O caso de um médico norte-americano que prescreveu o tratamento de quimioterapia a pelo menos 553 pessoas que não tinham qualquer necessidade de se submeter ao citado tratamento e que, muitas vezes, sequer tinham câncer. O médico confessou ter recebido US$ 17,6 milhões de seguradoras de saúde por trabalhos desnecessários. De acordo com o juiz, ele “suprimiu toda a compaixão que tinha como médico e se dedicou a ganhar dinheiro”. “Ele cometeu uma série enorme, horrenda, de atos criminais”.
Moyses Simão Sznifer *
Médico oncologista foi condenado a 45 anos de prisão por um Tribunal da cidade norte-americana de Detroit, por prescrever o tratamento de quimioterapia a pelo menos 553 pessoas que não tinham qualquer necessidade de se submeter ao citado tratamento e que, muitas vezes, sequer tinham câncer. O médico confessou ter recebido US$ 17,6 milhões de seguradoras de saúde por trabalhos desnecessários.
Conforme veiculado pelo portal Estadão.com.br: “O juiz que presidiu seu julgamento afirmou que o médico “praticou uma “horrenda trapaça” com os pacientes, que eram submetidos a tratamentos desnecessários e que destruíram as suas saúdes.
Em alguns casos, ele indicou dosagem de medicamentos agressivos contra o câncer quatro vezes maior que a recomendada. Em pelo menos uma ocasião, um paciente recebeu quimioterapia por cinco anos, quando o tratamento deveria ter sido de seis meses, de acordo com especialistas que falaram na corte, durante o julgamento.
Algumas declarações foram lidas por membros da família de pacientes que morreram. De acordo com o juiz, ele “suprimiu toda a compaixão que tinha como médico e se dedicou a ganhar dinheiro”. “Ele cometeu uma série enorme, horrenda, de atos criminais”.
A par de sua condenação no aspecto criminal, esse verdadeiro monstro travestido de médico também deverá ser compelido a reparar todo e qualquer dano causado a seus pacientes, que foram submetidos a tratamentos absolutamente desnecessários.
No âmbito jurídico, a infidelidade do profissional ao prescrever dolosamente tratamento diverso do necessário para a cura de enfermidade, visando a obtenção de ganhos indevidos, se constitui em evidente violação às obrigações e aos deveres assumidos perante o paciente e configura verdadeira inexecução do contrato de prestação de serviços médicos pactuado, sujeitando-o, portanto, a responder pelos danos daí advindos.
No Brasil também configura evidente violação às normas de defesa e proteção ao consumidor estipuladas pelo Código de Defesa do Consumidor. O médico para os fins do aludido Código deve ser considerado fornecedor de serviços (art. 3º., caput e § 2º., do Código) e o paciente consumidor. O contrato de assistência médica caracteriza uma relação jurídica de consumo.
A incidência das disposições constantes do Código de Defesa do Consumidor à prestação de serviços médicos afigura-se inquestionável, uma vez que se trata de um microssistema, de caráter público e social, devendo ser aplicado a todas as relações de consumo, sem qualquer exceção, incluindo-se obviamente as decorrentes do fornecimento dessa espécie de serviços.
A aplicação das normas e princípios constantes do Código de Defesa do Consumidor a toda e qualquer relação de consumo está respaldada na própria Constituição Federal, a qual inseriu a proteção ao consumidor como direito fundamental (art. 5º, inciso XXXII) e como princípio da ordem econômica (art. 170, inciso V). Dessa forma, a proteção que a própria Lei Maior conferiu ao consumidor deixa patente que o Código de Defesa do Consumidor deverá prevalecer mesmo em confronto com outros diplomas legais.
Ao tratar da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, o art. 14 do aludido Código prevê que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Somente poderia não ser responsabilizado nas hipóteses de inexistência de defeito no serviço prestado, ou havendo culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Em relação aos profissionais liberais, o Código de Defesa do Consumidor abriu uma exceção no tocante à responsabilidade objetiva, levando-a para o plano de apuração de culpa (responsabilidade subjetiva). Cabe, no entanto, salientar que ela só é admitida quando a prestação de serviços for obrigação de meio e não de resultado.
Com efeito, dispõe o parágrafo 4º do artigo 14º do Código que:
“§ 4º – A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”
Portanto, nos contratos de meio (mais comuns nos dos médicos e dentistas) a vítima do dano deverá em juízo provar: dolo, negligência, imprudência ou imperícia do profissional, para legitimar a pretensão de ressarcimento dos danos sofridos.
(*)Moyses Simão Sznifer – Advogado/Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP; Especialista em Contratos e Obrigações pela ESA/SP; Ex Membro do Ministério Público da União; Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP. E-mail: [email protected]