Mujica nunca negou sua velhice, a incorporava como parte da condição humana, e acreditava no diálogo entre gerações.
No dia 13 de maio de 2025, o mundo despediu-se de José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, que faleceu aos 89 anos em sua modesta chácara nos arredores de Montevidéu. Mujica foi reconhecido mundialmente por seu estilo de vida austero, sua sabedoria humanista e seu compromisso inabalável com a justiça social. Sua trajetória de vida oferece reflexões valiosas sobre o envelhecimento, a dignidade e o significado de uma vida plena.
Sua trajetória de vida nos convida a ver a nossa velhice como etapa de potência ética e social. Ele nunca ocultou sua velhice. Muito além de sua atuação política, Mujica construiu, com palavras e ações, um modo singular de envelhecer: com simplicidade, coerência e compromisso social.
Em tempos em que o envelhecimento é frequentemente associado à perda e à retirada da vida pública, e políticos associados à corrupção, Mujica rompeu totalmente esse imaginário. Mesmo após deixar a presidência, ele foi uma das vozes mais respeitadas da América Latina, oferecendo reflexões profundas sobre o sentido da vida, o consumo, a liberdade e o tempo. Para ele, envelhecer era antes de tudo uma conquista — um percurso de resistência, marcado por experiências duras, como os anos de prisão durante a ditadura do Uruguai, mas também pela escolha de não se sujeitar às forças opressoras.
Ao envelhecer, Mujica tornou-se ainda mais símbolo de sabedoria. Falava com firmeza, mas com estabilidade; com autoridade, mas sem autoritarismo. Seus discursos abordaram o valor da solidariedade intergeracional, a urgência de uma política que respeite a dignidade das pessoas em todas as fases da vida e a importância de viver de forma simples.
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Mujica também ensinou, com seu modo de viver, que a velhice não precisa ser um tempo de isolamento ou desligamento. Mesmo após deixar a presidência, continuou ativo na política e no debate público, compartilhando suas experiências e visões sobre a vida. Em janeiro de 2025, ao anunciar publicamente que seu câncer havia se espalhado e que não se submeteria a mais tratamentos, afirmou: “A vida é um milagre e deve ser vivida com dignidade até o fim”.

Foto: print de vídeo (ver abaixo)
Essa postura reflete uma compreensão profunda do envelhecimento como uma etapa de sabedoria e contribuição contínua para a sociedade, mas também a resistência ante a indústria biofarmacêutica que prolonga vidas em sofrimento, tornando a vida indigna.
Sua visão de mundo reverbera nas discussões sobre o envelhecimento contemporâneo. Ao invés de entender a velhice como problema, Mujica a incorporava como parte da condição humana que nos convida à reflexão e compartilhava isso em encontros com jovens. Seu legado nos desafia a construir uma cultura da longevidade que valorize a escuta, o tempo lento, a presença, o cuidado e os afetos.
Ele nunca reclamou da morte, nem mesmo quando descobriu que o câncer não lhe daria mais tempo entre nós. Ao contrário, publicamente e muito serenamente, declarou: “Sou um velho que está muito perto de empreender a retirada de onde não se volta. Mas eu sou feliz porque, quando meus braços se forem, haverá milhares de braços me substituindo na luta.”
E quando o câncer o deixou mais fragilizado, assumiu sua finitude e disse: “Estou morrendo. Deixem-me tranquilo. Meu ciclo acabou. O guerreiro tem direito ao seu descanso.”
Algumas lições de Mujica
Mujica nos ensinou que o envelhecimento pode ser uma fase de plenitude e significado. Nos ensinou que é possível envelhecer com dignidade, mantendo-se ativo, engajado e fiel aos próprios valores. Sua vida é um testemunho de que a velhice não é sinônimo de inutilidade, mas sim uma oportunidade para refletir, ensinar e continuar contribuindo para o bem comum.
Nos ensinou a viver de acordo com princípios. Durante sua presidência (2010-2015), optou por permanecer em sua chácara, cultivando flores ao lado de sua esposa, Lucía Topolansky. Doava cerca de 90% de seu salário presidencial para instituições de caridade, mantendo apenas o necessário para uma vida simples. Dirigia um Fusca 1987 e rejeitou ofertas milionárias por seu carro, demonstrando que uma verdadeira riqueza reside na liberdade e na coerência entre discurso e prática.
Seu legado transcende fronteiras e gerações. Ele nos deixou um exemplo de como viver com simplicidade, coerência e compromisso com a justiça social. Sua vida é uma inspiração para todos que buscam envelhecer com propósito e dignidade. Que suas lições continuem a iluminar nossos caminhos e a fortalecer a cultura da longevidade em nossas sociedades.
Até em sua partida, ele nos deixa uma lição, sobre a morte, durante uma de suas últimas entrevistas (ao jornal El Pais): “A morte faz da vida uma aventura. O único milagre que existe no mundo para cada um de nós é ter nascido. (…) Me dediquei a mudar o mundo e não mudei porcaria nenhuma, mas estive entretido. E gerei muitos amigos e muitos aliados nessa loucura de tentar mudar o mundo para melhorá-lo. E dei um sentido à minha vida. Vou morrer feliz, não por morrer, mas por deixar uma turma que me supera com folga. Só isso.”
Hoje, neste tributo a Pepe Mujica, lembramos que envelhecer não é consequência de declínio, mas possibilidade de amadurecimento da consciência sobre nossa condição finita que somos e aprofundamento dos vínculos com a vida.
Que descanse em paz grande ser humano!
Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC
Atualizado às 13h05
