Um lar é muito mais do que paredes e móveis

Um lar é muito mais do que paredes e móveis

Um lar é o lugar onde o morador sente-se pertencente, deposita suas lembranças e constrói seu abrigo, para o corpo e para a alma.


Quantas paredes são necessárias para que haja a sensação de bem-estar, acolhimento e privacidade na moradia? Talvez a primeira resposta que venha à mente seja sobre quatro paredes, vazadas por portas e janelas para que haja acesso e aproveitamento do clima. Tudo depende do uso destinado ao ambiente, seu tamanho, configuração e hierarquia no programa da moradia. Mas há uma visão histórica de que a compartimentação de uma casa define seus setores e garante que o mobiliário componha os usos necessários e desejados, de acordo com o comportamento social de cada época. Ao conhecermos um pouco sobre a evolução desses ambientes ao longo da história, podemos compreender como as mudanças acompanham os novos hábitos.

No período colonial brasileiro, os dormitórios das filhas passavam pelo quarto do casal, como garantia de proteção à moral e aos bons costumes. A cozinha era o lugar da produção e geralmente separada da casa, assim como o banheiro, que passou a ser interno e grande, chamado de quarto de banho. Mas aos poucos foi sendo fragmentado para usos menos compartilhados e passou a complementar alguns dormitórios. A cozinha, antes destinada somente aos empregados, foi sendo facilitada pela inserção de eletrodomésticos e passou a exigir espaços menores, culminando pela integração da sala para que os momentos em família, cada dia mais raros, pudessem ser aproveitados nos intervalos das refeições. Criaram-se paredes para mais banheiros menores, mas suprimiram-se paredes para cozinhas integradas.

Mas… e quando a privacidade é limitada, em função de famílias numerosas e com poucos recursos? Recorrer a cortinas e armários sendo utilizados como divisórias pode definir territórios particulares, criando atmosferas de privacidade, mesmo de modo precário. E há os que moram na rua, por escolha ou por falta dela, e criam estratégias para definir seu espaço privativo utilizando o que já foi útil para alguns. Placas, papelões, tecidos e plásticos podem ser apoiados e criar uma moradia transitória, seja pela necessidade de mudar ou pela degradação do material reaproveitado, mas não deixa de acrescentar elementos que a caracterizem como um lar.

Um lar é muito mais do que paredes e móveis, é o lugar onde o morador sente-se pertencente, deposita suas lembranças e constrói seu abrigo, para o corpo e para a alma. Este pode ser o principal motivo pelo qual uma pessoa idosa que passa a morar em uma instituição sinta-se deslocada e insegura no início, pois encontrará pessoas que nunca viu antes para conviver e compartilhar espaços, inclusive na intimidade do seu dormitório. Outro fator é o abandono da maioria dos seus objetos, especialmente os móveis, restrição imposta pela diminuição do espaço disponível para a nova moradia.

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Para que haja bem-estar, acolhimento e privacidade na moradia não serão as paredes que definirão sensações, mas a apropriação dos ambientes de acordo com os desejos e necessidades de cada morador. É preciso compreender que há mudanças ao longo da vida e, portanto, é preciso preparar-se para continuar com conforto e segurança em qualquer lugar eleito para viver.

Foto destaque de Mehmet Turgut Kirkgoz/pexels.


Maria Luisa Trindade Bestetti

Arquiteta e professora na graduação e no mestrado da Gerontologia da USP, tem mestrado e doutorado pela FAU USP, com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Pesquisa sobre alternativas de moradia na velhice e acredita que novos modelos surgirão pelas mãos de profissionais que estudam a fundo as questões da Gerontologia Ambiental. https://sermodular.com.br/. E-mal: [email protected]

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Arquiteta e professora na graduação e no mestrado da Gerontologia da USP, tem mestrado e doutorado pela FAU USP, com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Pesquisa sobre alternativas de moradia na velhice e acredita que novos modelos surgirão pelas mãos de profissionais que estudam a fundo as questões da Gerontologia Ambiental. https://sermodular.com.br/. E-mal: [email protected]

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