Violência começa em casa

Abandono dos filhos e de outros parentes é a mais cruel das violências cometidas contra os internos do Lar dos Vicentinos.

 

 

Os números são impressionantes: 86% das agressões cometidas contra idosos acontecem dentro de seus próprios lares. A maior delas é a negligência, com 37%, a segunda é psicológica, com 33%, e a terceira é a financeira, com 30% deles tendo suas aposentadorias, pensões e outras rendas apossadas por parentes que os deixam sofrendo à míngua.

Um exemplo bastante expressivo desses números ligados à negligência, que pode ser traduzida como abandono financeiro, moral e de cuidados fundamentais para a sobrevivência digna do idoso, é a situação dos 39 homens e sete mulheres que vivem no Lar dos Vicentinos. Embora estejam sendo bem cuidados pela equipe da casa, só cinco entre os 46 internos recebem a visita de parentes – os demais foram simplesmente abandonados.

Boa parte deles vem de famílias pobres, só 20 tem aposentadorias, mas há os que têm filhos muito bem posicionados na sociedade acreana.

É pior que parece

A constatação é feita a partir destes números que resultam do levantamento feito somente nos casos apurados pela promotoria Especializada de Cidadania e Saúde que está sob o comando da promotora Gilcely Evangelista de Araújo Souza. Embora sejam assustadores, esses números podem ser muito maiores, pois o número de denúncias é muito menor que a onda de violência, isto porque a maioria dos idosos se recusa a denunciar os agressores e, porque as pessoas da comunidade ficam caladas e não denunciam os maus-tratos.

Quanto às 110 denúncias recebidas por maus-tratos, 35 vieram de familiares indignados com a situação, 29 a partir de ligações anônimas aos números 3212-2088 ou ao 0700-970-2078 no Ministério Público Estadual. Outros 16 foram denunciados pelas próprias vítimas, 11 pela gerência de ação pelos idosos, seis pela comunidade e 12 outros vindas de hospitais e instâncias da própria justiça.

“A participação da comunidade é muito pequena. A maioria não sabe que muitos destes maus-tratos hoje são crimes puníveis com prisão, mas nosso objetivo não é prender as pessoas, trabalhamos para recuperar a estrutura familiar que está doente”, garante a promotora. “Quando recebemos uma denúncia enviamos nossa equipe acompanhada de uma assistente social para verificar a situação, confirmado o problema, dependendo da gravidade dele nós fazemos um acordo para que passem a tratar melhor seus idosos e, acompanhamos a família por pelo menos seis meses. De cada dez acordos, só dois não são cumpridos, nesse caso podemos transferir o idoso para a casa de outros familiares”.

Mas não se trata apenas de ações pontuais como verificar a situação do idoso ou retirá-lo do meio de seus agressores, é preciso muito mais que isso. Segundo Gilcely, a família acossada pelos mais variados fatores sociais e econômicos adoece, então precisa receber tanta atenção quanto o idoso e ser tratada para que seus membros voltem a viver de maneira saudável.

Nos casos da exploração econômica, a família e cuidadores são obrigados a prestar contas de tudo o que fizeram com o dinheiro para atender suas necessidades básicas.

“O lugar ideal para o idoso é entre seus familiares. Mesmo numa casa pobre ele pode receber o carinho e sentir-se querido pelos que o rodeiam. Não havendo essa possibilidade, pode ficar com os cuidadores. Cuidadores são pessoas voluntárias que cuidam deles; a última das alternativas é colocá-los sob a proteção do Estado ou em abrigos permanentes como é o caso do Lar dos Vicentinos”, esclareceu.

Tem solução – Diante desse problema, a promotora propõe algumas ações que têm objetivo de solucionar o problema da violência contra o idoso:

– Melhoria das políticas públicas voltadas ao idoso, através de campanhas educativas;

– Resgate da união familiar por meio de um trabalho de valorização e reconhecimento da importância do núcleo familiar para garantir a saúde de toda a sociedade;

– Manter viva a fé, independente da orientação religiosa;

– Aplicar medidas práticas que ajudarão a conservar a esperança de que as diferenças sociais irão diminuir.

Quase um século de inexistência

Maria Adelaide da Silva completará 99 anos no próximo mês de agosto, mas para o Brasil ela só passou a existir de verdade no último dia 13 de março, quando foi lavrado seu registro de nascimento. Essa é apenas parte de uma longa história que começou quando ela e sua irmã Maria dos Prazeres teriam sido abandonadas, ainda meninas, pelos pais Pedro Avilmar da Silva e a mãe Cleonilda Soares, na Santa Casa de Misericórdia de Rio Branco.

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Desde então elas passaram a viver dentro da Santa Casa, de onde só saíram em agosto de 2004 quando foram entregues ao Hospital do Idoso pela senhora “Kelly”, quando a instituição entrou em falência.

“Maria dos Prazeres faleceu, mas Adelaide, apesar de sua idade e de ter passado a vida dentro do hospital, está com um quadro de saúde muito bom. Agora com o registro de nascimento dela, vamos poder dar entrada em seu pedido de aposentadoria, quando então vamos transferi-la para o Lar dos Vicentinos porque ela não deve continuar aqui exposta às doenças dos demais pacientes”, explica Geana de Souza Fernandes da Silva, a enfermeira chefe do Hospital do Idoso.

Lembrou que o registro de nascimento de Maria Adelaide foi pedido pela ex-coordenadora do Hospital do Idoso, Celiana Alves, ao Ministério Público Estadual, a partir daí houve todo um processo de investigação concluído agora em 2007 com o assentamento de seu registro em cartório.

