Era uma vez uma menina, uma bisavó, um bisavô, um senhor, uma senhora, casais de eternos namorados, os quase velhos, os amantes…
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
(Fanatismo, Florbela Espanca)
Era uma vez uma menina que adora se sentar ao lado da sua bisavó para ouvir as histórias do grande amor da vida dela. Tudo narrado com tanta emoção que as cenas se formam em sua cabeça cheia de sonhos. Nas paredes da sala onde conversam, quadros de flores enfeitam o ambiente e ganham ainda mais significado ao saber que aquelas rosas foram dadas a ela por ele.
O amor precisa ser imortalizado também na arte já que no coração da sua esposa e no da menina ele já está eternizado.
Foi desta maneira que a tal garota aprendeu que seu bisavô pintava o amor, muito além das flores; valores estéticos que até hoje carrega com ela.
Era uma vez uma senhora que na sua juventude gostava de pintar quadros.
Esta pintura foi feita pelo meu bis avô Cesare Marchisio. São das rosas que ele deu para minha bisavó.
Na sua velhice, diversos derrames tiraram seu sorriso do rosto o que afetou seu marido que num esforço sobre-humano soube manter a expressão dos amantes em sua face bastante sofrida.
Ela não mais falava, mas ele a entendia.
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Ela quase não mais andava, mas ele a acompanhava.
Ela já não compreendia, mas ele a incentivava a existir.
– Esta mulher é o amor da minha vida, dizia ele
Era uma vez um senhor bastante genioso e de difícil convívio, mas cuja família era o seu bem mais precioso e todos se entendiam nos desentendimentos.
Quando foi diagnosticado com Alzheimer muitos duvidaram, afinal o tratamento melhorou tanto suas oscilações comportamentais que ele, nem parece ter nada; diziam.
Por fim ele e sua esposa conseguiram viver uma fase de paz onde, apesar dos esquecimentos; medicado pode enfim controlar as angústias.
Em meio a doença o amor, por um breve tempo, viveu a calmaria tanto procurada até que a piora se fez inevitável e a névoa da patologia modificou seu olhar que refletia a ausência.
Como foi sofrido vê-lo se perder da sua própria existência. Sua esposa parecia morrer de tristeza até que chegou o momento de levá-lo para morar num residencial para idosos.
Era uma vez uma senhora que precisou aprender a viver sem a presença do amor fisicamente ao seu lado.
A casa perece ter ficado tão triste sem ele, diz ela.
Não ver graça na vida passou a ser sensação corriqueira e todos ficaram preocupados com a tal senhora que semanalmente visita seu marido no lar de idosos.
Às vezes ele a reconhece, outras não, mas a esposa sabe que algo acontece com o amor que se faz presente até mesmo na ausência.
Quem eu sou talvez ele não saiba, mas tenho certeza de que meu marido sabe que nós nos amamos, diz a pequena senhora.
Era uma vez um casal de quase velhos que continuam a desejar a vida a dois.
Com suas diferenças seguem rumo a velhice que logo, logo, está para chegar.
Ele acorda muito cedo, senta-se na cama, estala os dedos acordando a esposa, justo ela que prefere dormir um pouco mais e que não abre mão de se espreguiçar longamente. Compartilham a vida e o amor que nasceu já faz muito tempo, aliás já perderam a conta. Dividem a coberta, os passeios, as tristezas e alegrias, mas por favor não queira que eu divida o sorvete, ela diz com convicção.
Eles não sabem o que a vida lhes reserva, mas apostam que a intensidade do amor vencerá qualquer obstáculo que possa aparecer.
Era uma vez um artista belga chamado Magritte que fez parte do movimento surrealista da Europa.
Em sua obra chamada “Os Amantes” o pintor retrata um beijo de amor entre um casal que tem os rostos cobertos com um tecido que impede o contato total.
Muitas explicações tentam interpretar a cena, mas Magritte nunca revelou o que se passava na sua mente ao pintar o quadro.
Será que existe barreira entre os amantes?
Era uma vez uma menina, uma bisavó, um bisavô, um senhor, uma senhora, casais de eternos namorados, os quase velhos e o amor que rompe obstáculos, perpetua na existência enquanto escreve histórias românticas, dramas, aventuras e poesias que comprovam que existe um sentimento que, quando fincado no peito nos liberta de qualquer contratempo.
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…” (Fanatismo, Florbela Espanca)