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Ruídos da visibilidade

Envelhecer, aposentar-se, parar de frequentar os lugares de antes, mudar de endereço e permanecer saudável é entrar no que chamo ruídos da visibilidade.


Há duas maneiras de se tornar invisível. Uma, a Física nos ensina: Basta reduzir o índice de refração do objeto até igualar o índice de refração do ar. Isso nos mostra a impossibilidade da existência do Homem Invisível para além da ficção cinematográfica.

A outra maneira é mais simples, embora também tenha suas bases científicas dentro daquilo no qual o estudo do desenvolvimento humano agrega de ciência: basta tornar-se completamente inútil aos olhos dos demais seres humanos.

Aí temos várias sub possibilidades. Você pode ser invisível para certas camadas sociais. Por exemplo, pessoas pobres são invisíveis para a maioria das pessoas ricas. Esse tipo de invisibilidade tem até nome: aporofobia, ou fobia aos pobres e à pobreza.

Algumas dessas pessoas pobres nem têm documentos e vivem à margem do trânsito social. São totalmente invisíveis. Moradores de rua só são visíveis se resolvem viver em nossa rua. São visíveis, mas ninguém quer vê-los. Preferem que continuem invisíveis, ou visíveis em outras ruas.

Foto: Arif Kemal Köroğlu/pexels

Por fim, envelhecer. Quer se tornar invisível? Então envelheça, aposente-se, pare de frequentar os lugares de antes, mude de endereço e permaneça saudável. Pessoa idosa saudável é invisível para o sistema de saúde. Apenas uma vez por ano ganha visibilidade, ao se apresentar ao sistema previdenciário e demonstrar sua existência. Chama-se dar prova de vida. Viva a burocracia, por nos permitir a visibilidade, anualmente.

Quando chegam os netos e netas, você retoma a visibilidade. Mas se não é aquele vô simpático, bonachão, brincalhão, sempre disposto a se servir de cavalinho para eles e elas, seu cancelamento, como se diz hoje em dia, acontece rapidamente.

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Até que um dia a doença te pega, meu velho, a morte te rodeia com um olhar gélido e você sai da invisibilidade. Porque começa a dar trabalho aos cuidadores, familiares ou não.

Conversando com o Vô Ventura, ele, saudável e forte como um poste, daqueles que só caem em trombadas com caminhão, e ele saiu com essa:

— Parodiando o Zagalo, vocês terão que me engolir. Se a visibilidade depende da intensidade sonora, farei muito barulho.

Foto destaque de Kindel Media/pexels.


https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/novo/courses/narrativas-cremilda/
Paulo Cezar S Ventura

Graduado (UFMG) e Mestre (USP) em Física, e Doutor em Ciências da Comunicação e da Informação, pela Université de Bougogne, em Dijon, França. Exerceu a profissão de professor, no CEFET-MG, onde dirigiu o LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte. Hoje se dedica à literatura e se identifica como poeta, cronista, contista e editor da Rolimã Editora Ltda. Autor de diversos livros. Participa do Movimento Vidas Idosas Importam e é membro da Academia Novalimense de Letras. pcventura@gmail.com - @paulocezarsventura

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