Pesquisa revela que saúde entre mulheres e homens é diferente

Estudo desenvolvido no município de Campinas, São Paulo, apontou diferenças entre os sexos, com maiores desvantagens das mulheres, em quaisquer das condições socioeconômicas, quanto à presença de doenças crônicas. Nos homens manifestaram-se desvantagens nos indicadores comportamentais relativos à saúde e em todas as causas de mortalidade analisadas. Os achados da pesquisa confirmaram o paradoxo de gênero: nas mulheres maior prevalência de comportamentos saudáveis e, por outro lado, mais morbidades; nos homens maior prevalência de comportamentos prejudiciais à saúde e morbidade menor.

Carmo Gallo Netto / Foto: Antonio Scarpinetti

 

pesquisa-revela-que-saude-entre-mulheres-e-homens-e-diferenteEmbora a população masculina apresente altas taxas de mortalidade prematura, vivendo em média seis anos a menos do que as mulheres, exiba elevadas condições graves e crônicas de saúde, e adote com maior frequência comportamentos prejudiciais a ela, os estudos sobre diferenciais de gênero em saúde ainda estão concentrados na saúde da mulher. Este contexto mostra a importância de conhecer o perfil de desigualdades de gênero em saúde, considerando diversos aspectos como os comportamentos relacionados à saúde, ao seu estado, ao uso de seus serviços e mortalidade.

Estudo de base populacional desenvolvido no município de Campinas, São Paulo, por Tássia Fraga Bastos, como parte do seu doutorado em Saúde Coletiva – área de concentração em Epidemiologia –, teve como objetivo identificar os diferenciais de saúde entre 957 homens e mulheres de 20 a 59 anos. O trabalho utilizou dados do Inquérito Domiciliar de Saúde de Campinas, ISACamp, realizado em 2008/2009, desenvolvido junto ao Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde, situado no Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, e foi orientado pela sua coordenadora, professora Marilisa Berti de Azevedo Barros.

Estrutura da tese

Os resultados da tese foram estruturados em três artigos. O primeiro, intitulado “Healthy Men” and High Mortality: Contributions from a Population-Based Study for the Gender Paradox Discussion”, publicado no periódico PLoS ONE, utilizou dados do ISACamp e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), alimentado e disponibilizado pela Secretaria da Saúde de Campinas. A pesquisadora se valeu desses dois bancos de dados para discutir o aparente paradoxo de gênero, que se caracteriza pela maior prevalência de morbidades nas mulheres e maiores taxas de mortalidade nos homens, e suas possíveis explicações.

Os resultados apontaram diferenças entre os sexos, com maiores desvantagens das mulheres, em quaisquer das condições socioeconômicas, quanto à presença de doenças crônicas – como hipertensão, diabetes, problemas circulatórios, asma, bronquite, reumatismo, artrose – e em todos os problemas de saúde referidos – que constituem queixas e sintomas externados pelas pessoas, como dor de cabeça, dor nas costas, problemas emocionais, que delineiam as condições de saúde. Nos homens manifestaram-se desvantagens nos indicadores comportamentais relativos à saúde (tabagismo, consumo abusivo de álcool e consumo alimentar inadequado) e em todas as causas de mortalidade analisadas. Os achados da pesquisa confirmaram o paradoxo de gênero e outros paradoxos foram também identificados no trabalho: nas mulheres maior prevalência de comportamentos saudáveis e, por outro lado, mais morbidades; nos homens maior prevalência de comportamentos prejudiciais à saúde e morbidade menor.

Ao analisar as variáveis de comportamentos prejudiciais à saúde, como tabagismo, consumo de risco de álcool, hábitos alimentares inadequados e inatividade física, a pesquisadora verificou que as duas primeiras apresentavam maiores diferenças nas prevalências entre os sexos. Como estas estão entre as principais causas de mortalidade por doenças crônicas, a análise do perfil do tabagismo e do consumo de risco de álcool em adultos levaram aos outros dois artigos que compõem a tese.

Assim é que, o segundo artigo, que aborda o “Perfil do tabagismo em adultos: diferenciais entre homens e mulheres”, mostra que os fatores demográficos e socioeconômicos associados ao tabagismo (faixa etária, religião e escolaridade) são os mesmos em ambos os sexos, mas revela-se 56% maior nos homens em relação às mulheres. Já nas mulheres o tabagismo foi mais elevado entre as que faziam uso de bebida alcoólica em qualquer frequência e tinham consumo insuficiente de frutas e leite, o que poderia ser explicado pela alteração das papilas gustativas causada pelo cigarro, e de refrigerantes em excesso. Nos homens a prevalência do tabagismo foi maior entre os que consumiam inadequadamente frutas, tinham duração longa de sono e insônia. O estudo aponta ainda que a proporção de fumantes com dependência de nicotina moderada a grave é elevada (47%) e os dados mostram dificuldades de abandonarem o fumo.

