O que é que se deseja para o próprio fim?

O que é que se deseja para o próprio fim?

Por total ausência de conhecimento sobre a possibilidade de se discutir e de se decidir sobre o próprio fim, muitas vezes deixa-se de conversar e de falar a respeito, ainda que saibamos que morrer é a única certeza que temos na vida.

Ao menos uma vez ao longo da vida, ouvimos ou dissemos que “a morte é a única certeza que temos na vida”.

Ainda assim, uma das tarefas mais difíceis é falar sobre o assunto, discutir sobre as questões que são relacionadas à morte e principalmente, na grande maioria dos casos, pensar sobre como é que se deseja o próprio fim.

Falar abertamente sobre o assunto é ainda um grande tabu. Questões religiosas, familiares, ausência de conhecimento, dentre tantas outras, explicam o porquê ainda é tão complexo pensar e decidir sobre a própria finitude.

É como se falar sobre a morte trouxesse grande mau agouro, como se alguma entidade superior viesse castigar aquele que fala sobre isso, levando a vida daquele que resolveu enfrentar o próprio fim.

Respeitadas as crenças e as religiosidades, fato é que o ser humano é um ser mortal, sendo impossível separar a vida da morte, já que uma está absolutamente ligada à outra.

Mas, ainda assim, não é possível, na grande maioria das vezes, levantar estas questões nos encontros familiares dos almoços de domingo. Poderá surgir alguém dizendo que aquele que fala da própria morte e que pensa no próprio fim não está muito bem, que está em depressão e que é bom alguém mais próximo ficar mais ligado a ele, que seria bom uma visita ao médico para saber se alguma medicação precisa ser acertada etc., etc., etc.

Por total ausência de conhecimento sobre a possibilidade de se discutir e de se decidir sobre o próprio fim, muitas vezes deixa-se de conversar e de falar a respeito, ainda que saibamos, desde o dia em que nascemos que morrer é a única certeza que temos na vida.

Mas, ainda assim, é preciso saber que sim, é possível escolher como é que se deseja o próprio fim, mas para isso é imprescindível que antes de tudo, se pense nele.

Tudo bem que isso não será possível nas situações advindas de fatalidades, como em acidentes de veículos, aviões, barcos ou qualquer outro meio de transporte, por exemplo, ou quando ocorrem catástrofes naturais como tsunamis, terremotos, ou ainda nos casos a que competiam aos mortais uma devida cautela para evitar o rompimento de suas barragens, a queda de suas pontes ou o atendimento digno em suas unidades de saúde, já que todas elas acabam ceifando as vidas de muitas pessoas sem que elas tivessem até o momento de suas mortes, parado para refletir sobre o próprio fim.

Mas, em alguns casos, ainda que vidas tenham sido ceifadas cedo demais em situações catastróficas como as citadas, não se exclui a possibilidade de que algumas daquelas pessoas tenham tido um histórico familiar de câncer ou de doenças degenerativas, dentre outros casos, que lhes possibilitaram ver e viver com pessoas próximas que ficaram por anos deitadas sobre leitos de casas ou de hospitais, sendo diariamente vitimadas pelas doenças que consumia seus corpos e, simultaneamente, por agulhas, tubos e equipamentos hospitalares que por mais de uma vez os fez refletir sobre que vida era aquela que estava ali, à sua frente.

Ninguém está isento destas situações. Seja com um parente próximo, com um amigo ou um conhecido. E por esta razão, igualmente, independentemente de todos igualmente estarmos sujeitos a catástrofes, todos nos deparamos diuturnamente com reflexões sobre o próprio fim, ainda que seja depois de assistir a um filme ou a uma peça de teatro que aborde, ainda que indiretamente, a temática em questão.

Decidir sobre o próprio fim em pleno século XXI não é ficção científica e nem violação jurídica, neste último caso desde que respeitadas as normas legais do país em que se faz isso.

No Brasil, se uma pessoa tiver 18 anos ou mais, estando em plena capacidade de suas funções e desejando efetivar o que deseja para o próprio fim, existe a possibilidade de concretizar suas vontades pelas chamadas Diretivas Antecipadas de Vontade.

Desejos para o próprio fim

As Diretivas Antecipadas de Vontade surgiram nos Estados Unidos nos anos 60 e servem, resumidamente, para ajudar a guiar os cuidados médicos em caso de doenças terminais ou de danos irreversíveis, ou seja, como uma direção para os cuidados de fim de vida.

Não há uma legislação nacional brasileira que as discipline. Por isso os desejos para o próprio fim em situações de fim de vida são regulamentados pela Resolução n.º 1.995/2012, expedida pelo Conselho Federal de Medicina.

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Há uma grande discussão e por vezes confusão quanto à nomenclatura que recebem, já que as Diretivas Antecipadas de Vontade são subdivididas em Testamento Vital e em Mandato Duradouro.

Basicamente a diferença entre eles é que no Testamento Vital a pessoa, maior e capaz, manifesta seus desejos com relação ao que quer e ao que não quer quando estiver incapacitada de dizer por si, de forma autônoma, quanto ao que quer receber ou não como cuidados, e no Mandato Duradouro, pessoas igualmente capazes, delegam a um terceiro esta escolha.

Algumas situações levarão à necessidade prévia de se ter um respaldo técnico sobre a possibilidade de se poder fazer uma Diretiva Antecipada, como nos casos de diagnósticos de Alzheimer, por exemplo.

Neste caso exemplificado, há quem entenda que, ainda que a pessoa seja maior e capaz, o diagnóstico da doença tira daquele que foi diagnosticado a possibilidade de elaborar uma Diretiva. Todavia, entendemos que tudo dependerá de uma resposta médica sobre as condições clínicas que esta pessoa apresentar no momento em que pretende elaborá-las.

