A Filosofia e o Alzheimer

Ao pensar no envelhecimento comprometido pelo esquecimento e tantas outras formas de envelhecer que não parecem sedutoras ao olhar de quem procura uma velhice ideal, podemos fazer uma analogia ao pensamento de Parmênides, filósofo Pré-Socrático, que nos ensinaria a ver a essência como algo que não é aparente. Relacionar-se com idosos com Alzheimer requer uma disponibilidade afetiva que nos ajuda a treinar o olhar para enxergar o que não se vê.

Cristiane Pomeranz (*)


Filosofia é uma palavra grega que significa amor à sabedoria. Surge no momento em que o homem começa a pensar sobre questões relacionadas à existência humana e teve a Grécia Antiga como o berço dos pensadores. Entrar em contado com os pensamentos dos filósofos, antigos ou modernos, faz com que o entendimento de nossas práticas, possa ser ampliado.

Ao estudar os pré-socráticos entramos em contato com um mundo a ser descoberto. A natureza precisava ser compreendida e por isso era observada e pensada. Indiscutível o poder de observação e de busca de detalhes cruciais para explicar os fatos. O mundo era visto com inteligência e muita atenção. Debruçavam-se sobre ideias e pensamentos que geravam importantes descobertas. Um mundo complexo precisava ser desvendado e os pensadores aceitavam esse desafio.

Ao pensar no envelhecimento comprometido pelo esquecimento e tantas outras formas de envelhecer que não parecem sedutoras ao olhar de quem procura uma velhice ideal, podemos fazer uma analogia ao pensamento de Parmênides, filósofo Pré-Socrático, que nos ensinaria a ver a essência como algo que não é aparente.

Relacionar-se com idosos com Alzheimer, pessoalmente ou profissionalmente, requer uma disponibilidade afetiva importante, que nos ajuda muitas vezes a treinar o olhar para enxergar, muitas vezes, o que não se vê. O sujeito, modificado pela doença, cultiva algo no seu âmago que nos faz percebê-lo como um ser existente além da pouca memória.

Seguindo adiante na Filosofia, as noções sobre o pensamento de Sócrates e Platão nos fazem refletir sobre o trabalho de arteterapia como meio de reabilitação cognitiva com os idosos com Alzheimer. Textos de Platão nos contam sobre Sócrates, filósofo importante que não deixou nenhum registro escrito.

E se aparentemente ele era muito feio, era também apaixonante por sua oratória que encantava jovens e muitos discípulos.

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Foi o pensamento Socrático que nos fala, pela primeira vez, sobre a noção de alma. Sócrates tocava as almas das pessoas que, devidamente remexidas, questionadas e instigadas, desprendiam-se num ato de coragem em busca do caminho da sabedoria. Essa era sua missão, conduzida por uma voz interior que o fazia fiel a essa certeza de que ensinar é mostrar a importância de manter os olhos abertos para assim ser capaz de questionar e debater os fatos.

Filho de pai escultor e mãe parteira, Sócrates dizia ter o mesmo trabalho da mãe. Considerava-se um parteiro de almas.

Em um atelier de artes para idosos com diagnóstico de perda de memória, propostas são escolhidas com o intuito de estimular o pensamento perdido no vazio causado pela doença. A Arte é usada para vencer a apatia, a agressividade e a falta de cognição.

Estímulos chegam por meio de obras de arte, de poesia e principalmente através da fala do profissional que busca ultrapassar a névoa do esquecimento para encontrar a essência que permanece viva em algum lugar sutil. É talvez a alma citada por Sócrates que nos faz entender o idoso como alguém além da patologia, mesmo que esta modifique a personalidade de quem não mais se conhece.

Neste contexto de velhice fragilizada, a arte é a alavanca auxiliadora para o parto de almas acontecer em meio a suas histórias, poemas, cores e entrega. Quando o idoso com demência é capaz de se posicionar como ser atuante, que vence barreiras e dificuldades impostas pela doença, sua alma é então tocada e arrebatada como potência vital para a continuidade da vida.

(*) Cristiane Pomeranz é arteterapeuta e mestranda em Gerontologia pela PUC-SP. Email: [email protected]

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