O uso e abuso de álcool e outras drogas na população idosa

O uso e abuso de álcool e outras drogas na população idosa

A dependência química é uma doença que acomete o mundo todo, um dos maiores problemas de saúde pública. Os idosos usam e abusam de álcool e outras drogas. Por isso, os profissionais que atuam na área do envelhecimento precisam estar atentos para a problemática que os envolve.

Ronaldo Chaves da Silva (*)

 

Estudar o fenômeno da dependência química é extremamente relevante, uma vez que tal dependência ocasiona transformações nas relações dos idosos, sejam nas relações estabelecidas no trabalho, na família, com os amigos, vizinhos e outras. Essas transformações provocadas pela doença resultam em problemas no trabalho, brigas familiares e perda de amigos. Além disso, a situação de ser dependente químico gera discriminação, devido ao não entendimento por parte das pessoas dos fatores que levam à dependência. É importante lembrar que o idoso poderá sofrer uma dupla exclusão.

Primeiro devido ao fato de ser visto por muitas pessoas como incapaz de desenvolver suas atividades e, também, devido a sua condição de drogadicção. Por isso, é cada vez mais relevante a realização de pesquisas que venham a desvendar as formas de exclusão a que estão sujeitos os idosos dependentes de drogas. Essa realidade desafia cada vez mais os profissionais da área da saúde e assistência social a investigar as situações que levam as pessoas à dependência e a repercussão do uso de drogas nas relações estabelecidas pelos dependentes, visando assim qualificar ainda mais sua ação e proporcionar um atendimento mais adequado.

A dependência química na população idosa

A dependência química, além de ter como critério o consumo excessivo de substâncias ilícitas ou lícitas, existem outros critérios que, conforme Neustädter (2001) são: a síndrome de abstinência; a substância é consumida frequentemente em maiores quantidades ou por um período mais longo que o pretendido; há um desejo persistente ou esforços mal sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância; se gasta muito tempo em atividades necessárias para a obtenção da substância ou na recuperação de seus efeitos; atividades ocupacionais ou de lazer importantes são reduzidas e até mesmo abandonadas em decorrência do uso da substância.

Os fatores que podem contribuir para o desenvolvimento da dependência de drogas, tanto de homens como de mulheres são múltiplos, e podem ser de origem biológica, psicológica, econômica e sociocultural. O fator biológico está relacionado à existência de histórico de dependência na família. Em uma matéria da Revista Superinteressante (2000, pp. 30-36), dados de uma pesquisa realizada nos Estados Unidos mostram que filhos de pais alcoolistas têm maiores chances de tornarem-se alcoolistas, bem como maior resistência ao álcool, tolerando mais do que pessoas que não possuem pais com problema do alcoolismo.

O fator psicológico diz respeito aos sentimentos de tristeza, angústia e desinteresse pela vida que podem surgir com a perda de um familiar. Nessa situação, a pessoa pode vir a buscar na droga o refúgio para esquecer o momento difícil. Quando se fala do fator econômico este se refere às dificuldades econômicas vividas pelo sujeito que pode levá-lo ao uso de álcool e drogas e até mesmo a dependência. Essas dificuldades econômicas podem ser originárias da perda do emprego e neste caso “não tendo mais nenhuma esperança de sair dessa situação, essas pessoas têm o sentimento de que são inúteis à sociedade. Perderam o sentido de suas vidas. Procuram então, com frequência, na bebida e nas drogas, a compensação para seus males […]” (PAUGAM, 1999, p. 51).

Neste sentido, a dependência química aparece como uma forma de resistência a esta expressão de desigualdade, pois é a maneira que encontram para expressar a revolta com a ruptura desse vínculo social, que é o vínculo com o mercado de trabalho. O fator sociocultural também pode ser um condicionante, uma vez que, culturas, assim como a existente na Irlanda, encorajam e aceitam o uso do álcool. Não é preciso ir muito longe, aqui mesmo no Brasil o consumo de álcool é frequentemente associado a eventos esportivos e a festividades.

