Ainda acredito, verdadeiramente, que viver o envelhecimento de maneira ativa, dinâmica, aos 30, 40, 50, 60, 70 anos, e mais é possível, se soubermos ver as riquezas internas que marcam nossa singularidade: nossa história, nossas lembranças, nossas qualidades e talentos, aquilo que amamos, mais ou menos, em nós mesmos.
Isabelle Taubes *
Como surge a consciência do envelhecimento?
Danielle Quinodoz – Ela é resultado de nosso status de seres vivos que se sabem mortais. O tempo de terminar esta frase e, pronto, já estou mais velha. Todavia esta constatação será influenciada por momentos particulares. A primeira menstruação, as transformações ligadas a gravidez, as primeiras rugas, os primeiros cabelos brancos, a menopausa, a sensação de sermos menos alertas, menos dinâmicas.
No campo das relações, é o casamento ou a constatação que pode ser muito tarde para construir uma vida com alguém; a chegada dos filhos, que nos obrigam a renunciar a nossa imagem de jovem mulher sem compromisso; o dia onde nos tornamos avós; nosso primeiro emprego e depois a aposentadoria….Todas essas situações nas quais mudamos nosso papel social. Finalmente, os golpes mais duros, o luto, as doenças, os acidentes tem também um efeito de “envelhecimento”.
Ainda acredito, verdadeiramente, que viver o envelhecimento de maneira ativa, dinâmica, aos 30, 40, 50, 60, 70 anos, e mais é possível, se soubermos ver as riquezas internas que marcam nossa singularidade: nossa história, nossas lembranças, nossas qualidades e talentos, aquilo que amamos, mais ou menos, em nós mesmos.
Por que sentimos, com o passar dos anos, um descompasso entre a idade registrada nos documentos e aquela que percebemos subjetivamente?
D. Q. – Se, ao longo dos anos, nosso corpo e o olhar dos outros sobre nós se modificam, nós sentimos uma permanência do nosso ser. Uma mulher de 35 ou 40 anos não pode mais usar a mesma saia curta dos seus 20 anos sem ter a impressão da passagem do tempo. Mas, em relação a este descompasso entre a idade real e a idade sentida, é necessário distinguir duas atitudes distintas: querer parecer jovem, mesmo com a consciência de sua idade real, ou, ao contrário, recusá-la, decidindo ter sempre 20 anos. Para aceitar nossas rugas e nossos cabelos brancos é importante saber integrar as diferentes idades da vida, sem idealizar ou lamentar o passado.
Acredito que envelhecer é um trabalho de memorização e de construção: temos sempre um futuro a nossa frente, mesmo que seja breve, e prosseguimos, cotidianamente, a inventar nossa vida.
Além disto, podemos compensar com nossa realidade interna, emocional, as aptidões que perdemos. Eu perdi muito cedo uma parte das minhas capacidades auditivas, o que foi muito doloroso, mas eu pude compensar este déficit aumentando minha concentração, e prestando mais atenção aos outros. Eu escuto, provavelmente melhor, mesmo tendo perdido um ouvido.
Esta atitude não indica um temperamento particularmente otimista?
D. Q. – Trata-se, sobretudo, de ser curioso sobre si mesmo, de saber se apaixonar. Creio que cada um nasce com seus dons e riquezas pessoais. Não devemos perder tempo a desejar o que é dos outros, acreditar que o jardim é mais verde em outro lugar. Hoje, tenho 75 anos e rugas, mas posso amá-las, porque os que me são próximos as amam. Sabe, quando as pessoas próximas não enxergam além do que suas dificuldades, é porque têm medo da própria velhice.
Existem vantagens de envelhecer?
D. Q. – Sim, o envelhecimento pode ser uma experiência frutífera. Inicialmente a hierarquia de valores sofre mudanças: muitas coisas que eram capitais aos nossos olhos surgem, no presente, bem menos essenciais. As relações afetivas e amorosas são mais leves e sem a necessidade, obrigatória de seduzir. Depois se estabelece uma nova relação com o tempo que se anuncia, menos pleno e intenso. Uma de minhas pacientes, M. 72 anos, me contou uma história que a acompanhou por toda a vida. Ela tinha 6 anos e debulhava ervilhas com sua avó quando, repentinamente, perguntou: “ Vovó, e se lhe dissessem que você ia morrer daqui 15 minutos, o que faria?” Então sua avó a olhou com atenção e respondeu: “Eu continuaria a debulhar as ervilhas com você”. A menina e sua avó estavam integralmente presentes naquela atividade, aparentemente sem importância, mas que para elas era infinitamente preciosa.
Mas envelhecer não é também um prenúncio angustiante que vamos morrer?
D. Q. – É verdade, mas, ao lado deste tempo cronológico, posso experimentar outra qualidade de tempo que escapa a regularidade do relógio. Eu o denomino “segundos de eternidade”, imagem que empresto de Prevert(**). É o “choque” frente à beleza, ou momentos fortemente emotivos, ou ainda a descoberta de uma ideia poderosa que me transforma. Quanto mais envelheço, mais esses segundos, que nos fazem tocar com os dedos a eternidade, me parecem formidáveis e, mais ainda, tenho desejo de transmitir aos outros a ideia que eles existem. Não é uma negação do tempo, ao contrário, é a prova que a aventura da vida continua.
*Em entrevista concedida e publicada em Psychologies – Magazine nº 209. Disponível aqui. Tradução por Vera Brandão.
(**) Citação do poema “Amour” do livro Paroles, de Jacques Prevert. Paris, Gallimard “Folioplus classiques”, 2004.
Nota sobre Danielle Quinodoz
Membro formador da Sociedade Suíça de Psicanálise e da Associação Psicanalítica internacional. Autora dos livros: Viellir, une découverte (PUF, 2008); Des motas qui touchent (PUF, 2002); Le vertige, entre angoisse et plaisir (PUF, 1994). Este último traduzido para o português (Editora Artes Médicas, 1995).
Leia mais
Conferência proferida por Danielle Quinodoz na SBPSP em 12 de maio de 2011.
Envelhecer, uma viagem para a descoberta de si mesmo (2011). https://psicanalisedownload.files.wordpress.com/…/env
Quando o envelhecer é um desdobramento de si mesmo. Resenha do livro Growing old. A journey of self-discovery (2009). Por Alessandra Ricciardi Gordon. Disponível Aqui