Com este blog “Espaço dialógico e reflexivo sobre Práticas”, pretendemos tornar mais visíveis as redes de apoio, de cuidado e de suporte à pessoa idosa. Propomos, para início de conversa, uma reflexão sobre os desafios e as oportunidades diante do “cuidar”.
Todo ser humano precisa ser cuidado ao longo de sua vida. Exercer o cuidado ao outro é uma experiência que vários homens e mulheres (principalmente estas) vivenciam, seja no papel de pais e mães, avôs e avós, ou, como cônjuge, irmã/o, filho(a) etc. Há ainda aqueles que optaram pelo “cuidar” como profissão e outros que cuidam como cidadãos, defendendo causas ambientais, sociais e coletivas.
Cuidar é uma escolha. E de acordo com os elementos motivacionais envolvidos nesta escolha, o cuidar, para quem o exerce, pode ser um fardo, uma obrigação, mas também pode significar um sentido para a existência, um modo de exercer a cidadania, uma forma de retribuição ou um ato de doação, entre tantas outras definições. Mas, então, em que momento(s) o cuidar deixa de ser positivo e se torna nocivo? É tênue o limite…
As relações de cada sujeito com si mesmo, com seus pares, com o ambiente e com a sociedade tornam individuais os limites e os motivos dos efeitos deletérios do cuidar. No entanto, queremos discutir aqui um componente que pode colaborar (e muito) para amenizar a sobrecarga do cuidador e valorizar a essência do cuidado: a rede de apoio.
A configuração em rede é peculiar ao ser humano, ele se agrupa com seus semelhantes e vai estabelecendo relações familiares, de trabalho, de amizade, enfim, relações de interesses que se desenvolvem e se modificam conforme a sua trajetória, permitindo o compartilhamento de recursos, informações, conhecimentos e experiências. Assim, o indivíduo vai delineando e expandindo sua rede conforme sua inserção na realidade social, envolvendo pessoas, grupos, organizações e comunidades (TOMAÉL et al., 2005).
O apoio social pode ser definido como qualquer informação e/ou auxílio material oferecido por pessoas e/ou grupo(s) que se conhecem e que conferem, como resultado dessa interação, efeitos emocionais e/ou comportamentos positivos (VALENTE, 2010; MESQUITA et al.; 2012).
Guzmán et al. (2003) consideram quatro categorias de transferências ou apoio nas redes sociais de idosos, sendo:
1) apoio material, que implica em fluxo de recursos financeiros (dinheiro em espécie) e não financeiros, nas diversas formas de apoio material (alimentação, vestuário, pagamento de serviços etc);
2) apoio instrumental, como o transporte, auxílio com as tarefas domésticas e cuidados em geral;
3) apoio emocional, por meios de manifestações de afeto, confiança, empatia, sentimentos associados à família e preocupação com os outros. Eles podem assumir diferentes formas, tais como visitas regulares, transmissão física de afeto, escuta etc.; e
4) apoio cognitivo, referente à troca de experiências, transmissão de informações, conselhos, atividades educativas etc.
As redes de apoio de idosos constituem a base da ajuda requerida por estas pessoas, caracterizando-se por instâncias em que os papéis fazem sentido e são ancorados por estímulos sociais que promovem um sentimento de pertença e de integração social, evitando o isolamento e retardando os efeitos das doenças incapacitantes e da depressão neste grupo populacional (RODRIGUES e SILVA, 2013).
Sabendo um pouco mais sobre as redes de apoio e seus papéis para a pessoa idosa, propomos neste blog uma aplicação prática: a partir de um caso clínico, vamos refletir sobre os desafios do cuidado e as possibilidades da contribuição das redes de apoio na trajetória do cuidar.
Convidamos especialistas para colaborar com a discussão, respondendo questões norteadoras, mas contamos com sua opinião e participação para enriquecermos nosso blog! Acompanhe e participe!
Caso clínico
Sr. I., 74 anos, sexo masculino, é casado há 50 anos com a Sra. A., de 70 anos. O casal teve 4 filhos homens. Sr. I. sempre foi um pai e esposo companheiro, respeitador, e que tem um bom relacionamento com os filhos. Sr. I. tem pressão alta, diabetes, colesterol alto, está com a próstata aumentada, é obeso, tem Doença de Chagas, já teve 3 derrames, sendo o penúltimo em março de 2013 e o último em setembro de 2016.
A Sra. A. sempre cuidou do Sr. I. com muito carinho e paciência, assim como cuidou de seus quatro filhos. Antes do último derrame, Sr. I. tinha algumas dificuldades para andar e precisava de ajuda para realizar suas atividades cotidianas, mas a Sra. A. estava sempre ao seu lado, auxiliando no que fosse preciso. Um dos filhos, Sr. P., de 47 anos, mora com os pais e ajudava a Sra. A. com várias tarefas e também no cuidado com o Sr. I.
Há dois meses, o Sr. I. teve o terceiro derrame e desta vez, ficou bastante incapacitado. Duas semanas depois, o filho, Sr. P., estava limpando a calha e caiu, sofrendo uma fratura de tornozelo. Foi hospitalizado, realizou cirurgia e voltou para casa com restrição para colocar o pé no chão durante 8 semanas, e somente então iniciará a reabilitação.
A Sra. A. está emocionalmente abalada e muito preocupada com a condição atual do esposo e do filho, pois além da condição de dependência, os cuidados estão restritos, a idosa não consegue prestá-los totalmente, tendo recebido ajuda dos vizinhos. Atualmente o idoso não anda, usa fralda geriátrica e é totalmente dependente para os cuidados de higiene e alimentação.
Durante o atendimento domiciliar da fisioterapia, a esposa relatou que outro dia a vizinha mediu a glicemia do idoso e como estava muito elevada, a Sra. A. deu metformina para o idoso, sem prescrição médica (ela tinha uma caixinha em casa). O idoso também apresenta picos de pressão alta eventualmente, apesar do médico ter receitado remédios para isso (porém o idoso não adere ao tratamento medicamentoso).
Na semana em que o Sr. I. sofreu o último derrame, a esposa relatou que ao chegar em casa encontrou o idoso sendo acudido pela nora, pois na tentativa de preparar uma refeição, acendeu todas as chamas do fogão, sem expressar qualquer julgamento de risco pelo ato.
Questões norteadoras
1- Cuidar do outro faz bem ao cuidador? Que aspectos do cuidado podem contribuir para o bem estar e para a autoestima do cuidador? Como é o lado positivo de cuidar?
2- E quando a família não consegue mais prover o cuidado adequado? Que mecanismos legais, sociais e informais existem para auxiliar a família na prestação de cuidados? Quais as alternativas de cuidado?
3- Como é a rede de apoio do Sr. I.? Ela é visível e reconhecida pelo Sr. I. e pela Sra. A? Quem são os potenciais membros da rede de apoio do Sr. I. que poderiam colaborar na prestação dos cuidados? Como seria a articulação em rede para contribuir com a diminuição da sobrecarga da Sra. A e para melhorar o bem estar deste casal?
4- Que ações podem ser implantadas para o cuidador nos serviços de saúde e de assistência social, visando à melhoria dos cuidados?
Participe, e envie sua opinião para o e-mail: [email protected]