No Brasil, pela ausência de legislação, recomenda-se que as Diretivas sejam elaboradas em Cartórios de Notas, considerando a fé pública dos tabeliães, por exemplo, mas isso não é uma regra, já que na medida em que uma intervenção médica se fizer necessária, o paciente deve, desde que não se trate de uma situação emergencial e estando apto e capaz, dar sua anuência para a realização do que se fizer necessário.

Igualmente, por não existir lei a respeito, não há necessidade de testemunha para elaboração de uma Diretiva Antecipada quando pretender-se realizá-la em cartório.

A ciência daquele que é nomeado procurador em saúde por parte de quem o nomeou é de incontestável grande importância, já que o procurador não poderá agir se não souber da existência do documento.

Quando se fala do próprio fim, numa situação de total irreversibilidade e fim de vida, e se pensa nela, há pessoas que desejam para si tudo que estiver disponível e há aquelas que desejam o mínimo possível, por isso alguns entendimentos são importantes.

Ao se elaborar uma Diretiva Antecipada, alguns desejos no caso de serem efetivados no Brasil, poderão ou não se realizar, já que alguns configuram crime.

No caso de pessoas que desejem que alguém lhes dê o que entendem como uma boa morte por não aguentarem mais o sofrimento que vivem, pedindo que desliguem aparelhos, por exemplo, estará configurada a prática de Eutanásia, proibida no Brasil, redundando, em síntese, em um crime de homicídio praticado por aquele que atender a esta vontade. Por esta razão, não há como se fazer esta escolha.

Igualmente, a ajuda de um terceiro para que possa tirar a própria vida, pensando-se, por exemplo, numa situação em que este terceiro prepare uma medicação mortal para que aquele que pede sua ajuda aplique em si próprio e termine com o sofrimento e a dor de viver em determinada situação, é uma prática igualmente vetada.

Esta situação configura o chamado Suicídio Assistido, que não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro, ressaltando-se que aquele que auxilia outrem a tirar a própria vida responde pelo crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.

Ao elaborar uma Diretiva Antecipada, aquele que é maior e capaz precisa escolher o que quer e o que não quer para si quando estiver impossibilitado de fazê-lo, como já dissemos. Em síntese, esta escolha se resume em fazer uso de tudo que estiver disponível ou dispensar coisas que, perante seu quadro irreversível em saúde, não mostrem muita efetividade na amenização do sofrimento sentido.

É importante saber que, se optar pela primeira hipótese, a escolha de tudo que estiver disponível pode levar à prática de uma conduta denominada Distanásia, vetada pelo Código de Ética Médica, já que a escolha pelo que não tiver comprovação eficiente pode prolongar a dor e o sofrimento de maneira desnecessária daquele que tem como certo apenas e tão somente o próprio fim.

Se optar por fazer uso apenas do que lhe amenizar o sofrimento em casos de fim de vida, como pela administração de morfina para não sentir dor, esta pessoa estará escolhendo o caminho da chamada Ortotanásia, medida que, em suma, levará ao processo natural da vida, ou seja, trará como consequência, a morte daquele que por ela escolheu.

A prática do que se escolhe é apenas e tão somente o reflexo da autonomia de quem as fez, e isso precisa ser ponderado e considerado por todas as pessoas que são próximas, familiares e amigos, bem como pelos profissionais que atuam nestas situações.

Pode-se sempre imaginar a dor do outro, supor os motivos das razões de suas escolhas, mas jamais, qualquer ser humano, poderá, efetivamente, dimensionar o que o outro sente e entender de forma absolutamente indiscutível e imparcial o porquê se escolheu uma coisa ou outra na vida, inclusive nas escolhas para o próprio fim.

Somos únicos desde o momento de nossa concepção enquanto fetos, nos ventres de nossas mães. Ao nascermos com vida e nos desenvolvermos -ou envelhecermos, porque sim, se nos desenvolvemos é porque envelhecemos-, adquirimos e vivemos experiências únicas, que faz de cada um de nós, pessoas únicas, em nossos aspectos biológicos, psicológicos e sociais.

Por esta razão, quando paramos para refletir sobre nosso fim, são estes os aspectos que nortearão nossas escolhas, e tê-las respeitadas por aqueles que nos são próximos é ter garantido o respeito à nossa vida, à nossa história e inegavelmente, à dignidade de nossa morte, tornando tão importante o ato de pensar como é que desejamos o nosso próprio fim, já que a morte é a única certeza que temos na vida.


Workshop 

Existe uma grande dificuldade de enfrentamento sobre algo que é inegável: a finitude humana.

Para pensar a respeito desse tema, realizaremos um workshop sobre Diretivas Antecipadas de Vontade, no qual falaremos sobre a possibilidade de escolha do paciente diante de um mal em saúde que o acomete, buscando fazer valer suas vontades quando não puder expressar seus desejos em termos de tratamento e de caminhos a seguir.

Terça-feira: 02/06/2020
Horário: 19h às 21h
Local: Online (Microsoft Teams ou Google Meet)
Maiores informações: [email protected]
Inscrições em: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/diretivas/
workshop diretivas

Natalia Carolina Verdi

Advogada, Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, Especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Professora, Palestrante, Autora, Presidente da Comissão de Direito do Idoso para o ano de 2022, junto à OAB/SP – Subseção Penha de França. Instagram: @nataliaverdi.advogada www.nataliaverdiadvogada.com.br E-mail: [email protected]

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Advogada, Mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, Especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, Professora, Palestrante, Autora, Presidente da Comissão de Direito do Idoso para o ano de 2022, junto à OAB/SP – Subseção Penha de França. Instagram: @nataliaverdi.advogada www.nataliaverdiadvogada.com.br E-mail: [email protected]

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