A parceria entre o Portal do Envelhecimento e o Itaú Viver Mais promoveu em março o debate do filme (direção de Olivier Assayas) no Espaço ItaúFrei Caneca, em São Paulo, contando com a participação de pessoas idosas que se envolveram na trama, fazendo colocações sobre o materialismo, existência, espiritualidade, luto… O próximo filme a ser debatido será “Paterson”, na sessão do dia 25/04 às 14 horas, e o debate será feito pela jornalista Maria Antonia Demasi.
O cineasta francês Olivier Assayas, ex crítico, responsável pela boa acolhida ao cinema asiático na imprensa europeia, apesar de vaiado pela crítica, acabou recebendo do júri o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes com Personal Shopper.
Como debatedora do filme pelo Portal do Envelhecimento, minha expectativa quanto à escolha do Itaú Viver Mais da película foi inquietante, visto que as críticas apontavam para um filme de terror, suspense, luto, fantasmas, gênero que geralmente o público ao qual se destinava costuma não apreciar. Entretanto, a reação foi além do esperado, e os presentes se envolveram na trama, fazendo colocações interessantes. Evidente que, antes da sessão, cuidei de passar uma mensagem que o filme ia além da questão terror ou morte, dirigindo o foco para outras perspectivas, que poderiam de fato trazer um bom debate ao público presente.
O filme Personal Shopper gira em torno da personagem Maureen (Kristen Stewart), jovem americana, que com a morte do irmão gêmeo, vai morar em Paris, depois que este morre de um ataque cardíaco. Para manter-se, enquanto tenta se comunicar com o espírito do irmão, vai trabalhar como personal shopper para Kyra, uma celebridade cuja presença no filme passa quase despercebida. Tanto Maureen quanto o falecido irmão Lewis tinham um problema congênito no coração e, sendo médiuns, combinaram de se comunicar quando um deles morresse, mostrando que estavam bem. Maureen não encara seu trabalho como uma função interessante, pelo contrário, alienante, mas é o que tem em mãos para manter-se, enquanto espera sinais de seu irmão. Nessa busca solitária, sua vida se resume em compras, e só se relaciona esporadicamente com seu namorado via Skype, sua cunhada, e somente numa cena, com o amante de Kira, sua empregadora.
Em um dado momento ela passa a receber mensagens no celular de um número desconhecido, de alguém que segue seus movimentos, e demonstra saber seus passos. Segundo o diretor, “As trocas de mensagem de textos, em si, tão banais em nossas vidas hoje em dia, já carrega um teor de tensão. É uma narrativa curta e muito precisa, quanto menos texto e mais direto, como traduzir essa tensão verbal e visual de forma dramática dentro de um filme melhor, é como se contivessem seu próprio tipo de suspense”.
A ligação da personagem com o sobrenatural é apenas sugerida em alguns momentos, mas a impressão que temos é que Maureen chega a duvidar se o que viu é real, se está em sua mente, ou se realmente ela acredita, como seu irmão, no espiritismo. O filme transita entre diversos gêneros, de espíritos, fantasmas, a suspense policial. Sim, tem um assassinato, chegando mesmo a esboçar uma crítica da contemporaneidade, seja do mundo fashion ou nas crenças religiosas.
Materialismo, existência, espiritualidade, luto, gêmeos, foram os temas levantados e debatidos pelos participantes, após o filme. Não havia ninguém espírita na plateia para opinar, e a fala de uma senhora apontando a descrença em espíritos nos levou a discutir a questão dos limites entre Realidade e Imaginação. Levantou-se a ideia de que algumas pessoas, crédulas no Sobrenatural, podem buscar passagens entre esses dois mundos, onde essa busca toma contornos mais fortes, se a pessoa no momento está passando por uma necessidade, angústia ou medo. De uma forma geral, sobre o questionamento se existe vida após a morte, se isso existe mesmo, ou se é produto de nossa mente demos como resposta, que iria depender das experiências de cada um e de suas crenças.
Segundo Olivier Assayas, ao ser entrevistado em Cannes, comentou que “O paranormal funciona como elemento de ligação entre o real e a imaginação. Vivemos nos dois lados desse espelho: temos o dia a dia, mas também temos a memória daqueles que perdemos, que continuam em nós ….Lidamos diariamente com perdas de pessoas queridas e preservamos a memória delas como algo muito presente, à qual recorremos com muita frequência, sobretudo por meio de imagens, seja em fotos, em filmes. Recordar os mortos é um exercício de presentificação, uma ressurreição simbólica. No fundo, o que o cinema, não importa de qual gênero seja, faz é trazer passados de volta à vida; é ressuscitar mortos” – “No fundo, todo mundo acredita em fantasmas, mas damos a eles nomes muito diferentes”.
Abordamos as fase do luto e a dor da perda, sobre como é difícil desapegar de um ente querido que nos deixou. Falar sobre a morte é sempre um tema difícil, pois lutamos e tentamos ignorá-la, esquecendo que ela é um processo natural da vida e que todos, sem exceção, irão passar. Olivier Assayas coloca essa questão em evidência, mostrando como é difícil vencer o luto após a perda de alguém próximo, como sua personagem Maureen estava vivenciando, e a forma como isso afetou a vida dela.
Como Maureen é gêmea de seu irmão e tem o mesmo problema cardíaco, algumas lembraram fatos que os envolvem, se estes seriam mitos ou verdadeiros, se eles conseguem realmente se conectar, e se realmente desenvolvem as mesmas doenças. Esclarecemos que pesquisas apontam que pode haver uma predisposição genética para que gêmeos, principalmente os univitelinos, desenvolvam as mesmas doenças, e que normalmente, até mesmo um desenvolve de maneira mais grave que o outro, mas somente no caso de doenças genéticas. Quanto à possibilidade de poderem se conectar, depende, é possível, sim, que a conexão emocional se torne física segundo alguns pesquisadores, e que o cérebro possui a capacidade de se conectar ao outro de forma a sentir o que ele sente. A ciência, no entanto, ainda não conseguiu explicar quando ou como isso acontece.
Finalmente sobre o medo, que também foi lembrado pelo grupo, discutimos que o medo que alguém possa ter pode ser substituído pela sensação de que há uma presença fantasmagórica atrás da pessoa ou até perseguindo-a. Essa é a impressão que passa a personagem Maurenn no final, quando pergunta: “Será que sou eu?”, isso porque somos perfeitamente capazes de inventar coisas que temos dificuldade de entender.