A situação de dependência química dentro de uma família gera um grande desgaste, portanto, torna-se, também, uma doença de todo o grupo familiar. De acordo com Ramos e Pires (1997, p. 210), “alcoolizações com consequente distúrbio de conduta são capazes de gerar inúmeros sentimentos numa família, tais como ansiedade, vergonha, raiva, etc.” Neste caso, as alcoolizações frequentes podem levar a família ao isolamento social, bem como às brigas e aos ressentimentos.

O isolamento social da família trata-se de uma das fases vivenciadas no processo do alcoolismo. Para pontuar tais fases cita-se Edwards; Marshall; Cook (1999, pp. 60-61) que fazem referência às reações da família em um processo que pode culminar com o esfacelamento da mesma. A primeira reação consiste na dificuldade de admitir que o uso de drogas e ou álcool seja realmente um problema, e depois surgem as primeiras tentativas de controlar ou prevenir o uso de entorpecentes. Então, a família começa a isolar-se socialmente recusando os convites para festas, passeios e outros.

As pessoas não são encorajadas a fazer visitas, os parentes não são visitados. Mais tarde o familiar pode iniciar uma fase a qual começa a perceber que suas estratégias não estão funcionando, que as coisas só estão piorando em vez de melhorar, instalando-se assim um sentimento de desesperança. Tratando-se de um casal o contato sexual pode diminuir ou cessar, surgindo um sentimento geral e continuado de distanciamento, medo ou raiva. Nesta fase, ou até mesmo antes, o cônjuge pode começar a sentir a necessidade de fazer alguma coisa para mudar a situação e, então, tenta convencer o dependente a procurar ajuda. Se não houver nenhuma melhora pode haver a ruptura das relações.

Para o profissional o afastamento da família do dependente químico durante o processo de tratamento pode ser prejudicial para a recuperação e não se discorda disso. Então, o que o profissional precisa fazer em sua intervenção é trazer a família para a luta diária da recuperação, mostrando que todo o grupo familiar necessita de tratamento, porque não adianta tratar somente o dependente químico, sem envolver os familiares que viveram num contexto de desgaste, de isolamento social e de violência. Por isso, em sua intervenção com o grupo familiar é importante promover reflexões sobre a dinâmica dos vínculos familiares, sobre a violência que se reproduz dentro da família e sobre a violência social (GUIMARÃES; ALMEIDA, 2005, p. 133).

Além disso, o profissional precisa buscar constantemente o aprimoramento intelectual, com vistas a intervir na situação vivida pelas famílias. E, também, democratizar a informação quanto aos serviços e aos direitos que são assegurados pela assistência social, saúde e previdência social tanto às famílias, quanto aos dependentes químicos, visando com isto promover o pleno exercício da cidadania.

No caso de uma família que possui um idoso dependente, em alguns casos os familiares podem abrir mão do trabalho para se dedicar ao cuidado do idoso. Moragas (1997) ao comentar sobre a questão da tomada de decisões referente à saúde do idoso no contexto familiar acentua que, quando o idoso possui debilidades, impossibilidades para procura de recursos de saúde, a família assume esse papel e normalmente a pessoa-chave da família que se torna a responsável, principalmente na tomada de decisões, é a filha ou a nora do idoso. Mas, o suporte familiar não se restringe somente ao cuidado e atenção aos idosos, pois, esse suporte pode ser oferecido através da forma econômica, ou seja, do apoio financeiro de um ou vários filhos ou ainda, através da moradia periódica ou permanente no domicílio do filho (MORAGAS, 1997). Esse apoio pode ocorrer também, por meio do afeto em tantos momentos de dificuldade.

Esse suporte em alguns casos não é fácil, visto que demanda uma estrutura da família que muitas vezes não se tem, tendo em vista que na atualidade a forma de organização das famílias baseia-se na busca constante pela sobrevivência através do trabalho diário. O que acaba reduzindo os encontros familiares.

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Qualidade de vida afetada

Um idoso dependente de álcool e outras drogas tem sua qualidade de vida afetada, pois o dependente químico sofre a repercussão da dependência em suas relações sociais (de trabalho, de amizade, de vizinhança, de família entre outras). Mas além das relações, a sua saúde também é afetada, assim como a alimentação, pois muitas vezes esta é substituída pelas drogas. Muitas dessas situações, que afetam a qualidade de vida dos idosos, podem ser consideradas também como dificuldades vividas no cotidiano do dependente químico, e mais especificamente dos idosos dependentes do álcool e outras drogas. Cotidiano que para Guimarães (2000, p. 27) “é o dia-a-dia das pessoas: as vivências, as experiências, as atitudes mecanizadas ou refletidas, os desejos […]”.