Já o terceiro artigo, que analisa o “Consumo de risco de álcool: fatores associados e diferenciais entre homens e mulheres”, mostra a prevalência de consumo de risco de álcool de 9,5%. A prevalência foi maior nos homens na faixa etária de 30 a 49 anos, nos pretos e pardos, solteiros e em união estável, nos fumantes e ex-fumantes e nos que manifestavam ao menos um problema de saúde. Os homens apresentam maior frequência de ingestão, de volume consumido, sinais de dependência e de problemas decorrentes do uso do álcool.

Como no tabagismo, em relação ao consumo de risco de álcool – entendido aqui como aquele que pode levar à dependência e a problemas sociais, econômicos e de saúde – os fatores socioeconômicos também se mostraram importantes. Observaram-se nos homens maiores frequências e volumes consumidos, assim como sinais de dependência e de problemas em decorrência desse consumo.

Explicações possíveis

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Estas constatações levam Tássia a afirmar: “Verificamos, com base no inquérito, que de fato as mulheres apresentam mais doenças que os homens, ocorrendo o inverso em relação à mortalidade. Ao investigar as causas de mortalidade nos homens constatamos que várias delas poderiam ser evitadas, além daquelas decorrentes de homicídios e acidentes de trânsito, se fossem prevenidas corretamente. Exemplo disso são a hipertensão e diabetes, menos identificadas neles que nas mulheres, embora em relação a diabetes eles morram duas vezes mais que as mulheres, o que é uma contradição”.

A explicação para essa aparente contradição pode ser encontrada no fato de as mulheres frequentarem mais regularmente os serviços de saúde e em decorrência terem seus males diagnosticados mais precocemente. Embora ocorram interferências de outros fatores, essa diferença de comportamento mostra que as mulheres se cuidam mais que os homens que, em contrapartida, descobrem doenças em estágios mais avançados.

Ressalte-se, ainda, que a mulher histórica e socialmente é criada para as atividades do lar, habituada ao cuidado dos filhos, do marido e de si própria. Em decorrência ela manifesta um autoconhecimento maior do que o homem e, ao perceber algum tipo de anormalidade, procura o sistema de saúde. No homem essa percepção não é tão acurada.

Observe-se, também, que para algumas morbidades, como doenças cardíacas, por exemplo, os homens têm maior propensão do que as mulheres, que são protegidas por hormônios no período reprodutivo.

Recomendações

Em vista dos paradoxos constatados e face às explicações aventadas, Tássia faz algumas considerações. As Unidades Básicas de Saúde constituem a porta de entrada do sistema de saúde e as mulheres têm presença mais constante nessas unidades do que os homens, pois utilizam em geral seus serviços especialmente no período reprodutivo, quando gestantes nas consultas de pré-natal, no puerpério, para acompanhar os filhos e idosos, dentre outros motivos, advindo daí o maior contato com esses atendimentos e possibilidade de diagnóstico precoce de seus males.

O trabalho ressalta ainda a pouca visibilidade dos homens nas políticas e nos serviços de saúde, especialmente na Atenção Primária à Saúde, que tem maior oferta de serviços voltados para as mulheres. Apesar de lançada em 2009, a Politica Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem enfrenta dificuldades em incorporar suas práticas e se depara com deficiências do sistema nesse atendimento inclusive por não dispor de profissionais bem preparados para tal, possivelmente em decorrência da formação que recebem nos cursos de medicina e em outros cursos de saúde.

Para tanto, ela enfatiza a necessidade de maior capacitação desses profissionais e recomenda a necessidade da implementação efetiva e ampliação de ações de prevenção e promoção de saúde que incluam os homens, para diminuir-lhes a mortalidade prematura, bem como a atenção às especificidades de cada sexo no controle de tabagismo e de consumo de risco de álcool.

Voltando ao paradoxo, ponto central do seu trabalho, ela afirma: “Os homens de fato estão morrendo mais cedo, mas o fato de nas pesquisas não aparecerem como mais doentes que as mulheres não quer dizer que não sejam portadores de morbidades. As políticas públicas precisam atentar para isso, pois eles estão morrendo muito precocemente, ainda na fase produtiva, gerando impactos sociais e econômicos”.

Publicação

Tese: “Diferenciais de saúde entre homens e mulheres em estudo de base populacional”

Autora: Tássia Fraga Bastos

Orientadora: Marilisa Berti de Azevedo Barros

Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

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