Minha experiência no grupo “Sensibilidades nos pés”

Minha experiência no grupo “Sensibilidades nos pés”

A cabeça está mais esquecida, os pés mais cansados. As responsabilidades, afazeres e ansiedades se mantém na velhice. A realidade socioeconômica não dá descanso.

Giovanna Ribeiro Mingues (*)


Há seis meses, se me perguntassem qual a parte do meu corpo está mais sujeita ao cansaço, provavelmente minha primeira resposta seria a cabeça. São tantos pensamentos, responsabilidades, possibilidades, ansiedades. Às vezes, quando está muito pesada, peço em silêncio para que seja esvaziada. Ou melhor, pedia.

Após vivenciar a minha experiência do grupo “Sensibilidades nos pés” em uma Unidade de Referência à Saúde do Idoso (URSI) na cidade de São Paulo, o dilema se tornou outro. Experienciar o contato com a velhice me fez reconhecer a graça da juventude. Inclusive, a cabeça pesada. Mas calma, sem precipitações. Eu não estou falando que a velhice é ruim ou sequer que nela não haja propósito. Faz parte da vida assim como qualquer outro ciclo. Mas, os seus desafios são completamente exclusivos. A cabeça está mais esquecida, os pés mais cansados. No entanto, as responsabilidades, afazeres e ansiedades se mantém. A realidade socioeconômica brasileira não dá descanso.

E aqui se faz a história de três pessoas idosas: seu V., dona E. e dona M.

Seu V., senhor carismático e sorridente, diabético, vendedor ambulante, marido, pai e avô, ensinou tanto sem sequer se esforçar. Com os dentes sempre à mostra, contava sobre sua história com a diabetes com tamanha leveza e naturalidade que o meu estranhamento ao ouvi-lo chegou a ser desconfortável a mim mesma. Formigamento nos pés, ida ao pronto socorro algumas vezes, receitado benzetacil todas as vezes, de repente, coma. Descobriu a diabetes depois de três dias desacordado. Após a perda de alguns dedos dos pés e com um pacote de insulinas, volta para sua rotina. Seu V. vende águas em frente à estação de metrô para complementar a renda e ficar parado não é uma opção. Trabalha todo dia e sem reclamações, chega aos encontros sempre contente e agradecendo a seu Deus pela vida que tem.

Dona E., senhora introspectiva, diabética, formada em direito e com o sonho adormecido de ser jornalista, apresenta dores nos pés e preocupações a respeito da morte. Sua herança: um diário para a morte, que será entregue à neta, mas deve ser jogado após sua partida. Além do diário, como herança, ensina a mim a preciosidade dos sonhos e a importância de seguirmos firmes com os nossos desejos. A vida é um mar de possibilidades, mas às vezes, as portas se fecham e as chaves que temos já não servem mais.

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Dona M., senhora-fortaleza, dona de casa, mãe de oito filhos, avó-mãe de muitos netos, marcada pela dureza dos anos, atravessa a mim com a persistência no cuidado. O cansaço fala alto, as dores já não são amenas, mas o cuidado com aqueles que dela dependem, em momento algum, deixa de ser prioridade. Acolher, orientar e cuidar de quem se ama é o recado que Dona M. deixa. O meu recado, no entanto, é que cuidar tem seus frutos, mas dar espaço ao cuidado do outro é fundamental para a própria nutrição.

A história de Seu V., que me ensina sobre resiliência, a vida de Dona E., que me mostra a importância de persistir nos sonhos, e a força de Dona M., que me relembra a necessidade do autocuidado, foram fundamentais não somente para um breve entendimento do universo do envelhecimento, mas especialmente para a reflexão acerca da minha própria juventude. A cabeça pode pesar, mas o mar de possibilidades está aqui e agora. Os caminhos estão dispostos e abertos para serem traçados ao modo e maneira que me couber. As responsabilidades alterarão somente de roupagem, mas as possibilidades, estas sim, podem vir a se reduzir. Estar aqui e agora é fundamental para estar lá na frente com a certeza de que vivi os sonhos que eu mesma sonhei.

(*) Giovanna Ribeiro Mingues – Estudante do 6º semestre do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Texto produzido como resultado do Estágio Básico I, supervisionado pela Profa. Dra. Ruth G. da C. Lopes, Turma: EBIVE52. E-mail: [email protected]

Foto destaque de Kaique Rocha/pexels.


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