É na vida cotidiana que se desenvolve a história de cada um, com seus aspectos positivos e negativos. Esta história não é construída somente de fatos da vida individual de cada homem, mas, também, de fatos de relações estabelecidas com outros homens. Estabelecendo uma relação com o cotidiano de pessoas dependentes de álcool e drogas, é na vida cotidiana que os idosos irão viver as suas experiências, suas vivências, suas atitudes, suas rotinas, seus hábitos enquanto dependentes e também irão participar na “vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade” (HELLER, 1970, p. 17).

Programas

No que se refere aos programas existentes para o atendimento aos dependentes do álcool e de outras drogas, o Ministério da Saúde instituiu através do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas que está em consonância com a Lei 10.216 de 09 de abril de 2001, que constitui o marco legal da Reforma Psiquiátrica. A Reforma Psiquiátrica, por sua vez, “fundamenta-se nos princípios do SUS, buscando a implantação da rede de serviços de atendimento psicossocial com o objetivo de desinstitucionalização psiquiátrica” (NUNES; MACHADO; BELLINI, 2004, p. 229).   É, por isso, que de acordo com as diretrizes do Programa Nacional de Atenção Comunitária Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, a assistência a usuários de álcool deve privilegiar os cuidados em dispositivos extra-hospitalares, sendo realizado por Centros de Atenção Psicossocial – CAPs, que existem em todo território nacional.

De acordo com o Ministério da Saúde (2004), o objetivo de um Centro de Atenção Psicossocial – CAPs é prestar atendimento à população através de atividades terapêuticas e preventivas, de modo a: 1) Oferecer cuidados aos familiares dos usuários dos serviços; 2) Fornecer atendimento aos usuários dos serviços dentro da lógica de redução de danos; e 3) Promover através de diversas ações a reinserção social dos usuários dos serviços.

Essas ações voltam-se para o trabalho, cultura, lazer, esclarecimento e educação à população, e para promovê-las, contam-se com setores da educação, esporte, cultura e lazer. Para o Ministério da Saúde (2004) a rede de suporte social tem um importante papel no processo de redução de danos. Pois, acredita que a rede de profissionais, de familiares, de organizações governamentais e não-governamentais em constante interação tem a possibilidade de prevenir, tratar e criar alternativas de controle ao uso da substância psicoativa, sem interromper o seu uso. Isto porque, a proposta da abordagem que tem como objetivo a redução de danos, é traçar estratégias que não se voltem para a abstinência, mas para a defesa da vida e minimização do dano.

Referências

CEBRID. Centro Brasileiro sobre Drogas Psicotrópicas. Disponível em: <http.cebrid.epm.br/folhetos/alcool-htm>. Acesso em 06 dez. 2005.

GIGLIOTTI, Analice et al. Síndrome de dependência do álcool: critérios diagnósticos. Revista Brasileira de Psiquiatria. São Paulo, maio. 2004. Disponível em: <https://scielo.br/scielo.php>. Acesso em: 15 fev. 2007.

MENDIONDO, Marisa Zazzetta de; BULLA, Leonia Capaverde. Idoso, vida cotidiana e participação social. In: TERRA, Newton Luiz; DORNELLES, Beatriz (Orgs.). Envelhecimento Bem-Sucedido. 2. ed. Porto Alegre

MICHEL, Oswaldo da Rocha. Alcoolismo e Drogas de Abuso: Problemas Ocupacionais e Sociais – A Realidade do Trabalhador Brasileiro. Rio de Janeiro: REVINTER Ltda, 2000.e: EDIPUCRS, 2003. p. 271 – 282.

 

(*) Ronaldo Chaves da Silva – Psicólogo. Trabalho de psicoterapia individual. psicoterapia grupal, orientação familiar, avaliação psicológica em populações com problemas de álcool e drogas. Texto apresentado no curso Fragilidade na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento ofertado pela PUC-SP no segundo semestre de 2017. E-mail: [email protected]

 

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