Muitos dos comprimidos usados por pessoas idosas escondem efeitos silenciosos que se somam no corpo ao longo do tempo.
Dona Maria tem 74 anos e toma oito comprimidos por dia. Cada “prescritor” que visitou ao longo dos anos deixou sua contribuição: um para dormir melhor, outro para a pressão, mais um para a ansiedade, outro para dor.
A família se orgulha em dizer que ela “faz o tratamento direitinho”. Mas, aos poucos, perceberam que Dona Maria já não tinha a mesma memória, caía com frequência e vivia sonolenta. “Coisa da idade”.
Será mesmo que a idade explica tudo?
O que poucos sabem é que muitos dos comprimidos usados por pessoas idosas escondem efeitos silenciosos que se somam no corpo. É como se cada remédio depositasse um tijolinho invisível na mente e no equilíbrio do idoso, até que a pilha se torna pesada demais. Esse peso tem um nome complicado: carga anticolinérgica.
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Quando o remédio cobra seu preço
Os efeitos desse acúmulo aparecem de forma sutil, confundindo até profissionais de saúde:
– a memória falha mais rápido do que deveria;
– o equilíbrio se perde, aumentando quedas e fraturas;
– surgem confusão mental e desorientação, muitas vezes tratadas como “demência” sem que realmente sejam;
– boca seca, constipação e dificuldade para urinar se tornam parte da rotina.
Não raro, esses sintomas levam a novas consultas e mais remédios prescritos. É o início da cascata iatrogênica: um efeito adverso gerado por medicamentos tratados… com ainda mais medicamentos.

O silêncio que custa caro
Quantas internações poderiam ser evitadas se houvesse um olhar mais atento?
Quantas quedas poderiam ser prevenidas?
Quantas memórias de nossos pais e avós poderiam ser preservadas apenas com uma revisão criteriosa dos remédios?
É doloroso reconhecer, mas a verdade é que não faltam remédios — falta avaliação clínica da farmacoterapia. Mas a boa notícia é que podemos mudar essa realidade:
– Revisar periodicamente os medicamentos que a pessoa idosa usa;
– Conversar com farmacêuticos clínicos, que têm ferramentas para medir a carga anticolinérgica e propor alternativas;
– Envolver a família, para que reconheça sinais de alerta e questione quando “mais um remédio” for prescrito sem avaliar os já existentes.
As pessoas idosas não precisam carregar o peso oculto dos comprimidos. O tratamento deve aliviar, não aprisionar. Um simples olhar crítico pode devolver memória, equilíbrio e qualidade de vida.
Talvez seja hora de perguntar: quem está cuidando da saúde das pessoas idosas: os remédios ou nós?
Foto de Polina Tankilevitch/pexels.
