A despeito do Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, ainda existem segmentos refratários em garantir os direitos e interesses da pessoa idosa, incluindo o direito à saúde, ligado ao direito à vida.
Oswaldo Peregrina Rodrigues (*)
Introdução
O Código de Defesa do Consumidor (LF n. 8.078/1990 – CDC), como o Estatuto do Idoso (LF n. 10.741/2003 – EI), seguindo as diretrizes constitucionais, garantem e protegem o direito à saúde a toda e qualquer pessoa natural, especificamente, no último caso, à pessoa idosa.
Para esse desiderato, terá livre acesso à rede pública de serviços de saúde, como aos de assistência social.
É-lhe facultada a contratação de “Plano Privado de Assistência à Saúde” (LF n. 9.656/1998 – Lei de Planos de Saúde – LPS); nesse caso, como se verá, o Estatuto veda a cobrança de contraprestação pecuniária ao usuário do plano de saúde especificamente por sua idade idosa (art. 15, § 3º).
A despeito dessas expressas disposições legais, são conhecidos os inúmeros debates judiciais em conflitos de interesses entre os contratantes, na qualidade de consumidores, usuários, e as pessoas jurídicas operadoras desses planos privados de saúde, cujas demandas processam-se por todas as instâncias do Poder Judiciário brasileiro, chegando até aos Tribunais Superiores: STF e STJ.
Em recente manifestação processual, em nome da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, como fiscal da ordem jurídica, em processo de sua competência originária cível, perante o Órgão Especial do TJSP, deparei-me com pedido de reclamação (art. 988, CPC/2015), promovido por Casal idoso contra Turma de Uniformização – do Sistema dos Juizados Especiais do TJSP –, por ter rejeitado pedido de uniformização de interpretação de lei (LF n. 12.153/2009, arts. 18 e 19), asseverando a inobservância de decisão judicial emanada do Superior Tribunal de Justiça, por sua Segunda Seção, no caso, da proferida no Recurso Especial Repetitivo n. 1.360.969/RS, sendo Relator designado o Ministro Marco Aurélio Bellizze – e Relator sorteado o Ministro Marco Buzzi.
Dessa decisão firmou-se esta tese: “Na vigência dos contratos de plano ou de seguro de assistência à saúde, a pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste nele prevista prescreve em 20 anos (art. 177 do CC/1916) ou em 3 anos (art. 206, § 3º, IV, do CC/2002), observada a regra de transição do art. 2.028 do CC/2002.” (Tema 610).
Sem aqui adentrar ao mérito da procedência ou não da aludida reclamação, este texto tem como objeto principal a descrição desse Tema concretizado pelo STJ acerca do lapso de tempo para a prescrição da pretensão revisional de cláusula de reajuste da contraprestação financeira, como da consequente repetição do indébito, pleitos legítimos e inquestionáveis assegurados ao consumidor – usuário –, incluindo o consumidor-idoso.
Legislação Protetiva
Como posto, para este trabalho, duas normas legais são pertinentes à proteção de dois sujeitos: consumidor e idoso; os quais, neste caso, estão aglutinados em um só, qual seja, o Consumidor-Idoso que para garantir seu direito à saúde valer-seá de um plano privado de saúde.
Ao descrever os princípios que hão de nortear a “Política Nacional de Relações de Consumo”, nos incisos de seu artigo 4º, em sua cabeça (1), o CDC regra que “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: […]”.
Enquanto isso, o Estatuto do Idoso, depois de em suas “Disposições Preliminares” garantir à pessoa idosa todos os direitos fundamentais postos a toda e qualquer pessoa natural, incluindo o direito à saúde, física e mental, com integral proteção e absoluta prioridade (arts. 2º e 3º), com acesso aos serviços públicos de saúde e à assistência social (art. 3º, § 1º, VIII), especifica, no que agora aqui interessa, ao cuidar do “Direito à Saúde”: “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”, em seu artigo 15, § 3º.
Ainda que aqui seja um mero introito, de pronto conclui-se, por mera interpretação gramatical, que a pessoa idosa que celebre um contrato de prestação de serviços ou de cobertura de custos assistenciais à saúde, ou seja, um “Plano Privado de Assistência à Saúde” – nos ditames do artigo 1º, inciso I, da LF n. 9.656/1998, intitulada
Lei de Planos de Saúde –, não poderá sofrer sobrecarga em sua contraprestação pecuniária, exclusivamente, por sua idade.
Dispondo de forma genérica, mas correlata, o CDC dita a nulidade de cláusula contratual que permita “[…] ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;” (art. 51, X), por ser considerada abusiva.
