Ela é educadora por formação e paixão. Formada em Pedagogia pela PUC-SP, fez Educação Artística e, aos 35 anos, decidiu cursar Direito na Universidade Mackenzie. Incansável, Maria Luiza Gaspar Bonozzi, 66 anos, dava aulas particulares de piano e tocava órgão na igreja da PUC, até receber, em 1969 a missão do padre Vitório Escremin – pertencente à Congregação Palotina -, para assumir um pequeno grupo de alunos da Escola Paroquial. Essa missão resultou no que é hoje a Escola Santa Marina, na Vila Carrão, um complexo de 6 mil metros quadrados de área construída, que abriga mais de 1000 alunos – entre Maternal, Fundamental e Ensino Médio. Além de diretora, o que faz com maestria desde 1969, Maria Luiza está ligada ao catecismo e coordena o Projeto Feliz Idade que desenvolve atividades culturais e de lazer cujo objetivo é atender a parcela significativa da terceira idade da comunidade em que a escola está inserida.
Texto e fotos por Alessandra Anselmi
Portal – A senhora ainda estudava na PUC quando foi convidada para administrar o jardim da infância e pré-primário? Como foi a transformação da pequena escola infantil para esse espaço de hoje?
Maria Luiza – Olha, não foi fácil. Eu estava no primeiro ano da PUC, tocava órgão na igreja na missa dos jovens, quando o padre me convidou a ser responsável por uma escola infantil. Comecei com três turmas, de jardim da infância e pré-primário, na Igreja Santa Marina, aqui mesmo na Vila Carrão. Ficamos lá por quatro anos. Certo dia, o mesmo padre me informou que eu teria que sair dali, porque a Igreja havia firmado parceria com o Sesi, que em troca dos empréstimos para as obras de ampliação da igreja, o Sesi iria precisar das salas, e que por isso tínhamos que sair do local. Agora, pensa você, havia 80 crianças, para onde eu iria? O padre nos ofereceu o salão paroquial. Mas meu pai tinha um terreno ao lado e acabamos construindo algumas salas. Depois o padre nos ajudou cedendo todo o mobiliário infantil, o playground. Mais tarde, com o incentivo de pais de alunos e autoridades escolares, em 1973 a escola adquiriu a sede própria no endereço onde estamos agora. Até 1973 funcionou como escola paroquial, depois não. Mas não troquei o nome, permaneceu com o nome da patrona da escola, que é uma santa católica, Santa Marina, invocada pelos fiéis como poderosa intercessora diante de Jesus nos casos de provações, doenças ou calúnias. Por conta do nome, algumas pessoas pensam que somos uma escola confessional, chamam-me até de “irmã Maria Luiza”. Mas não somos uma escola religiosa, apenas trabalhamos os valores universais.
Portal – Conciliar toda essa intensa vida de professora e diretora com a pessoal foi muito difícil?
Maria Luiza – Difícil foi, mas não existe um peso de conciliação, porque quando se tem isso como missão, algo que se gosta imensamente de fazer, o que existe é a felicidade imensa de realizar bem um trabalho e compartilhar com quem se ama. Há um ano e meio estou viúva, fui casada por 25 anos com Milton Dias Bonozzi que faleceu com quase 70 anos. Ele era engenheiro químico e trabalhava numa multinacional, não tivemos filhos, acho que porque me casei um pouco tarde, e a escola foi minha ocupação desde sempre.
Portal – E o Projeto Feliz Idade? O que é?
Maria Luiza – O projeto visa promover a formação humana do cidadão idoso ou em processo de envelhecimento, por meio da educação permanente, visando a uma melhor qualidade de vida. O projeto só é possível porque há uma equipe de voluntários do corpo docente da escola e pais de alunos, responsáveis pela execução das atividades planejadas. Aliás, faço questão de participar ativamente do planejamento das atividades e da execução. Quero conhecer as pessoas, envolver-me com elas.
Começamos alguns anos atrás como atividade escolar, homenageando os avós. A ideia partiu da Tania, minha falecida cunhada, que na época era coordenadora pedagógica. O projeto foi muito bem aceito pela comunidade escolar, alunos e pais. Passaram-se alguns meses, e iniciamos a faculdade de Pedagogia, muito bem-sucedida. Inclusive recebemos a primeira colocação no Enade da Zona Leste em Pedagogia. A faculdade abraçou o Projeto da Feliz Idade e ficou algo oficial. Hoje não temos mais a faculdade, mas o Projeto continua. Há alunos que estão desde o início, em 2006. É uma educação permanente. Teve um começo, mas não vai ter fim.
Portal – O que é preciso para participar?
Maria Luiza – Ter 60 anos no mínimo. O grupo é formado por pessoas de vários níveis culturais – há pessoas de nível universitário, outras muito simples, e as atividades são desenvolvidas para todas elas, e se dão muito bem. A diferença cultural e social é fator que enriquece o convívio, o aprendizado, e todos só têm a ganhar, inclusive a escola. Nossos encontros são gratuitos, a escola fornece o espaço, convida os profissionais a participarem do Projeto. Apenas quando há os passeios acabamos dividindo os custos, pois dependemos de locomoção.
Felizmente o interesse pelo Projeto cresce a cada ano. Há pessoas que vêm aqui um dia só e não voltam mais, talvez porque tenham outra ideia do Projeto, pensam que terão aula de vôlei, de bordado, de natação, por exemplo. Dentro do Projeto Feliz Idade existem essas atividades, mas são recreativas, o momento da piscina não é para aprender a nadar e sim de recreação. Já tivemos aula de biodança, de relaxamento. Por isso, geralmente convido para assistirem a uma aula, ver se gostam, e continuam ou não no Projeto.
Portal – Os encontros são semanais? Quais as atividades desenvolvidas?
Maria Luiza – Nossos encontros acontecem sempre de março a junho e de agosto a novembro. Encerramos com uma confraternização, baile e tudo. Eles trazem os familiares, o nosso professor de violão toca, os inspetores de alunos vestem o melhor terno e formam-se pares, pois a maioria é mulher, uma grande festa. Há atividades variadas. Hoje é show de talentos, mas já tivemos danças, semana passada foi uma palestra do médico ortopedista, Tamaro, que falou sobre os cuidados na terceira idade, como evitar tombos, os benefícios da acupuntura, entre outros assuntos. Temos passeios culturais, atividades esportivas, aulas interativas, como direito do idoso, informática, artesanato, comunicação verbal e palestras com nutricionistas, dentistas, fisioterapeutas, oficina de automaquiagem, além de apresentações artísticas nas festividades da escola. Já fizemos vários passeios: fomos à Pinacoteca, à Natura, ao Museu do Ipiranga, Museu do Imigrante, fomos almoçar no Sesc Belenzinho para observar o balanceamento da comida. Toda atividade que a gente aplica tem um objetivo. Se é apresentação de filmes, por exemplo, analisamos o gênero do filme, se é romance, se é aventura, trabalhamos a mensagem do filme.
Portal – E eles chegam a solicitar alguma atividade?
Maria Luiza – Sim. Eles solicitam. Uma delas foi haver aulas de internet, que já fizemos algumas vezes. Muitos já dominam um pouco, uma das alunas falou comigo que antes apenas tirava o pó do computador, hoje já sabe ligar, entrar no Programa da Ana Maria Braga para ver as receitas. Várias pessoas fazem pesquisa e pedem para os netos ajudarem.
Portal – Qual a participação dos alunos e pais?
Maria Luiza – Convido os alunos do Ensino Médio, mas não é sempre que eles participam, por conta do cronograma de aulas, mas vêm geralmente uma vez por mês, e no Festival de Poesias tivemos maior interação de pais de alunos, que vieram conhecer o Projeto Feliz Idade e participaram do Sarau de Poesias, de autoria dos próprios idosos. Depois de participarem das aulas de uma professora voluntária ensinando conceitos de métrica, poesia com rima, sem rima, criaram as próprias poesias. E há uma poetisa aqui no grupo, dona Conceição.
Portal – Sempre se trata da importância da intergeracionalidade. Para os idosos e para os jovens. O Projeto tem essa intenção?
Maria Luiza – Exatamente. Há cerca de 20 dias veio um grupo de crianças do quinto ano, com dez anos, fazer uma pesquisa com eles sobre as brincadeiras que mais gostavam quando crianças, e se topavam depois do resultado da pesquisa brincar com os alunos nas brincadeiras mais votadas. Eles toparam. A mais votada foi pular corda e em seguida vieram brincadeiras como amarelinha, passa anel e outras. Esse Projeto é muito rico pela oportunidade que têm de todo esse convívio, de troca com os alunos. E é enriquecedor para nós, pois aproveitamos muito a sabedoria que eles têm da vida, a sabedoria da idade, de ter criado os filhos, e ajudam a criar os netos, os benefícios desses encontros são mútuos.
Portal: Como a senhora vê seu próprio envelhecimento?
Maria Luiza – faz parte da vida. O importante é envelhecer com saúde, disposição e qualidade de vida.
Troca de experiências – Depoimentos
Chega um grupo de alunas da Oficina de Jornalismo da professora Mayra Vellardim, jornalista, assistente de comunicação da escola, que trouxe as meninas para acompanhar o Show de Talentos.
Portal – O que estão achando desse encontro de hoje e do Projeto Feliz Idade?
Maria Luiza Souza, 13 anos (na sequência da foto ao lado: Beatriz Liza, Maria Luiza Souza, Giovanna Vogel e Arissa Ayumi): “É a primeira vez que venho. Achei muito bonito essa homenagem toda. Eu gostaria que minha avó participasse do Projeto Feliz Idade. Já convidei, mas ela não quis”.
Portal – O que acha de encontros como esse?
Maria Luiza Souza – Acho muito importante porque muitas vezes a gente vê uma separação, né?, idosos de um lado, jovens de outro, e não deveria ser assim.
O francês Horace de Paula, 81 anos, único homem da turma, não se intimida: “Claro, eu gostaria que tivessem mais companheiros frequentando aqui, eles não sabem o que estão perdendo. Comecei a vir por causa de minha falecida esposa, ela me trouxe, depois que ela morreu me afastei por um ano, mas depois pensei: ‘Sinto falta dela em todo lugar, então não adianta, vou sentir aqui, vou sentir em casa, então é melhor eu vir porque aqui posso participar desses aprendizados maravilhosos, e é também uma espécie de homenagem que faço a ela vindo aqui. Fora que todas essas pessoas, que são muito queridas. Sabe, sou evangélico, fui pastor por 36 anos, às vezes elas me pedem para usar a palavra, às vezes eu digo mesmo sem elas pedirem, e sempre que digo as chamo de “irmãs”, como é costume lá na igreja onde frequento. Esse ambiente é de irmandade, de família. São sete anos fazendo parte deste Projeto, puxa, é uma maravilha”.
Dona Deolinda de Barros Cardoso, 82 anos, que participa desde o primeiro dia dos encontros do Projeto Feliz Idade (2005): “Pode me chamar de Dinda porque aqui ninguém me conhece pelo nome. Bom, eu trabalho na loja do meu filho, uma loja de aviamentos, cama, mesa e banho. Bem em frente à escola, e a minha neta, que estudava aqui, na quinta série, me convidou para participar do Projeto, e desde então não parei mais. Hoje ela me pergunta admirada: ‘Vó, a senhora ainda está lá?!’. Digo a ela que não vou deixar nunca. Toda terça-feira, às 14h30, tiro o meu avental de trabalho e vou atravessando a rua, louca para participar das palestras, atividades, rever minhas amizades que eu fiz ao longo desses anos todos, isso aqui é para mim uma grande alegria”.
Beatriz Brás Lourenço, 68 anos, é a mais nova integrante da turma, frequenta os encontros desde maio. Para ela, que já sofreu dois AVCs, dois enfartos, teve câncer de boca e veio diretamente do hospital, depois de ter passado mal na noite anterior por conta da pressão alta (chegou de Pirituba – de pulseirinha de internação hospitalar e tudo), para a Vila Carrão (são cerca de 24 quilômetros), logo se justifica: “Falei para o médico, me libera, preciso estar lá, tenho uma apresentação muito importante hoje, não posso perder”.
Projeto Feliz Idade:
Encontros às 3ª feiras, das 14h30 às 17h.
Mais informações:
SUPRIR Comunicação Interativa – (11) 98246-3595 / (11) 2511-5541
Escola Santa Marina – Av. Guilherme Giorgi, 430 – Vila Carrão, SP (11) 2296-2400 – E-mail: [email protected]
Site: Acesse Aqui