Deixo aqui meu compromisso com a vida e com as pessoas de manter minha luta na disseminação de que vale a pena passar pelo processo de envelhecer.
Lygia Santiago Santana (*)
A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer…”. Música Envelhecer, Arnaldo Antunes.
A velhice para mim nunca foi tabu. Eu não estou na fase da velhice, mas estou no processo. Minha infância foi marcada pela presença da minha avó e bisavó maternas, elas mudaram para minha casa logo que eu nasci em 1982. Cresci com elas e acompanhei seus processos de envelhecimento, participei das viagens, dos passeios e fui aos bailes da terceira idade. Lembro de cada amiga da minha avó, Nena, Lourdes, Ema, Amélia e Maria, das conversas e como era mágico vivenciar esse tempo.
Todas com suas alegrias e dores, porque sempre fui levada a participar de festas a velórios. Só tenho a agradecer por tê-las em minha vida. Como fala o meu marido, fui criada com a minha avó e apresento manias ditas como de idosos, reconheço e me alegro porque não vejo isso como algo ruim, recebo isso como um elogio. O encanto pelo envelhecimento começou logo cedo e sempre vi a velhice como algo bom a ser vivenciado.
Como na vida pessoal e na profissional fui levada a trabalhar com idosos. No período de estágio na faculdade de serviço social, consegui vaga numa instituição de longa permanência para idosos (ILPI), percebi no período de quase 02 anos que o amor/brilho nos olhos pela velhice só aumentava. Depois de formada fui trabalhar como assistente social numa ILPI.
Trabalhar ali me fez sentir realizada e feliz em contribuir com os idosos, familiares e funcionários da casa. Nesse período de trabalho observei como cada familiar chegava na ILPI para realizar admissão de seu idoso e como cada pessoa encarava a situação. Uns com remorso, outros com tristeza, as brigas entre irmãos, brigas por dinheiro etc.
Isso sempre mexia comigo e me fez pensar nos porquês de cada admissão e o que estava por trás de cada conjuntura familiar, tentando compreender suas histórias/biografia. Fui em busca de conhecimento acadêmico, fiz a pós-graduação em gerontologia.
Estudar expandiu minha visão sobre o envelhecimento. Eu vivenciava a velhice, mas algumas vezes não compreendia sua totalidade. Sempre achei estranho a maneira como as pessoas tratavam e tratam os idosos, a forma como a mídia desvaloriza o processo de envelhecer e como somos levados a cultuar a juventude.
Mesmo mergulhada nessa temática me deparei com os meus preconceitos e ideias contrárias a tudo que eu defendia. Foi um choque perceber que eu tinha preconceitos sobre a velhice. Preconceito com a questão do sexo na velhice, a homossexualidade e idosos no transporte público.
No curso de gerontologia consegui desconstruir os preconceitos e construir uma nova base para o meu trabalho. Compreendi que a sociedade menospreza o idoso e repele o processo de envelhecimento, porque é levada a pensar que esse período da vida é algo ruim, ligado a morte, perdas, doença e dor. Para Neri e Freire (2000), o envelhecimento ainda está ligado à deterioração do corpo, ao declínio e à incapacidade. Como seres humanos esquecemos que há morte, há perdas, há doenças e há dor em qualquer fase da vida.
O que aprendi com gerontologia?
A Gerontologia é a ciência que estuda de maneira multi e interdisciplinar o processo de envelhecimento em suas dimensões biológica, psicológica e social. Busca compreender as experiências de velhice e envelhecimento em diferentes contextos socioculturais e históricos, abrangendo aspectos do envelhecimento normal e patológico. Investiga o potencial de desenvolvimento humano associado ao curso de vida e ao processo de envelhecimento, segundo a Associação Brasileira de Gerontologia (2016).
Aprendi e aprendo com a gerontologia que olhar para o processo de envelhecimento se faz diariamente. Que posso trabalhar com todas as faixas etárias para desmistificar questões relacionadas à velhice. Que cada fase da vida tem seu lado positivo e negativo. Promover a mudança de paradigma sobre ser velho, inclusive assumir meus cabelos brancos aos 36 anos e para que isso não seja um choque para os meus familiares e amigos. De viver o presente como uma dádiva e entender que as mudanças na vida vão acontecer. Compreender que o trabalho não é tudo na vida e sim uma parte pequena dela. Que quando for o tempo de se aposentar eu tenha um plano B ou não tenha, mas que possa construir uma vida com sentido.
O que faz sentido para você? O que move sua vida? Construir uma vida com sentido não é fácil, mas é possível. Estou no caminho e, se não morrer, tenho muita coisa para viver. Entendi que devo respeitar minhas decisões e valores.
Atualmente trabalho como assistente social na saúde da mulher, atendo pacientes de diversas idades. No atendimento individual ou em grupo procuro promover a reflexão e a importância de olhar para as fases da vida da melhor maneira. A valorizar a vida com suas lutas e glórias.
Sigo com os estudos na área da gerontologia e faço parte de um grupo que ministra aulas para cuidadores familiares de idosos, e nas aulas falo sobre sexualidade na velhice e sobre a relação família/idoso. Meu compromisso com esses familiares é de contribuir minimamente para uma mudança de visão sobre seu familiar que envelheceu e como presenciar essa fase da vida do seu familiar, além de olhar para o seu próprio eu que envelhece.
Deixo aqui meu compromisso com a vida e com as pessoas de manter minha luta na disseminação de que vale a pena passar pelo processo de envelhecer. Que o nosso tempo é hoje. Tempo de estudar, viajar, namorar, fazer aula de judô entre outras coisas. Se faz sentido para você, então viva.
Não quero morrer pois quero ver
Como será que deve ser envelhecer
Eu quero é viver para ver qual é
E dizer venha para o que vai acontecer …
Referências
https://www.letras.mus.br/arnaldo-antunes/1547283/, acesso em 07/06/2018
Associação Brasileira de Gerontologia: http://www.abgeronto.org.br/noticias/1-o-que-e-gerontologia, acesso em 07/06/2018
http://diplomatique.org.br/com-que-idade-nos-tornamos-velhos/, acesso em 07/06/2018
Neri, A. L., & Freire, S. A. (Orgs.). (2000). E por falar em boa velhice. Campinas: Papirus.
(*) Lygia Santiago Santana – Assistente Social, pós-graduação em Gerontologia. Texto escrito para o curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, ministrado pelo Cogeae (PUC-SP), no primeiro semestre de 2018. Email: [email protected]
Foto de destaque de Ryan Holloway