de muitas culturas em que, frente à extrema escassez de recursos, os velhos são deixados para morrer, frequentemente por escolha própria, conforme descreve Simone de Beauvoir em seu interessante livro “A velhice”. 

Ideologia e familismo

No Brasil, a presença maciça do pensamento religioso e do familismo na ideologia dominante reprova severamente filhos “relaxados” em relação aos pais, situação que culmina tragicamente em: casamentos desfeitos, rompimentos entre irmãos, neuroses graves, além de afastamentos permanentes do trabalho. Tudo feito em nome da culpa. 

Ajudar tais pessoas a discriminarem a diferença entre cuidar dos pais velhos e aniquilar a própria vida por causa deles será, portanto, uma das importantes funções do analista. 

Por fim, aprender com Albert Meursault, o extraordinário personagem de “O Estrangeiro”, de Albert Camus, que não chorou a morte da velha mãe por ser ela coisa natural, poderá ser, nesse aspecto, um belo começo. 

Dedico este texto às mulheres velhas da minha vida, Cora, Sueli, Rosa e Maria, que me encorajaram, direta ou indiretamente, a  pensar nestas coisas. 

(*)Ana Laura Moraes Martinez – É psicóloga, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. Trabalha desde 2003 na clínica psicanalítica com adolescentes e adultos. Texto reproduzido do Blog de Psicanálise


https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/novo/cursos/curso-presencial-os-setenios-e-sua-importancia-para-compreender-as-fases-da-vida-segundo-a-antroposofia/
Portal do Envelhecimento

Compartilhe:

Avatar do Autor

Portal do Envelhecimento

Portal do Envelhecimento escreveu 4301 posts

Veja todos os posts de Portal do Envelhecimento
Comentários

Os comentários dos leitores não refletem a opinião do Portal do Envelhecimento e Longeviver.

LinkedIn
Share
WhatsApp
Follow by Email
RSS