Também a Lei de Planos de Saúde por seu artigo 15, aqui, com especificidade seu parágrafo único: “É vedada a variação a que alude o ‘caput’ para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos.” (2)
Conquanto assim esteja posta essa matéria, inolvidável as controvérsias, doutrinárias e judiciais, sobre o termo inicial da celebração do contrato para aplicar essas determinações legais, mormente, a estatutária.
O Termo Inicial do Contrato
O conflito de posições centrou-se na imediata aplicação do Estatuto do Idoso, especificamente, de seu artigo 15, § 3º, acima transcrito, a todos os contratos de planos privados de saúde, ou somente àqueles convencionados após a vigência desse texto legal.
Daniela Batalha Trettel anota as opiniões que foram acolhidas pela ANS –Agência Nacional de Saúde Suplementar – e o IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor –, aquela pretendendo a aplicação do EI somente a contratos celebrados depois de sua vigência; ele, asseverando “[…] que, sendo o contrato de plano de saúde de trato sucessivo, e a Lei n. 10.741/03 de interesse social e regulamentadora de proteção ao idoso prevista na Constituição Federal, sua aplicabilidade é imediata, incluindo todos os fatos ocorridos em planos de saúde a partir de sua entrada em vigor, independentemente da data de assinatura do contrato.” (3)
Em seara jurisdicional, o Superior Tribunal de Justiça firmou esta tese: “O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.” (Tema 952)(4); com trânsito em julgado em 05.09.2018.
Essa matéria teve Repercussão Geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, com este título: “Aplicação do Estatuto do Idoso a contrato de plano de saúde firmado anteriormente a sua vigência.” (Tema 381) (5)
Ressalto, contudo, que no Estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça pacificara, por sua Súmula 100: “O contrato de plano/seguro saúde submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei n. 9.656/98 ainda que a avença tenha sido celebrada antes da vigência desses diplomas legais.”
Há que se aguardar uma palavra final!
A Prescrição da Pretensão Judicial
No caso especificado, cuja situação fática concreta é despicienda para este texto, realçada tão só a questão jurídica, o Juizado Especial Cível ao acolher em parte a pretensão inicial do Casal idoso(6), com o escopo de reconhecer a nulidade de cláusula de reajuste da contraprestação pecuniária decorrente dessa idade idosa, garantiu a repetição do indébito, com prescrição ânua.
Em recurso inominado, a Turma Cível do Colégio Recursal, por maioria de votos, estabeleceu como termo inaugural para essa devolução a data da propositura da demanda judicial.
Em face disso, e com fulcro no sobredito Recurso Especial n. 1.360.969/RS, aforaram o pedido de uniformização de interpretação de lei, desacolhido pela respectiva Turma de Uniformização.
Como posto, por essa decisão judicial, o STJ, por sua Segunda Seção, em 10.08.2016, com trânsito em julgado em 17.11.2016, também no REsp n. 1.361.182/RS, tendo por questionamento a “Discussão sobre o prazo prescricional para exercício da pretensão de revisão de cláusula contratual que prevê reajuste de plano de saúde e
respectiva repetição dos valores supostamente pagos a maior”, por maioria de votos, firmou o Tema 610 com esta tese: “Na vigência dos contratos de plano ou de seguro de assistência à saúde, a pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste nele prevista prescreve em 20 anos (art. 177 do CC/1916) ou em 3 anos (art. 206, § 3º, IV, do CC/2002), observada a regra de transição do art. 2.028 do CC/2002.” (7)
Ao motivar seu voto vencedor e condutor dessa Tese (8), no que aqui é pertinente, o Ministro Marco Aurélio Bellizze, pugnando pelo enriquecimento sem causa como paradigma a fundamentar o pedido de repetição do indébito e, por conseguinte, na vigência do Código Civil de 2002, o lapso temporal da prescrição em três anos, sintetiza “[…] que, a meu juízo, não se justifica a tolerância de uma cláusula tida por abusiva por aproximadamente uma década, além de que a repetição do indébito por esse longo período (agravamento do passivo) poderia comprometer, inclusive, a higidez do próprio sistema coletivo de assistência à saúde, em prejuízo dos próprios consumidores, inclusive o demandante.”
