Maurício Maia, procurador federal e professor do curso de Direito Administrativo da PUC-SP em palestra realizada no evento Diálogos Nepe/PUC-SP e Itaú Viver Mais estabeleceu referências constitucionais para o atendimento dos processos previdenciários e o instituto da aposentadoria no país, ao abordar aspectos de natureza trabalhista que poderão ser instituídos com a finalidade de promover a participação do idoso no mercado de trabalho, quer através de incentivos fiscais ou de leis cujas fiscalizações deverão ser estabelecidas para garantir o seu cumprimento na busca de manter o idoso dentro da produtividade.
José Alberto Cesar Bertulucci * Foto: Rodrigo Gueiros
A previdência é um assunto que está em pauta no país. Não poderia estar ausente do evento Diálogos “Políticas públicas para envelhecimento ativo após aposentadoria: direitos, experiência e projetos sociais”, promovido pelo Mestrado em Gerontologia da PUC-SP por meio do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe) e o Itaú Viver Mais, que a cada mês traz um tema para reflexão, aberto ao público em geral. Este evento teve a mediação da professora Ruth Gelehrter da Costa Lopes da PUC-SP.
Para falar de “Previdência: Direitos dos Idosos”, o convidado foi Maurício Maia, procurador federal e professor do curso de Direito Administrativo da PUC-SP que estabeleceu referências constitucionais para o atendimento dos processos previdenciários e o instituto da aposentadoria no país.
Segundo o professor Maia, a nossa Constituição, quanto a sua mutabilidade, tem um caráter rígido que pode ser observado pela dificuldade em se realizar as modificações no seu texto original. Para que haja qualquer modificação no texto constitucional é necessário observar um procedimento muito mais extenso e amplo que uma lei ordinária, de forma que uma alteração da Constituição envolverá não somente o poder Executivo e Judiciário, mas também as duas casas do Poder Legislativo.
Dentre os princípios fundamentais que norteiam a nossa Constituição de 1988, é de singular importância o que trata da dignidade da pessoa humana, que de uma forma ampla irradia para todos os direitos e princípios que nela estão estabelecidos. A aposentadoria, bem como toda Previdência Social foram contemplados na Constituição e alcançados por esses princípios.
Regulados na Constituição os direitos e garantias fundamentais podem ser reunidos em três dimensões, sendo a primeira a que se refere aos direitos e garantias individuais civis e políticos; a segunda regulando os direitos sociais econômicos e culturais e, finalmente, numa terceira dimensão estão os direitos difusos e coletivos.
Entre os direitos e garantias individuais estão a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade. A constituição estabelece no seu capítulo II, os direitos sociais: “são direitos sociais a educação, a saúde, alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados”. No seu artigo 7, estabelece que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”…. Inciso XXIV… “à aposentadoria”.
A manutenção de uma instituição de Previdência Social e o instituto da aposentadoria, devem ser estabelecidos atendendo desde o princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, até os preceitos estabelecidos nos Direitos Fundamentais. Qualquer ideia que importe na modificação deste sistema é expressamente vedada pela Constituição, conforme salientou o professor Maia ao responder a um questionamento, apresentado pela plateia presente, quanto à possibilidade da alteração do nosso sistema previdenciário estatal para um outro, deixando de ser público para se transformar em um sistema privado.
Na nossa Constituição existem algumas restrições quanto a sua modificação, que são mais conhecidas como “cláusulas pétreas”. Conforme estabelece o artigo 60 §4 “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir”: …inciso IV- os direitos e garantias individuais.
Muito embora controvertida quando analisada na sua acepção literal, ou seja, observada de forma gramatical ou filológica, o qualificativo “individuais”, afastaria desta proteção os direitos fundamentais de natureza social, metaindividuais, coletivo ou individuais homogêneos. No entanto, o entendimento mais amplo, segundo o professor Maia, busca aceitar uma guarida que alcance os direitos e garantias fundamentais, tornando praticamente pouco provável qualquer modificação neste sentido. Ademais, conforme bem enfatizou Maia, a aposentadoria como se apresenta, busca amparar o trabalhador, naqueles mínimos que são entendidos como necessários para ver garantido o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, não impedindo de forma alguma que se possa manter em paralelo um sistema de previdência privada. Outro aspecto que também deve ser observado, e que a experiência nos traz, está relacionado aos erros atuariais e de má gestão, que levaram à solução de continuidade diversas instituições financeiras, prejudicando, desta sorte, um grande número de contribuintes e, muitos, nos momentos mais difíceis de suas vidas.
Apresentando o histórico da aposentadoria, o professor Maurício Maia apresentou a origem da aposentadoria no final do século XIX, quando da Revolução Industrial na Europa onde a ideia era a de atender a trabalhadores da indústria, da agricultura e do comércio, que tivessem mais de 70 anos de idade, objetivando inicialmente, alcançar trabalhadores de idade avançada que se tornassem inválidos ou ficassem incapacitados para exercer qualquer tipo de profissão. Tratava-se de uma pensão paga a esses trabalhadores dentro de um princípio assistencialista.
Otto Von Bismarck, chanceler alemão, estabeleceu esse sistema nacional em 1889. Na realidade, isso ocorreu pela verificação de que os trabalhadores mais idosos e aqueles com algum tipo de incapacitação física, não conseguiam competir com os demais, apresentando uma produtividade menor e recebendo os mesmos salários. Envolvido com as pressões sociais e procurando reduzir os efeitos das ideias socialistas que se espalhavam pelo continente, a criação deste benefício, que já era uma reivindicação trabalhista na época, amainou os ânimos, muito embora de pouca valia, uma vez que a expectativa de vida dos trabalhadores não alcançava essa faixa etária contemplada pela aposentadoria, atendendo a poucos anos de vida nestas condições.