Sem conseguir esconder uma ponta de lágrima, Geana delarou: “A gente gosta muito dela, ela é carinhosa e, sinceramente, sua saída vai deixar um vazio muito grande aqui na unidade de geriatria onde separamos um quarto só para ela, não sei como ficaremos sem ela. Nossa satisfação e alegria é ter conseguido que ela passasse a existir”.

Geana fez questão de destacar que: “A vida das irmãs é um exemplo claro do abandono e o descaso de familiares às suas crianças e idosos, seja por razões econômicas, sociais ou psicológicas”.

Lamentou que: “Quase todo dia chegam ao hospital familiares pedindo que fiquemos com seus idosos porque já não suportam mais suas reclamações e problemas crônicos de saúde. A maioria dos que reclamam pertencem a classe média e alta da sociedade, os mais carentes são muito mais amorosos com seus pais. Essas pessoas não entendem que isto é um hospital e não um depósito de idosos”. Por isso aconselha: “É preciso trabalhar a família para que ela compreenda essas dificuldades e passem a cuidar dos seus idosos que um dia cuidaram da gente, ou vocês acham que nós nunca demos trabalho aos nossos pais”.

Caso bem diferente acontece com uma senhora, 86 anos, que identificaremos apenas pela letra “D” e que também se encontra no Hospital do Idoso enquanto preparam sua transferência para o Lar dos Vicentinos. Nascida em Feijó, foi ainda menina para o Rio de Janeiro onde viveu 37 anos trabalhando como enfermeira do hospital Samaritano, onde foi chefe da ortopedia e, em 1988, já aposentada, voltou para Rio Branco acompanhando um paciente e decidiu ficar no Acre.

Sofrendo seguidas crises de diabetes que a levam ao hospital, como agora, é muito geniosa e radical nos seus pontos de vista, o que impede que mantenha um bom relacionamento com os familiares que tentam cuidar dela. “Gosto de ficar em casa, sozinha, nunca vi ninguém que gostasse de velho, só se ele tiver dinheiro eu só tenho minha aposentadoria. Prefiro ficar a maior parte do tempo rezando. Nem me sinto só!”

Lar dos Vicentinos

Totalmente reformado e ampliado durante o primeiro governo de Jorge Viana, ao contrário do que muitos podem pensar, não é um órgão do governo do Estado e, por isso mesmo, depende de donativos para garantir uma vida mais digna aos idosos sem família. A lei permite que, após assinado um contrato com o idoso ou alguém responsável por ele, a casa pode receber até 70% de sua aposentadoria ou pensão para mantê-lo.

A enfermeira Glória Nascimento Silva responsável pela área da saúde no Lar dos Vicentinos esclareceu que: “Dos 56 idosos que temos aqui, apenas cinco recebem visitas regularmente, os da classe média alta é que não vem mesmo, geralmente mandam uma empregada para trazer alguma coisa e ver como está seu pai ou mãe”.

Mas a reação contra isso vem por parte de pessoas mais conscientes que, mesmo não tendo parentes na casa abrigo, deixam seus lares para estar com eles. “O que mais alegra os idosos é ter alguém para conversar com eles, também ficam muito felizes quando vêm grupos de teatro, dança, violão, ou trazem lanches para comemorar datas especiais. Eles ficam muito felizes quando isso acontece”.

Um bom exemplo

Dalvalina da Silva Brandão, 27 anos, mãe de quatro filhos, teve que internar a mãe Maria de Nazaré, 69 anos, seis filhos, porque não tinha condições econômicas nem de tempo para oferecer a ela os cuidados que passou a exigir depois que foi severamente afetada pelo derrame. “Trabalho muito e não posso estar aqui todo o tempo, mas sempre que posso estou aqui, principalmente nos finais de semana. Aqui é melhor porque tem médico e gente que sabe oferecer a atenção e os cuidados de que ela precisa, coisas que a gente não pode oferecer lá em casa. Ela já está aqui há quatro meses e eu sinto muita saudade dela”, diz.

Há esperança

A presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Idoso (Cedi) e também presidente da Associação Acreana de prevenção ao Mal de Alzheimer, Mariazinha Leitão Bastos, promoveu na segunda-feira da semana passada um treinamento voltado ao esclarecimento dos membros dos conselhos estadual e municipais sobre o Estatuto e outras leis que protegem os direitos do idoso.

Uma coisa que Mariazinha deixou clara é o fato de que embora seja ligada ao Estado, o Conselho Estadual dos Direitos do Idoso não é uma instituição pertencente ao governo. Pelo menos 40 pessoas representando o conselho Estadual e conselhos municipais de Rio Branco, Bujari, Plácido de Casto, Brasiléia, Xapuri e Senador Guiomard estiveram presentes.

“Nosso objetivo maior neste momento, está sendo o de instruir os conselheiros sobre os direitos da pessoa idosa para que eles possam atuar identificando problemas existentes em seus municípios e com isso saibam como tomar providências para que essas situações possam ir sendo resolvidos através da conscientização da comunidade”. Mariazinha lamentou a baixa participação da comunidade na busca de soluções para os problemas da terceira idade, tendo em vista que: “Hoje as pessoas estão vivendo cada vez mais, desta forma, se não conscientizarmos nossa população sobre o valor e a importância do idoso, nós mesmos é que logo estaremos sofrendo quando estivermos idosos”.

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Fonte: Página 20 on line, 03/04/2007. Disponível Aqui

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