Milton só não vai embora com o ET – para o planeta da escuta – porque ama a filha que não o escuta e a cidade que se faz de surda para as causas das pessoas idosas.
É louvável que a administração pública abra um canal para ouvir a população, especialmente a idosa. Mas desde que funcione. Que realmente leve a sério o idoso ou a idosa. Ufa, quase caí na armadilha de fechar a frase com a palavra queixa. Assim: leve a sério a queixa… Por que não proposta? Porque o preconceito vem antes. O idoso é queixoso, resmungão, mal-humorado, chato, repetitivo, um saco! Se o administrador vai para uma audiência carregado de preconceito com certeza não vai ouvir nada. Não haverá escuta.
Mas por que diabos estamos falando sobre isso?
CONFIRA TAMBÉM:
Porque acaba de ser disponibilizado na Netflix um filme que trata do tema, chama-se Jules (Nosso Amigo Extraordinário).
Ops, não está havendo uma confusão? O filme não é sobre ET?
Negativo, o filme é sobre a necessidade de escuta que tem a população envelhecida.
Continuando, antes mesmo do ET dar as caras, o problema é posto nas audiências públicas nas quais só aparecem pessoas idosas e os ouvidores morrem de enfado, fazem caras e bocas para propostas que parecem de outro mundo. Mas são propostas do dia a dia das pessoas. Milton (Ben Kingsley, 79 anos), aparentemente passou as últimas décadas incomodado com o slogan da cidade Nós Ligamos Para o Nosso Lar porque, no entendimento dele, é confuso, pois pode ser confundido com uma ligação telefônica.

Outro problema, que ele sente na pele, é a falta de uma faixa de pedestre nas esquinas de duas ruas movimentadas que estão no seu caminho. Com isso, demonstra apego à cidade e amor à vida. Mas quem se importa com o que sente um velho? Mesmo assim, vai regularmente às sessões para apresentar suas reivindicações. Parece coisa de gente sem juízo. E é nisso que todos acreditam: a filha, a médica, o atendente do supermercado, enfim, ninguém quer ouvir um velho e muito menos um velho chato (repetitivo) que está perdendo o juízo. Querem medicá-lo. Mantê-lo em casa. Institucionalizá-lo. Em outra época eu diria: colocar uma camisa de força. Velho tem que calar a boca. Não perturbar quem trabalha. Mas o diabo é que nas reuniões só vão velhos e velhas.
A proposta de Sandy (Harriet Sansom, 68 anos) é quase uma denúncia: quer que a cidade promova encontros intergeracionais. E é bastante didática: para que os jovens aprendam com as pessoas idosas e estas aprendam com os jovens. Se o poder público faz isso, temos uma iniciativa segura, um programa regulado pela comunidade, porque tentar fazer isso via internet é convidar o bandido para dentro de casa. Sandy paga o preço.
Joyce (Jane Curtin, 76 anos) é a terceira ponta desse triângulo, uma mulher que viveu boa parte da vida na cidade grande, cantora de bares noturnos, desconfiada, enxerga tudo por outra ótica. O trio tem em comum a necessidade de falar, mas ninguém para escutá-lo. É aí que surge o fato extraordinário, um ouvinte. Melhor, um OVNI cai no quintal de Milton e dele sai um ET. Primeiro assusta o morador, que procura as autoridades, mas ninguém o escuta. Pelo contrário, um velho que diz ver disco voador e abriga um ET em casa só pode estar maluco.
Sandy, que faz parte deste mundo, pensa igual, mas tenta ajudá-lo. É quando descobre que Milton fala a verdade. Joyce vê o carro de Sandy estacionado na frente da casa de Milton e, desconfiada, vai conferir o que estão tramando. Descobre que a história é real e fazem um pacto: manter silêncio sobre o ET para protegê-lo. Mas tudo porque surge um interesse gigante: descobrem que o ET tem uma escuta extraordinária. Ele presta atenção em tudo o que os três falam. E o trio aproveita para desabafar.


O ET fala com os olhos, ou seja, é só escuta. Uma lição para a administração municipal e para todos os profissionais que lidam com pessoas idosas, da médica ao caixa do supermercado. Milton só não vai embora com o ET – para o planeta da escuta – porque ama a filha que não o escuta e a cidade que se faz de surda para as causas das pessoas idosas. Um filme emocionante, leve, engraçado, mas carregado de simbolismo até na dedicatória da produtora: ao meu pai.
Fotos: prints do filme
