Sr Genésio, educar a planta

Um dia, disse-me sua filha, ele foi dormir e não acordou mais. Estava com 85 anos. Trabalhou com as plantas até dia anterior: era o que lhe dava sentido à vida.

Garatujas do Cotidiano (*)


Eu havia plantado no jardim, bem na entrada da casa, uma bouganvile rosa. Tomada por uma força própria, a planta crescia em direção à porta, ofertando suas flores e espinhos ao espaço exato que tínhamos para passar. Era teimosa. Eu a cortava e, cedo ou tarde, ela voltava a ocupar a entrada da casa. Um dia, já irritada, coloquei um prego na parede ao lado da porta, peguei um barbante e amarrei ali os galhos da planta de modo a impedir-lhe o caminho do hábito. O tempo foi passando e a planta não crescia mais, nem dava flores.

Ficou caída, desolada. Sem saber o que fazer, chamei seu Genésio. Ele tinha a pele sulcada, queimada pelo sol. A cabeleira basta era alva como um grande chumaço de algodão. Seu Genésio tinha 82 anos. Era jardineiro, cuidava das plantas de toda a vizinhança. No caminho entre uma casa e outra, cuidava também das plantas da rua.

Seu Genésio chegou na minha casa com o cigarro aceso:

– Qual é o problema aqui? Ele perguntou, entre uma baforada e outra.

– É essa bouganville que não cresce mais. Queria que o sr colocasse um adubo nessa terra, talvez ajude.

Seu Genésio olhou para planta e me disse:

– Quem colocou esse prego aqui?

– Fui eu, disse meio envergonhada, já entendendo o tom da pergunta.

– Deixa eu perguntar uma coisa: a senhora gosta de ficar presa? Amarrada num prego?

Sem esperar a resposta, o velho seguiu:

– Nem ela. Não adianta botar adubo. Tem que soltar a planta, ela gosta de espaço, de liberdade!

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– Mas seu Genésio, ela toma conta da porta, a gente mal consegue entrar em casa. E esses espinhos imensos machucam!

– Ela precisa de educação, não de prisão.

– Ah sim, eu disse, mas como é que a gente educa a planta?

– A senhora precisa olhar para ela, perceber o que ela lhe diz. E cuidadosamente ir indicando para ela o caminho. Esse é o sentido da poda.

Seu Genésio passou a tesoura no barbante, arrancou o prego da parede e seguiu:

– Agora ela está livre. Vamos acompanhando o movimento dela, indicando o caminho. A senhora vai poder passar pela sua porta tranquilamente e ela vai crescer, florescer e alegrar seus dias.

E assim foi. A bouganville cresceu, seu Genésio me ensinou como educá-la. A planta foi tomando o caminho do muro, por ali se expandiu, encheu de flores e de vida a entrada da minha casa. Não moro mais nessa casa. Mas sempre que passo por lá, vejo na bouganville o gesto de seu Genésio, que já não está mais trabalhando de jardineiro.

Um dia, disse-me sua filha, ele foi dormir e não acordou mais. Estava com 85 anos. Trabalhou com as plantas até dia anterior: era o que lhe dava sentido à vida, disse-me a filha, confirmando o que seu Genésio havia me dito. Tenho certeza de que seu Genésio está naquela bouganville e mais em todas as plantas que soube, amorosa e cuidadosamente, escutar.

(*) Garatujas do Cotidiano é uma página do facebook e, ao mesmo tempo, uma hastag por meio da qual uma de nós publica histórias do cotidiano. Escrito em 21 de julho de 2020.


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