Por seu turno, o Ministro Marco Buzzi, em seu voto vencido (9), refuta esse prazo prescricional trienal, como o quinquênio estatuído no CDC, em seu artigo 27, caput (10), menos ainda o de um só ano (11) , pugnando pelo geral de dez anos (art. 205, CC/2002), concluindo: “Nessa perspectiva, portanto, eis o entendimento a ser firmado para efeitos do artigo 543-C do CPC: ‘A pretensão de revisão de cláusula contratual considerada abusiva (nula) pelo beneficiário de plano de saúde cumulada com pedido de repetição do indébito subsume-se à regra da prescrição vintenária (artigo 177 do Código Civil de 1916) ou decenal (artigo 205 do Código Civil de 2002), respeitada a norma de transição do artigo 2.028 do último diploma.’”
Com efeito, esses os prazos de prescrição da pretensão judicial para a repetição do indébito: um, três, cinco ou dez anos; postos como paradigma em variadas decisões judiciais.
Conclusão
Neste texto, sem a pretensão de esgotar a matéria, tive propósito de averiguar, anotar e realçar, que, a despeito de normas legais editadas com suporte constitucional, sobretudo, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, ainda existem segmentos da sociedade brasileira refratários em dar efetiva, real e concreta garantia aos direitos e interesses da pessoa idosa, incluindo seu direito fundamental à saúde, íntimo, intrínseca e umbilicalmente ligado ao direito à vida.
Mais: suficiente não é a garantia e proteção desses direitos humanos fundamentais, porquanto, pelos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa natural, como vetores mor à interpretação e aplicação de seus direitos e interesses, infere-se que o direito à saúde há de ser digno, com o escopo de proporcionar uma vida digna, saudável e prazerosa, fim primordial visado pelo ser humano.
Dois pontos aqui destacados, sem apor ponto final algum ao debate, demonstram a falta de sintonia entre o direito posto e sua interpretação e integração doutrinária e judicial.
O primeiro, a expressa e precisa vedação imposta pelo Estatuto do Idoso ao reajuste de contraprestação pecuniária à pessoa idosa, usuária e contratante de plano privado de saúde, só por sua idade (art. 15, § 3º), vedação parafraseada no mesmo artigo 15, porém, em seu parágrafo único, da Lei de Planos de Saúde.
Segundo: caso exista cláusula abusiva em contrato particular, por exemplo, com esse indevido aumento pela idade idosa, expressa e legalmente vedado, a pessoa idosa usuário ostenta o legítimo direito subjetivo em postular sua revisão e, por conseguinte, a devolução do injustamente pago em contraprestação.
Essa pretensão judicial, como de costume, está fadada a prazos legais para ser usufruída, pena de esvaecer esse direito em demandar; esses prazos, contudo, são díssonos: um, três, cinco ou dez anos, cada qual com dispositivos legais paradigmáticos.
Com o escopo de, senão apaziguar, ao menos amenizar o conflito interpretativo, o Superior Tribunal de Justiça, ante os múltiplos recursos sobre essa temática, por maioria de votos de sua Segunda Seção, firmou o Tema 610 estatuindo o triênio como prazo legal da prescrição.
Essa questão, decerto, surtirá outros debates jurídicos, mesmo porque, como visto, a votação dessa Tese foi por maioria de cinco votos contra quatro dos Ministros do STF.
Bibliografia Básica
MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2ª ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 187-224.
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da pessoa idosa. São Paulo: Verbatim, 2016.
TRETTEL, Daniela Batalha. Planos de saúde na visão do STJ e do STF. São Paulo: Verbatim, 2010.
Notas
(1) Redação posta pela Lei Federal n. 9.008/1995.
(2) Medida Provisória n. 2.177-44/2001, que também deu nova redação à cabeça do artigo.
(3) Planos de saúde na visão do STJ e do STF, p. 118.
(4) STJ – Resp n. 1.568.244/RJ – j. 14.12.2016 – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.
(5) STF – RE n. 630.852 – j. 08.04.2011 – Rel. Min. Rosa Weber.
(6) Pedido de dano moral fora desacolhido.
(7) Em 04.02.2013, o Min. Marco Buzzi, como Relator sorteado, deliberara: “Constatada a multiplicidade de recursos especiais acerca da matéria, encampo a decisão proferida pelo Juízo a quo, submetendo o julgamento deste recurso ao procedimento do artigo 543-C do CPC, afetando-o à Segunda Seção (artigo 2º, § 1º, da Resolução STJ 08/2008).”
(8) Acompanharam-no os Min. Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Raul Araújo e Ricardo Villas Bôas Cueva.
(9) Também votaram vencidos os Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.
(10) Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
(11) Relacionado a contratos de seguro em geral (art. 206, § 1º, II, CC/2002).
(*)Oswaldo Peregrina Rodrigues – Promotor de Justiça em São Paulo. Assessor Jurídico da PGJ. Professor Universitário na PUC/SP – Graduação e Pós-graduação “Stricto sensu”. Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP.