Envelhecemos no instante em que nascemos. Estamos preparados para o nosso próprio envelhecimento? E nosso entorno, está também preparado? Sabemos que não, e aspectos da invisibilidade da velhice continuam presentes.
Rafaela Amorim Vieira (*)
Para você, qual o conceito de velho?
Na grande maioria este conceito se aplica a objetos, a algo que não tem mais utilidade, que se deixa de lado, que pode se desfazer a qualquer momento. E para o ser humano como se aplica o conceito? Geralmente, o velho se trata de uma pessoa que não tem mais utilidade, é dependente e não possui autonomia na sua vida.
E em qual momento se começa o processo de envelhecer?
Bom, o processo de envelhecimento se dá no momento em que nos é apresentado a vida, o mundo, ou seja, no instante em que nascemos já começamos a envelhecer. Mas será que estamos preparados para o nosso próprio envelhecimento? Quando começamos a mergulhar neste mundo, descobrimos que o mesmo não se trata apenas de um processo fisiológico, pois o indivíduo não envelhece somente na sua fisionomia, e sim em tudo ao redor, no seu ciclo social, psicológico, profissional e também no seu núcleo familiar.
O idoso se reconhece idoso, não somente da sua idade cronológica, ele se percebe inserido numa etapa da vida, a partir do seu convívio em todos os âmbitos que circundam o seu viver. Um dos marcos mais importante desta fase surge através da aposentadoria, pois o indivíduo passa um pouco menos da metade da sua existência exercendo uma função na sua vida adulta na qual é reconhecida como fundamental para viver, onde a sociedade o reconhece como um ser funcional, útil e importante para com o meio em que habita. Nesta fase, geralmente apresenta dilemas muito significativos, mas o que fazer de agora em diante?
Qual a rotina que vou exercer ? Vou ter alguma utilidade para todos ? Será que o valor que recebo vai ajudar a minha família?
Estas são algumas perguntas que se faz ao receber/solicitar a aposentadoria. Como relata Mendes et al. (2005): “Nesta ausência de papeis é que podemos observar o verdadeiro problema do aposentado […] Percebendo que ninguém necessita dele, por estar isolado, recusado e excluído da sociedade”. Este é um dos fatores como tantos outros que devem ser refletidos ao longo de toda a vida, para que quando o momento chegue, perceba-se outras funções e o leque de possibilidades à frente.
Outro momento importante se dá com o aparecimento de dificuldades de efetuar as atividades básicas de vida diária, onde começamos a perceber uma lentidão se apoderar de nossos corpos, para uns a necessidade de alguém para efetuar algo que era rotineiro. As alterações fisiológicas que aparecem no decorrer deste processo é um dos fatores mais importantes, pois torna a voz, a solicitação, a recusa e tantos outros pedidos ignorados, contribuindo assim para a reclusão do velho e a desvalorização da pessoa idosa diante da sociedade em que é inserido.
A família é um dos pontos principais neste processo e na aceitação dele, pois o idoso tem que descobrir junto com os integrantes da mesma, qual é o seu novo papel neste núcleo. O velho não está mais na posição que ocupava diante deles, o de comandante, o provedor da família… Com o passar dos tempos os papeis vão se invertendo, pois quanto mais a idade aumenta a dependência também, tornando assim os filhos responsáveis pelos seus pais. Após esta inversão vai ficando cada vez mais difícil, pois a sua voz cada vez mais é ignorada e com isso se ignora a autonomia também. Diante deste fator a família pode determinar diretamente o comportamento deste velho, deixando-o se isolar cada vez mais. Como descreve Mendes et al. (2005): “Essas características promovem um grande retrocesso na vida das pessoas. O idoso torna-se isolado socialmente e com medo de cometer erros e ser punido”. Verifica-se que em cada núcleo familiar é fundamental aceitar o envelhecimento e entender que ele possui várias vertentes e diversos valores, peculiaridades e que pode e depende dos integrantes apresentar e vivenciar tantos pesadelos ou sonhos, e cabe a cada ser integrante desta família entender que a pessoa apenas envelheceu e que não mudou e não vai mudar, pois as características de sua personalidade quando adulto permanecem e não sumirão.
