O Tempo como Moeda: A Poupança Investida no Outro, Beneficia Você

Quanto mais leio e navego pela web, mais me surpreendo e neste caso, positivamente. Já dizia um velho, querido, mas não tão velho professor que tive em tenra meninice: A criatividade é o mais nobre dos diamantes; nos desperta pelo brilho, nos alerta pelo valor e nos encanta pelas suas múltiplas facetas.

Luciana Helena Mussi

 

o-tempo-como-moeda-fotoUm início poético para introduzir o primeiro “Banco do Tempo” em St. Gallen, cidade localizada a nordeste da Suíça próxima à fronteira com a Alemanha, com uma população oficial de 72.522 habitantes. Bem, e o que seria esta espécie de “reservatório” do tempo? Nele o poupador deposita horas trabalhadas ao ajudar idosos ou pessoas necessitadas no seu dia-a-dia. A fortuna virtual pode ser posteriormente descontada para comprar para si a própria ajuda.

Como não paramos de pensar e conectar ideias, algo que lembra (guardadas as devidas diferenças) deste imenso “Banco do Tempo” é o filme futurista “O Preço do Amanhã” (In Time). Nele, a sociedade descobriu como controlar o gene do envelhecimento e o tempo se torna moeda de troca, impressa num contador digital no antebraço. Os ricos viram praticamente imortais e os pobres lutam para ter mais tempo de vida. É o tempo como moeda, a poupança da vida.

O melhor de tudo isso é que ideias simples, normalmente são as mais geniais justamente porque exploram a criatividade, um tipo de pensar diferente, não centrado em si, mas voltado para o mundo. Este projeto pode ajudar o governo a reduzir os custos sociais frente ao desafio demográfico e promover a solidariedade entre a população.

E solidariedade parece ser uma palavra há muito esquecida. Vivemos relações de interesse, é o chamado “toma lá, dá cá”. Gentilezas, palavras carinhosas, generosidade, nem pensar. Por que as coisas boas se perdem na corrente dos interesses?

O momento é de atenção, a bomba-relógio demográfica é um desafio premente. A Europa tem um cenário longevo preocupante. Se em 1960 apenas um em dez habitantes da Suíça tinha mais de 65 anos, cinco décadas depois a proporção é de um para seis. O sistema previdenciário sofre com o desenvolvimento: segundo o Departamento Federal de Estatísticas, atualmente quatro pessoas ativas financiam a aposentadoria de um aposentado; dentro de quarenta anos, essa proporção cai para duas por aposentado.

Não se pode esquecer, conforme menciona a reportagem, que a população crescente de idosos, especialmente os que necessitam de ajuda, é um grande problema para as autoridades locais. Como financiar hospitais, asilos e cuidados a domicílio frente à perspectiva de receitas limitadas? Katja Meierhans, funcionária da prefeitura, declarou à imprensa internacional que “Precisamos trazer o vilarejo para a cidade e voltar aos tempos em que as pessoas se ocupavam mais dos seus próximos, sejam familiares, amigos ou vizinhos”.

O projeto “Previdência do Tempo”, desenvolvido por especialistas do Departamento Federal de Previdência Social (OFAS), pode ser uma saída inteligente. Nele, recém-aposentados dispondo de boa saúde e disponibilidade ajudam idosos necessitados. Cada hora trabalhada é “depositada” em uma conta pessoal, que pode ser mais tarde “descontada” para pagar as horas de trabalho de outro voluntário quando eles também passarem a necessitar de auxílio na velhice.

Com isso pensa-se além, planeja-se uma vida aliada às necessidades e carências do outro. Como uma poupança onde a moeda é a generosidade e atenção. Ludwig Gärtner, vice-diretor do OFAS explica o efeito de um novo contexto social no país: “Não observamos uma redução da solidariedade na Suíça. Mas devido à mobilidade crescente e às novas estruturas familiares, as redes de laços familiares não são mais resistentes como no passado. Por isso é importante incentivar a ajuda fora do contexto da família”.

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Meierhans explica que o novo projeto não pretende criar uma concorrência aos serviços tradicionais de apoio à terceira idade como asilos ou serviços ambulantes: “A carência maior dos idosos é de ajuda no cotidiano, seja nas compras, solução de problemas, administração ou limpeza”. Ele acrescenta que o principal objetivo é permitir que o idoso possa viver mais tempo de forma independente na própria casa. “Afinal, uma vaga em um asilo custa muito mais caro para o sistema social e é menos satisfatório para o idoso”.

Segundo a reportagem do Correio do Brasil, o público potencial de voluntários e beneficiários já está definido: em St. Gallen vivem 12 mil pessoas com mais de 65 anos de idade. O sucesso do programa depende do nível de participação. Os iniciadores esperam que 300 pessoas se animem a participar do programa, ajudando idosos na base de duas a três horas por semana durante um período de 42 semanas. Isso totalizaria 25 mil horas de trabalho.

Meierhans diz que “Se essa base for alcançada já estaríamos muito satisfeitos”. E para que ninguém exagere, o limite máximo de trabalho acumulado foi limitado a 750 horas por voluntário.

O projeto não tem custo zero. Para financiar a criação da plataforma internet que irá permitir que os voluntários encontrem os idosos carentes de ajuda, além de cobrir outros custos fixos como apoio administrativo e cursos, as autoridades de St. Gallen propuseram criar uma fundação, cujo orçamento será de 150 mil francos por ano. O dinheiro também vai servir de garantia, pois se a Previdência do Tempo fracassa, os voluntários com horas acumuladas no “banco” precisam ser ressarcidos com ajuda paga.

Dando um sentido à vida

Questionado se o projeto tem chances de sucesso, o diretor da Pro Senectute, a maior organização profissional de apoio ao idoso na Suíça, se mostra otimista. “Cada vez mais aposentados acham que não vale a pena gastar o tempo não só consigo próprio, mas fazendo alguma coisa que dê sentido à vida. São pessoas com uma boa situação financeira, mas que procuram ser ativos. Não é apenas altruísmo, mas sim a procura da felicidade ajudando outras pessoas.”

Katja Meierhans afirma que com a “Previdência do Tempo” pode-se resolver outro problema social: “Ela também é uma forma de combater a solidão, aproximando as pessoas e reforçando a solidariedade entre elas”.

Uma valorização à importância das redes sociais. Meierhans tem esperança que os voluntários tragam à cidade alguns dos costumes que ainda vive no vilarejo rural vizinho à St. Gallen, onde ela nasceu e vive até hoje. “É o hábito de passar e perguntar ao vizinho como ele vai de saúde e, quem sabe, até dar uma mãozinha quando ele precisar de ajuda”.

Referências

THOELE, A. (2012). Economizando horas para uma velhice tranquila. Disponível Aqui. Acesso em 06/03/2012.

PORTAL DO ENVELHECIMENTO (2011). O preço do amanhã: o preço do tempo? Disponível Aqui. Acesso em 06/03/2012.

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