O trabalho voluntário é uma boa maneira de ajudar o próximo e espero que um dia eu passe a ser frequentadora da Unibes como minha mãe é hoje, deixando para outras pessoas o legado do trabalho voluntário.
Frequento uma entidade chamada Unibes – União Brasileira do Bem Estar Social, que entre alguns de seus valores, há uma preocupação com os idosos. Sou voluntária na entidade desde 2007, já realizei alguns trabalhos voluntários em outras entidades, já trabalhei com crianças com paralisia cerebral e dava aula de natação para pessoas com deficiência ou com alguns membros do corpo amputados. Hoje atuo como voluntária na Unibes, porque é uma maneira de estar mais próxima da minha mãe e as amigas dela, é um tipo de trabalho que me realiza muito e torna meu dia muito mais feliz, gosto de estar perto de pessoas idosas porque sempre temos o que aprender e escutar.
Sempre me espelhei na minha mãe que fazia trabalho voluntário para o Hospital do Câncer e também no lar dos velhos que hoje é o Residencial Israelita Albert Einstein, e incentivei meus filhos a fazerem o mesmo. Acredito que essa é uma boa maneira de ajudar o próximo e espero que um dia eu passe a ser frequentadora da Unibes como minha mãe é hoje, deixando para outras pessoas o legado do trabalho voluntário.
Exerço o voluntariado de atividades relacionadas à arte para idosos há alguns anos. Muitos deles gostam de fazer e participar das atividades, mas alguns não se interessam em exercer e participar, porém não deixam de estar presentes na entidade, pois esta opção é melhor do que ficar em casa, então preferem conversar e jogar jogos lúdicos e outras coisas na instituição. Realizamos atividades relacionadas à arteterapia, onde incentivamos a criatividade, a coordenação motora e a sensibilidade emocional dos idosos. Não distinguimos as atividades especificamente para homens ou para mulheres, essas atividades são preparadas conforme programação escolhida pela entidade e pelas professoras contratadas, mas a maioria é composta de mulheres, podemos dizer que elas representam 90% entre os frequentadores. Eu exerço esse trabalho voluntário, pelo menos duas vezes na semana, e às vezes ao final de semana, quando temos eventos / apresentações de corais e dança da entidade, ajudo na parte organizacional e apoio.
Quando uma atividade é de recorte e colagem, percebo que muitas das senhoras – que em suas juventudes foram em algum momento costureiras – têm muita habilidade manual, pois fazem o trabalho proposto muito bem feito. Conversando com elas, eu pergunto: Como fazem esse trabalho tão bem? E elas respondem contando um pouco de suas vidas. Muitas passaram por dificuldades, onde falam que aprenderam esse ofício com as avós e com as suas mães. Muitas delas, por se tratar de uma entidade judaica, vieram fugidas da segunda guerra mundial com as famílias da Europa ou da África (Egito, Tunísia), e até hoje relatam a dificuldade que tiveram vindo de navio, só comendo batata e segurando alguns pertences que restaram da família. Lembram das dificuldades que as famílias tiveram de se adaptar e trabalhar quando chegaram ao Brasil e que aos poucos foram melhorando e concretizando suas vidas. Uma delas, inclusive, foi fugitiva de campo de concentração na Alemanha, e se lembra de que se escondeu com sua irmã numa floresta durante dias até acharem outras pessoas que as ajudaram e partiram junto para cá, mas neste caso a família inteira, infelizmente, ficou no campo de concentração.
O caso de minha mãe
Como considero esse espaço de socialização muito bom, levei minha mãe para lá, mas confesso que a tarefa não foi fácil. No começo havia uma forte resistência da parte dela, não queria sair de casa e nem frequentar a Unibes, mesmo sabendo que muitas amigas de infância frequentavam, ela achava que a entidade “não era para ela” e que não se enquadrava no perfil. Ela mesma se rotulava como uma pessoa que não era capaz e que não tinha habilidade de fazer as atividades, sempre se colocou para baixo com medo de enfrentar novos desafios.
Durante muitos anos meu pai e minha mãe tiveram um escritório de contabilidade. Quando meu pai faleceu em 2006, assumi o escritório, mesmo tendo outra formação acadêmica, a de bióloga. Então, para me aperfeiçoar, fiz um curso de contabilidade no Senac, para entender e aprimorar meus conhecimentos nesta área. Continuamos com o escritório até o ano de 2012, quando assim decidimos encerrá-lo.
Foi uma decisão muito difícil para minha mãe aceitar, mas já não tínhamos muitos clientes e o custo benefício já não valia mais a pena. Após o fechamento do escritório, minha mãe passou um período sem querer sair de casa. Foi uma situação muito difícil de lidar, mas chegou um momento que consegui convencê-la de ir conhecer a entidade Unibes. Demorou um pouco, mas conseguimos que ela passasse a frequentar e participar das atividades. Quando ela chegou lá, reencontrou várias amigas que não via há anos e hoje ela frequenta a entidade com muito prazer.
Ela frequenta a entidade há pelo menos 04 anos, ela não vai todos os dias, mas frequenta três vezes na semana e aos finais de semana quando tem algum evento. As atividades que minha mãe mais gosta de fazer são dança e coral, ela se sente muito realizada e livre quando dança, consegue se soltar e voltar no tempo, lembrando quando frequentava os bailes na juventude. Além de frequentar a Unibes, minha mãe mantém a vida social ativa no próprio bairro, ainda conseguindo exercer tarefas diárias sozinha, como ir à farmácia, na mercearia, nos correios, etc. Combina com as amigas de ir na sinagoga de sexta-feira, mas nada além dessas atividades. Demos a opção para ela de frequentar o clube judaico aos fins de semana, para passear e rever as amigas, mas ela não quis, prefere ficar em casa assistindo televisão. Quem sabe a convencemos aos poucos para ir ao clube, assim como foi com a Unibes.
Perdemos meu irmão no ano de 2001, o que foi um choque muito grande para todos nós, e quando minha mãe começou a frequentar a Unibes, ela percebeu que outras pessoas também passaram por essa situação na vida, de perder alguém muito próximo querido. Com isso ela enxergou a possibilidade de revigorar e seguir em frente graças as atividades exercidas na entidade. Elas dançam, cantam, fazem artes manuais e uma série de outras coisas como palestras, passeios e muitas outras atividades. Algumas senhoras gostam muito de dançar músicas Israelitas, minha mãe é uma delas. Uma vez por ano, durante quatro dias, vamos passear em Lindoia (SP), elas gostam muito de lá, pois ali fazemos muitas coisas como passeios, bingo, caminhadas, muitas conversas e todas adoram.
Hoje minha mãe tem 82 anos. Pelas manhãs ela fica em casa ou sai pelo bairro para fazer as tarefas diárias, almoça e depois passa a tarde na Unibes, e se não está na Unibes ela vai ao salão de cabeleireiro ou fica fazendo tricô. Além dos problemas crônicos controlados como diabetes e colesterol alto, minha mãe não apresenta nenhuma outra enfermidade séria. Ela tem há muitos anos um problema na visão (visão de 30%), mas já se acostumou e consegue lidar muito bem com isso.
Nos últimos tempos, percebi que algumas coisas estão acontecendo, como esquecer-se de como ligar o micro ondas, ou de mentir falando que lavou as roupas, mas não lavou, ou simplesmente ficar andando “pra lá e pra cá” pela casa ajeitando as coisinhas espalhadas e na cozinha. Outro fato importante que percebo que acontece com quase todos os idosos que conheço é que eles vivem em função da hora, sempre observam o relógio para ver que horas são, mesmo tendo visto nos últimos dez minutos, uma ansiedade de fazer algo em função do decorrer do tempo.
Já conversei com o médico em relação a esses assuntos e ele falou que é absolutamente normal, que não precisamos nos preocupar, que isso faz parte dessa idade. Fico bem aliviada, pois ela se alimenta direito e está muito saudável. Posso dizer que minha mãe é um exemplo de mulher e de superação, e acredito que ela vai usufruir muito das atividades proporcionadas para quem tem mais de 60 anos.
(*) Clarete Bleich é Bióloga e Instrumentadora Cirúrgica. Relato apresentado no Curso de Extensão Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento no primeiro semestre de 2016, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]