A aposentadoria para as pessoas trans deveria ter início antes dos 60 anos.
Por Jaqueline Galdino (*)
Um dos fatores que contribui em demasia para a vulnerabilização de pessoas trans e travestis no Brasil recai sobre o Regime Previdenciário. Sendo a informalidade laboral, a discriminação social e os altos índices de mortalidade realidades há muito conhecidas pelo público trans, acresça-se, ainda, um forte impasse dessa população em atender aos requisitos estabelecidos pela legislação.
Embora o Regime da Previdência Social não proíba que aqueles/as que exerçam a prostituição de forma autônoma possam se filiar e contribuir para, então, acessar benefícios como aposentadoria, auxílio-doença e salário-maternidade, a natureza informal do trabalho, somado às condições socioeconômicas adversas tem feito de um processo que, para a maioria da população cisgênero (condição cuja identidade de gênero equivale ao sexo que lhe foi atribuído no nascimento) é, em alguma medida, “simples e trivial”, ser demasiadamente penoso e desafiador para quem se identifica como trans, a começar pelo “direito a envelhecer” haja vista que pessoas trans e travestis sequer alcançam os 40 anos de idade.
CONFIRA TAMBÉM:
De acordo com a resolução n° 39/125 da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1982, em países com alto índice de desenvolvimento humano, são idosos/as aqueles a partir dos 65 anos de idade, sendo 60 anos ou mais a idade considerada para os países em desenvolvimento (ONU, 1982). Todavia, destoante a esse entendimento estão alguns estudos produzidos sobre a população LGBT+ que consideram que a velhice para as pessoas trans, devido a todos os impedimentos que enfrentam no decorrer da vida, assim como, pela baixa expectativa etária, deveria ter início antes dos 60 anos.
No âmbito dos avanços legais no Brasil, o decreto n° 8.727/2016 estipulou diretrizes em relação ao uso do nome social, bem como, ao reconhecimento da identidade de gênero de indivíduos trans no âmbito da Administração Pública Federal. Todavia, em termos previdenciários propriamente ditos, até os dias de hoje, não houve qualquer menção no arcabouço normativo que atendesse a população trans (Lima; Cardoso, 2022).
As reflexões aqui reunidas são uma pequena parte de um conjunto mais amplo de análises sobre o envelhecimento de pessoas transgêneras e os efeitos gerados pela permanência infatigável das instituições em adotar critérios binários de gênero (homem e mulher) nas áreas de Seguridade Social e, mais especificamente, no (cis)tema previdenciário.
A escolha dessa área de atuação governamental justifica-se, dentre outras razões, não só pelo incipiente debate jurídico brasileiro em torno da garantia de direitos previdenciários para trabalhadores/as idosos/as trans do setor informal, mas também e, sobretudo, para conferir-lhes visibilidade, dentro e fora da comunidade LGBT+.
Consubstanciado nas agendas de pesquisa propostas por Alves (2010) e Mello et al., (2013), assim como, pelo incômodo pessoal ao assistir às constantes e ininterruptas matérias jornalísticas acerca dos casos de violência perpetrados contra as pessoas trans, essa escolha também se transformou em motivação pessoal para tentar encontrar possibilidades de solução para esse problema.
Dito em outras palavras, se a aposentadoria para as pessoas cisheteronormativas nada mais é do que um desdobramento “natural” da vida, para o público trans idoso permanece sendo a exceção. Em face do panorama de extrema desigualdade que permeia a comunidade LGBT+, os dizeres de Angela Davis ao afirmar que “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, remonta de igual forma o contexto brasileiro referente ao público idoso transgênero, pois não basta não ser etarista, é preciso ser antietarista; não basta não ser homotransfóbico, é preciso ser antihomotransfóbico. Desse modo, torna-se imperativo refletir e adaptar as condições e os critérios necessários para a concessão dos benefícios previdenciários à guisa de resguardar os direitos sociais dessa população há muito marginalizada pelo Estado brasileiro.
Nota
O presente texto faz parte de investigação apoiada pelo Edital Acadêmico de Pesquisa Envelhecer com Futuro, promovido pelo Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento. Resultados dessa pesquisa serão apresentados no I Congresso Internacional Envelhecer com Futuro (saiba mais abaixo).
Referências
AUGUSTO RIBEIRO, J. K..; ALMEIDA, G. De quem é o corpo que compõe a força de trabalho? Reflexões sobre trabalhadoras/es trans no contexto da covid-19. Revista trabalho necessário, v. 19, n. 38, p. 152-175, 16 jun. 2024.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292p.
BRASIL. Decreto-lei n°8.727, de 28 de abril de 2016. Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
LIMA, M. S. F. de; CARDOSO, F. da S. Gênero, binaridade e previdência social: reflexões sobre os paradigmas de aposentadoria para a população trans no Brasil. Cadernos de Gênero e Diversidade, [S. l.], v. 8, n. 3, p. 72–108, 2022.
MELLO, Luiz. et al. Políticas Públicas de trabalho, assistência social e previdência social para a população LGBT no Brasil: Sobre desejos, realizações e impasses. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 44, n. 1, p. 132-160, jan/jun. 2013.
(*) Jaqueline Galdino. Mestranda em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC/SP. Pós-Graduanda em Políticas Públicas pela Escola Superior de Gestão e Contas Públicas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM). Graduada em direito pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec/SP)
Serviço
I CONGRESSO INTERNACIONAL ENVELHECER COM FUTURO
Dias: 30 de setembro e 01 de outubro de 2024
Horário: das 9 às 16 horas
Valores: O evento é gratuito.
Público: Estudantes (graduação e pós-graduação), pesquisadores, professores, profissionais do setor público e privado, de diversas áreas e setores, que atuam com o envelhecimento, organizações da sociedade civil, empresas privadas, órgãos públicos, pessoas de diversas gerações que se interessem pelo futuro do nosso envelhecer.
Certificado: Será emitido certificado de participação para todos que estiverem presentes e devidamente inscritos.
Local: O Congresso Internacional será realizado dentro da VI Longevidade Expo+Fórum, no Distrito Anhembi, em São Paulo: Av. Olavo Fontoura, 1209 – Santana, São Paulo, SP.
Foto de Katie Rainbow/pexels.