No Brasil, a aposentadoria foi criada em 1923, atendendo inicialmente aos ferroviários. O Decreto 4682 de 24 de janeiro de 1923, criava uma caixa de aposentadoria e pensões para os empregados das empresas de estradas de ferro, estabelecendo a formação de fundos da Caixa através de contribuições mensais dos empregados, na época 3% dos respectivos vencimentos, e também contava com a participação das empresas. Portanto, como apresentou o professor Maurício Maia, a nossa aposentadoria, diferentemente da formulada por Otto Bismark, é contributiva e obrigatória, ou seja, “tem direito quem contribui”.
A modificação da pirâmide populacional, notadamente após a segunda metade do século XX – com a diminuição do número de trabalhadores que dentro da faixa produtiva mantém os benefícios dos já aposentados os quais pela ampliação da expectativa de vida os trabalhadores passaram a ser um grupo cada vez maior -, gerou um desequilíbrio na sustentabilidade do sistema previdenciário, que reclama medidas para evitar um colapso que se agiganta dentro da estrutura financeira do instituto.
Falando ainda sobre a aplicação da justiça, foi lembrado que para assegurar o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o direito deve ser aplicado de forma desigual aos desiguais, fato que pode ser observado, por exemplo, dentro do Direito do Trabalho onde se aplica, para tanto, o princípio da inversão do ônus da prova.
Seguridade Social
O professor Maia assinalou que a Previdência faz parte de nosso sistema de Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social). Quanto à aposentadoria no Brasil, esta é mantida com a contribuição, além do trabalhador, das empresas e do Estado. O Sistema de Seguridade Social apresenta o benefício da aposentadoria nos casos:
a) de invalidez;
b) por tempo de serviço (contribuição de 30 anos para as mulheres e 35 anos para os homens);
c) por idade (60 anos para as mulheres e 65 anos para os homens), e finalmente;
d) as aposentadorias especiais que beneficiam os trabalhadores expostos a agentes nocivos à saúde, podendo aposentar-se com 15, 20 ou 25 anos de contribuição.
Voltando ao idoso, o professor Mais lembrou do Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social, mais conhecido como BPC/LOAS, em cumprimento de preceito Constitucional apresentado no capítulo que trata da Seguridade Social determinando que esta “será organizada sob a forma de regime geral de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial” e com relação à assistência social estabelece que “deverá ser prestada a quem dela necessitar, Independente de contribuição à Seguridade Social e tem por objetivos”, entre outros, a “garantia de um salário mínimo de benefício mensal a pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família , conforme dispuser a lei” .
O BPC/LOAS atende a pessoas com renda familiar inferior a um quarto do salário mínimo, sendo no caso de idosos, aqueles com mais de 65 anos, de nacionalidade brasileira ou portuguesa, que more no Brasil e não receba qualquer outro benefício da Seguridade Social ou de outro regime, com exceção dos benefícios de assistência médica e a pensão especial de natureza indenizatória.
Finalizando a apresentação, o professor Maia abordou ainda aspectos de natureza trabalhista que poderão ser instituídos com a finalidade de promover a participação do idoso no mercado de trabalho, quer através de incentivos fiscais ou de leis cujas fiscalizações deverão ser estabelecidas para garantir o seu cumprimento na busca de manter o idoso dentro da produtividade.
Debate
A professora Ruth Gelehrter da Costa Lopes, mediadora do debate, comentou a respeito da necessidade dos idosos procurarem de forma coletiva e organizada os seus direitos ou a constituição destes, buscando verem atendidas as suas necessidades. O que foi confirmado pelo professor Maia ao complementar que realmente esta participação é necessária inclusive atuando junto aos representantes do povo nas casas legislativas ou ainda por meio da Advocacia Geral da União.
Passando às perguntas e respostas, ele enfatizou as vantagens que as empresas podem obter ao admitir um tipo de funcionário que tem mais idade e que consiga trazer mais experiência de vida e experiência nas funções que venha a desempenhar, comentou a respeito da possibilidade de se estabelecer cotas de empregados nesta situação e das possíveis vantagens que o governo pode oferecer àqueles que vierem atender a essas cotas. Ressaltou a importância de se levar em conta a carga horária do trabalho, pois uma carga de 8 horas para alguém de 30 anos é uma coisa, e para alguém de 65 anos é outra. Orientou também, no que diz respeito às dúvidas em relação à aposentadoria ou outros benefícios previdenciários, que estas podem ser esclarecidas no site da Previdência ou no próprio contato com a Procuradoria do INSS e Defensoria Pública.
Parceria Diálogos Nepe/Itaú Viver Mais
Fomentar as discussões sobre envelhecimento, velhice e longevidade junto à sociedade é o objetivo da parceria realizada entre a PUC/SP, por meio do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da PUC/SP, mantida pela Fundação São Paulo e o Itaú́ Viver Mais, uma associação sem fins lucrativos, que desenvolve projetos especialmente para pessoas com mais de 55 anos, oferecendo atividades físicas e socioculturais.
(*)José Alberto Cesar Bertulucci possui graduação em Direito e pós e, Diteito Aeronáutico. É mestrando em gerontologia pela PUC-SP. Atualmente é diretor da Escola de Aviação Congonhas – Eacon. E-mail: [email protected]