Já na sociedade o idoso assume o papel do velhinho que precisa ser respeitado, denominado como bonzinho ou como ranzinza. Porém, como no núcleo familiar, o velho não é escutado na maioria dos ambientes que frequenta. Quando o fazem, não é perguntado se deseja ou não realizar as atividades propostas, não tem poder de escolha e nem de decisão, não é acolhido quando chega irritado e muitas vezes é tratado como criança, não se respeitando a história de vida que o mesmo cursou e vem enfrentando. Como em uma tentativa de carinho, o que não é e não pode ser confundido como tal, tratar o velho da forma como que se fosse um bebê o deixa com a autoestima ainda mais baixa e com vontade ainda mais de se isolar, trazendo falsas alusões referentes ao processo do envelhecimento e da velhice para todos os demais pertencentes ao ciclo que fica envolta deste idoso.
Enfim, o processo de envelhecimento se dá a partir das escolhas que realizamos no curso da nossa vida, a forma de como queremos agir naquele momento, como diz Guerra; Caldas (2010): “A possibilidade de envelhecer de maneira bem-sucedida depende, dentre outros fatores, da história de vida e da forma como cada um entende o processo de envelhecimento e a velhice”, pois a grande maioria não vê a velhice como algo que participamos integralmente e sim como algo que vamos alcançar, que está muito longe, mas que na verdade já estamos vivendo o processo.
Como todos os aspectos que circulam a pessoa idosa e com o grande número de pessoas da terceira idade aumentando, as políticas públicas estão avançando em programas para os mesmos, porém ainda é muito pouco em vista do que se vê pela frente. Enquanto não entendemos que o velho é um ser integrante, participativo e com voz ativa, não vamos evoluir, por mais que tenhamos leis dedicadas aos velhos, pois necessitamos compreender que estamos todos neste processo de envelhecer e o quanto é importante aprender, estudar e principalmente respeitar esta fase que, todos, com algumas exceções, iremos passar.
Referências
FONSECA da Silva Jardim, Viviane Cristina; FIGUEIROA de Medeiros, Bartolomeu; DE BRITO, Ana Maria; Um olhar sobre o processo do envelhecimento: a percepção de idosos sobre a velhice; Rio de Janeiro; Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, vol. 9, núm. 2, 2006;
GUERRA, Ana Carolina Lima; CALDAS, Célia Pereira; Dificuldades e recompensas no processo do envelhecimento: a percepção do sujeito idoso. Ciências e saúde coletiva [online]. 2010, vol.15, n.6;
MENDES, Márcia R.S.S. Barbosa; GUSMAO, Josiane Lima de; FARO, Ana Cristina Mancussi e LEITE, Rita de Cássia Burgos de O. A situação social do idoso no Brasil: uma breve consideração. Acta paul. Enfermagem [online]. 2005, vol.18, n.4
NERI, Anita Liberalesso; Idosos no Brasil: Vivências, desafios e expectativas na terceira idade; Editora Fundação Perseu Abramo; Editora SESC, 2007, 288 p.
MANZARO, Simone de Cássia Freitas; A ‘infantilização’ da pessoa idosa. Disponível em: <https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/infantilizacao-da-pessoa-idosa/> . Acesso em 15 Nov. 2017
(*) Rafaela Amorim Vieira é graduada em Enfermagem pelo Centro Universitário São Camilo, com experiência em área hospitalar (Hospital Albert Einstein). Atua como Técnico Enfermeiro em Centro-dia Para Idosos “Adoniran Barbosa”, dentro da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – Prefeitura de São Paulo.Texto escrito no curso Fragilidades na velhice: gerontologia social e atendimento, do Cogeae/PUC-SP, no segundo semestre de 2017. E-mail: [email protected]